Agulha de tatuagem de 2 mil anos identificada por arqueólogos

A ferramenta, que já foi desprezada por ser um “pequeno artefato de aparência estranha”, é um milênio mais antiga que as provas anteriores da prática de tatuagem no sudoeste dos EUA.

Por Krista Langlois
Publicado 4 de abr. de 2019, 07:40 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Os arqueólogos precisaram de um ano de pesquisa para determinar se o ramo de espinhos de cacto foi utilizado para perfurar e decorar a pele humana.
Foto de Robert Hubner, Washington State University

A FERRAMENTA É feita de um ramo de espinhos do cacto figueira-da-índia, suas pontas eram molhadas em pigmento escuro, inseridas em um cabo entalhado a partir de sumagre de limonada e atadas com fibra de mandioca.

Há cerca de 2 mil anos, um tatuador usou essa ferramenta, onde atualmente é o sudeste de Utah, para perfurar um desenho na pele de alguém. Depois que a ponta de um dos espinhos de cacto quebrou, a ferramenta provavelmente foi jogada em uma pilha de lixo. Ficou lá por séculos, junto com ossos, sabugos de milho e outros itens descartados.

Agora, em um novo artigo no periódico Journal of Archaeological Science: Reports, uma equipe de arqueólogos concluiu que essa ferramenta de espinho de cacto é a prova mais antiga da prática de tatuagem no sudoeste dos EUA.

A ferramenta de tatuagem teve uma jornada interessante desde seu descarte, há dois milênios. Em 1972, uma equipe de arqueólogos escavou a pilha de lixo do sítio de Turkey Pen na área da Grande Cedar Mesa. Sem dar muita bola para o “pequeno artefato de aparência estranha,” chamado assim posteriormente por um arqueólogo, a equipe colocou centenas de objetos desse local em caixas para armazená-los na Universidade do Estado de Washington.

Andrew Gillreath-Brown estava fazendo um inventário da coleção em 2017 quando se deparou com a ferramenta de espinho de cacto. O candidato a PhD do Estado de Washington tinha sido voluntário na Divisão de Arqueologia do Tennessee e conhecia um arqueólogo de lá especializado em Pré-História, chamado Aaron Deter-Wolf, o qual havia liderado uma pesquisa na arqueologia da tatuagem. Gillreath-Brown escreveu para seu antigo colega: “encontrei isso e acho que poderia ser uma ferramenta de tatuagem.”

Deter-Wolf ficou estarrecido. Se o ramo de espinhos de cacto realmente tivesse sido usado para tatuar, seria mil anos anterior à evidência arqueológica da prática de tatuagem no oeste dos Estados Unidos, datando de 79-130 d.C. (Um kit de tatuagem ainda mais antigo, do leste dos EUA, também foi identificado por Deter-Wolf, mas a pesquisa ainda não foi publicada.)

Também ajudaria os pesquisadores a montar um quadro emergente de quando e por que as culturas em todo o mundo adotaram a tatuagem, uma arte amplamente praticada que foi quase perdida com o colonialismo europeu.

Então, Deter-Wolf, Gillreath-Brown e muitos outros pesquisadores embarcaram em uma investida que durou um ano para confirmar a finalidade da ferramenta. Além das análises microscópicas e de raio-X, Gillreath-Brown reconstruiu réplicas exatas da ferramenta e as usou para tatuar pele de porco. Quando comparou os padrões de desgaste nos espinhos de cacto das réplicas com a original em um microscópio eletrônico de varredura, eram extraordinariamente semelhantes.

A arte dessa época no sudoeste, conhecida como o período Basketmaker II, representa pessoas com o corpo decorado, mas até agora não estava claro se os traços representavam tintura corporal, escarificação ou tatuagem.

“Esta é uma descoberta interessante que se tornou importante e significativa graças à análise sistemática que mostra, de forma convincente, que foi utilizada para fazer tatuagem há quase dois milênios,” diz Michelle Hegmon, arqueóloga da Universidade do Estado do Arizona que não participou do estudo. “Esse entendimento, por sua vez, é importante para compreendermos a identidade social” dos índios Pueblo ancestrais, cujos descendentes ainda vivem em tribos nativo-americanas no sudoeste dos EUA.

Aqui e em outras partes do mundo, tudo indica que as pessoas passaram a utilizar a tatuagem mais ou menos ao mesmo tempo em que adotaram estilos de vida baseados na agricultura. No sudoeste, os índios Pueblo estavam passando dos padrões nômades de caça e extrativismo para o assentamento em vilas semipermanentes e o cultivo de milho. O clima estava ficando mais quente e as populações humanas estavam se expandindo. A teoria de Deter-Wolf é de que as tatuagens podem ter ajudado a criar um senso de identidade diante de tanta agitação.

“Quando se convive tão próximo a pessoas novas com as quais não há parentesco, é preciso inventar novas ideias para unir o grupo,” diz ele. Ao mesmo tempo, as tatuagens podem ter sido usadas para afirmar a identidade individual, marcando uma linhagem ancestral ou conquistas específicas. “É uma forma de manter sua própria história pessoal e simultaneamente criar essa coesão geral do grupo,” explica Deter-Wolf.

Terras indígenas

Quando os colonizadores e missionários europeus invadiram as terras indígenas na América do Norte e mais além, frequentemente proibiam a prática da tatuagem entre os povos nativos. Em muitos locais do mundo, a tatuagem tradicional quase foi extinta. Até mesmo a maioria dos arqueólogos ocidentais do século 20 ignorou a evidência de sua prática, talvez por causa dos conceitos errôneos persistentes de que a tatuagem era “selvagem” ou praticada somente por subculturas marginalizadas.

A única prova de tatuagem tradicional que parece ter sobrevivido entre os índios Pueblo modernos é proveniente de levantamentos antropológicos realizados em meados do século 20. Em uma lista enorme de questões, os pesquisadores perguntaram para os anciãos da tribo se seus ancestrais praticavam a tatuagem. Muitos, inclusive os povos zuni, acoma e laguna responderam sim.

Dan Simplicio Jr., membro do povo zuni e especialista cultural do Centro Arqueológico Canyon Crow de Colorado, diz que a ideia de seus ancestrais praticarem tatuagem não o surpreende. Há uma palavra na língua zuni, dopdo’gna, que se traduz como “espetar com uma agulha”, e a palavra para agulha também pode significar espinhos de cacto ou mandioca.

Simplicio alerta que uma única ferramenta não é prova suficiente para confirmar como os índios Pueblo ancestrais usavam a tatuagem ou quais desenhos eles poderiam ter feito. Ainda, há semelhanças suficientes entre outras culturas indígenas no continente para arriscar alguns palpites. Muitas tribos nativo-americanas incorporaram tatuagens em cerimônias de passagem de idade ou para canalizar o poder espiritual, especialmente entre as mulheres. Tatuagens no queixo, com linhas irradiando do lábio inferior da mulher, já foram comuns nas Américas e Deter-Wolf acredita que haja uma grande chance de que as índias Pueblo também possam ter tido o mesmo tipo de tatuagem.

Como os arqueólogos estão prestando mais atenção à tatuagem, Deter-Wolf acredita que aparecerão mais ferramentas usadas para tatuar, a fim de pintar um quadro mais completo da inclinação humana a marcar nossos corpos com tinta. “Minha opinião pessoal é que provavelmente a tatuagem seja quase tão antiga quanto a humanidade,” diz ele. “Provavelmente, se tivéssemos a capacidade de dominar mais esse assunto, seria algo parecido com a língua falada ou aprender a fazer fogo, algo que está incrivelmente enraizado em nossa existência simbólica como seres humanos.”

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