SpaceX lança nova era de viagem espacial em primeiro voo tripulado da empresa

Os astronautas da Nasa Bob Behnken e Doug Hurley pilotam uma nova espaçonave em direção à Estação Espacial Internacional.

Por Nadia Drake
Publicado 30 de mai. de 2020, 19:36 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O foguete Falcon 9, da SpaceX, decola do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, levando os astronautas Bob ...

O foguete Falcon 9, da SpaceX, decola do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, levando os astronautas Bob Behnken e Doug Hurley, da Nasa.

Foto de Michael Seeley, National Geographic

Embaixo de nuvens em movimento e com alguns buracos de céu azul, um foguete SpaceX Falcon 9 decolou do Centro Espacial Kennedy (KSC), da Nasa, às 16h22 de hoje (30/05), horário de Brasília. O combustível queimado esquentou o já sufocante ar e causou tremores na costa da Flórida, nos EUA. Dentro da espaçonave, posicionada no alto do foguete de quase 70 metros, os experientes astronautas Bob Behnken e Doug Hurley atravessaram o céu.

“SpaceX, Dragon, estamos prontos para o lançamento, vamos acender esta vela”, disse Hurley para os controladores da missão em Hawthorne, Califórnia, logo antes da decolagem.

Behnken e Hurley – ocasionalmente chamados por colegas de Dr. Bob e Chunky – estão, neste momento, em estado de cruzeiro em direção a Estação Espacial Internacional (EEI), uma viagem que deve durar 19 horas. O voo da Crew Dragon, da SpaceX, é apenas o quinto da história dos EUA que pilotos se utilizaram de um espaçonave nova para levá-los à órbita.

Pela primeira vez desde que a Nasa aposentou seus ônibus espaciais em 2011, a agência pôde enviar astronautas desde sua terra natal em vez de pagar por assentos em uma nave russa. Agora, a comprará assentos na Crew Dragon. No novo modelo de parceria, a SpaceX mantém a posse e o controle operacional de sua nave, o que quer dizer que qualquer um que tenha dinheiro, ao menos em teoria, pode comprar uma passagem para o espaço.

“Queremos enviar todo tido de pessoa para o espaço”, diz Benji Reed, diretor de missões tripuladas na SpaceX. “Tudo que estamos fazendo é abrir um novo capítulo na era da exploração espacial.”

O astronauta da Nasa Doug Hurley diz tchau para a esposa, Karen Nyberg, e o filho, Jack, à caminho do foguete Falcon 9, da SpaceX, e da cápsula Crew Dragon. 

Foto de Joe Raedle, Getty Images

O astronauta Robert Behnken dá um joia enquanto caminha para a plataforma de lançamento com Doug Hurley.

Foto de Bill Ingalls, NASA

Destino: Estação Espacial Internacional

O voo de hoje, chamado Demo-2, estava inicialmente marcado para 27 de maio, mas raios e nuvens próximas da plataforma de lançamento forçaram o cancelamento 17 minutos antes da decolagem.

“É um desafio competir com o tempo aqui na Flórida durante o verão”, disse o diretor do KSC da Nasa Bob Cabana, em 29 de maio. “Mas vamos fazer o que é certo.”

Demo-2 é o segundo e último teste da nave Crew Dragon antes que o veículo seja certificado para lançamentos regulares com passageiros. Se o voo de demonstração seja completamente bem-sucedido, SpaceX poderá programar sua primeira missão operacional a fim de enviar astronautas para a EEI, chamada Crew-1, para este ano.

“Não vemos um momento assim desde 1980, este momento de antecipação com um novo programa começando e uma nova maneira de fazer as coisas”, disse Jennifer Levasseur, curadora e historiadora no Museu Nacional Smithsonian do Ar e Espaço.

Projetado para transportar até sete pessoas entre a costa Atlântica da Flórida e a órbita baixa da Terra, a cápsula da SpaceX é um veículo moderno com janelas, painéis de controle com touch screen e um grande bagageiro. Em órbita, 16 propulsores Draco orientam a nave no espaço.

Oito motores SuperDraco maiores dão à Crew Dragon a possibilidade de abortar a missão, lançando a cápsula tripulada para longe dos foguetes em uma eventual emergência. Essa capacidade de abortar durante o voo foi pensada para evitar catástrofes como a destruição da nave Challenger, em 1986, que explodiu pouco depois do lançamento, matando todos os sete tripulantes.

“É um sistema muito eficiente”, disse Reed. “Você investe muito nisso, testa, confere se vai da certo e torce para que nunca, nunca use.”

A brilhante chama alaranjada da 'vela' SpaceX parece fazer uma linha em meio às nuvens nesta foto de longa-exposição.

Foto de Composição com duas imagens de MICHAEL SEELEY, NATIONAL GEOGRAPHIC

Behnken e Hurley não precisaram abortar o sistema hoje. Com os cintos afivelados dentro da cápsula, eles se separaram do foguete Falcon 9 cerca de 12 minutos depois da decolagem. Por boa parte do tempo, a Crew Dragon vai se pilotar sozinha enquanto os astronautas testam equipamentos –como os sistemas de suporte à vida e as roupas pressurizadas. À medida que a nave se aproxima da estação, no entanto, Hurley tomará o controle e testará manobras com a cápsula manualmente – um teste crucial da capacidade de operação da Crew Dragon em caso de falha no piloto automático.

“É um voo de teste crucial”, diz a gerente de programas tripulados comerciais da Nasa Kathy Lueders. “Bob e Doug poderão testar em voo o veículo para ter certeza de que, antes que ele seja certificado, o projeto funciona.”

A Dragon deve se acoplar a EEI de maneira autônoma às 11h29 de 31 de maio, quando Behnken e Hurley se juntarão aos astronautas Chris Cassidy, americano, e Anatoly Ivanishin e Ivan Vagner, russos. A tripulação do Demo-2 deve ficar no espaço entre um e quatro meses, a depender tanto das operações na estação como a data de lançamento da Crew-1, marcada atualmente para fim de agosto.

Dois veteranos no espaço

Behnken e Hurleu são astronautas há 20 anos, amigos próximos e ex-pilotos militares de teste. Cada um embarcou em duas missões para levar partes da EEI à órbita – e Hurley pilotou a última viagem de ônibus espacial antes do programa ser aposentado em 2011.

“O plano era que o primeiro veículo americano a ser lançado da Flórida com destino à EII pegaria aquela bandeira”, disse Hurley antes do lançamento ao se referir à bandeira que ele deixou na estação em 2011. Nenhum dos dois esperavam outra missão de voo depois que o ônibus espacial foi aposentado, muito menos em uma espaçonave completamente nova.

“A gente ansiava em ser parte de uma missão de teste, de teste de voo espacial”, disse Behnken. “É algo com que eu sempre sonhei”, apesar da possibilidade de ser improvável alguns anos atrás.

Mas, em 2015, a Nasa selecionou os dois profissionais para o programa de tripulação comercial Commercial Crew. Agora, ao se juntas aos colegas a bordo da estação que ajudaram a construir, Hurley, 52, e Behnken, 49, sentem-se como se estivessem retornando a uma antiga casa.

“[Cassidy] disse algo sobre como ele espera ver nossas caras feias dentro da estação”, disse Hurley logo depois de chegar ao Cabo Canaveral, local do lançamento, em 20 de maio. “Esperamos chegar lá e oferecer mãos extras que possam ajudar e não dar mais trabalho.”

Quando os astronautas da Demo-2 deixarem a EEI, voarão com a Crew Dragon através da atmosfera terrestre e pousarão na costa da Flórida usando quatro paraquedas. O pouso no oceano é similar aos das naves americanas que fizeram o mesmo nos anos 1960 e 1970.

“O projeto da cápsula é um pouco rudimentar de certa forma, mas faz muito sentido para entrar e sair da atmosfera terrestre de maneira mais simples e leve”, disse Bill Barry, historiador chefe da Nasa. Cápsulas também deverão ser eficientes para alcançar destinos mais distantes que a vizinhança próxima da Terra, como Marte.

“Queremos que o próximo veículo especial nos leve para além da órbita terrestre baixa”, diz Barry.

Sessenta anos de lançamentos no Cabo

Por décadas, as espaçonaves da Nasa atravessaram os céus da Flórida, aproveitando a velocidade mais rápida de rotação da Terra próxima ao Equador para catapultar pessoas e equipamentos sobre o Atlântico em direção ao espaço.

E, mesmo durante os primeiros anos de viagens espaciais tripuladas, empresas privadas tiveram papel importante em lançar astronautas em órbita.

“Não é que os empregados civis da Nasa sentaram lá e com alicates construíram Mercury, Gemini, Apollo [outras espaçonaves]”, diz Barry. “Tínhamos empreiteiros que faziam isso.”

No começo dos anos 1980, enquanto a União Soviética mantinha o mesmo projeto básico de espaçonave, os EUA tentaram uma abordagem diferente. A Nasa abandonou as cápsulas dos seus anos iniciais e lançou uma espaçonave com asas fixas à orbita – um ônibus espacial que carregava sete astronautas. Em vez de cair de paraquedas na Terra, o ônibus poderia planar e pousar na Terra como um avião em uma pista de pouso no KSC ou na Base Aérea Edwards, na Califórnia.

Os céus da Flórida estavam carregados nos dias anteriores ao lançamento de hoje e não clarearam até pouco menos de uma hora antes do lançamento.

Foto de Bill Ingalls, NASA

Trinta anos de lançamentos transformaram o barulho de foguetes em rotina no Cabo Canaveral. Missões levaram telescópios para à órbita, permitiram experimentos científicos em microgravidade e carregaram equipamentos para construir a EEI. Mas o programa de ônibus espaciais também sofreu duas tragédias que mataram 14 astronautas: Challenger, em 1986, e Columbia, que se desintegrou durante reentrada em 2003.

Em 2011, voo espaciais tripulados tiveram uma pausa nos EUA. A Nasa aposentou o programa, há tempos sofrendo com gastos cada vez maiores, e perdeu a habilidade de enviar astronautas à órbita. Os EUA começaram a comprar assentos na espaçonave russa Soyuz.

Por assento, “eles cobravam cerca de US$ 20 mihões, e o preço aumentou”, diz Barry. Hoje a Nasa paga até US$ 90 milhões por astronauta. “É bem caro chegar ao espaço.”

Ao mesmo tempo, no entanto, a Nasa criou as bases para o programa de voos tripulados comerciais – uma iniciativa para devolver aos EUA a capacidade orbital. Em 2014, a Nasa escolheu duas empresas terceirizadas para desenvolver veículos a fim de atingir a órbita baixa terrestre: Boeing, com um contrato de US$ 4,2 bilhões para construir a nave Starliner, e SpaceX, com um contrato de US$ 2,6 bilhões para construir a Crew Dragon.

A SpaceX se tornou a primeira empresa comercial a entregar carga para a EEI em 2012. Desde então, a empresa já realizou cerca de 24 missões de reabastecimento até a estação com a versão cargueira de sua nave Dragon e levou satélites para vários clientes, chegando à órbita terrestre mais vezes que qualquer outra organização dos EUA.

Fundada em 2002 pelo bilionário Elon Musk, a missão declarada da empresa sempre foi baratear as viagens espaciais, ajudando a humanidade a se mudar da Terra. Para Musk, seguir a missão significou construir foguetes orbitais reutilizáveis em vez de abandoná-los no oceano depois de cada lançamento. Mas a companhia não teve sucesso no começo.

A incursão da SpaceX na produção de foguetes foi marcada por falhas dramáticas e feitos históricos de engenharia. Antes de pousar o primeiro estágio de um foguete orbital em 2015 – algo até então inédito e que permitiu à empresa reutilizar os estágios da nave Falcon 9 em 2017 – a SpaceX viu vários propulsores explodirem e tentativas de pouso falharem. Ano passado, um dos motores do sistema de abortamento de missão da Crew Dragon estourou durante um teste.

“Você precisa aprender essas lições difíceis, e eu acho que, às vezes, a indústria aeroespacial se envergonha das falhas na fase de desenvolvimento – é ruim politicamente, é difícil e a mídia com certeza faz muito barulho”, disse a presidente da SpaceX Gwynne Shotwell antes do lançamento da Demo-2. “Honestamente, acho que esses começos e essas raízes são criticamente importantes para o nosso sucesso.”

Até hoje, a empresa pousou 45 vezes o módulo de primeiro estágio de uma Falcon 9, e reutilizou 31 propulsores. Um dos módulos decolou cinco vezes até colidir em uma tentativa de pouso.

“Vamos fazer da nossa maneira, não vamos fazer necessariamente do jeito antigo”, diz Levasseur, do museu Smithsonian, sobre a abordagem da SpaceX em relação aos voos espaciais. “Somos capazes de mudar a forma, somos capazes de mudar como funciona.”

Depois de levar pessoas à EEI, a SpaceX mira a Lua e Marte. A empresa está projetando e testando um novo foguete chamado Starship – um veículo que tem explodido com frequência em testes, o mais recente em 29 de maio. Recentemente, a Nasa repassou à SpaceX a quantia de US$ 135 milhões para fazer da Starship uma potencial nave lunar.

“Prevemos um futuro onde a órbita baixa da Terra seja inteiramente comercializada – uma situação em que a Nasa é apenas um cliente de vários, em que muitos fornecedores competem por preço, inovação e segurança”, diz o administrador da Nasa Jim Bridenstine. “É uma era no voo espacial tripulado na qual mais espaço estará disponível para mais pessoas."

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