No fim das contas, pode realmente existir vida em Marte

O planeta vermelho pode ter abrigado uma abundância de micróbios. Novos estudos sugerem que é possível que alguns micróbios resistentes tenham conseguido sobreviver no subsolo em um estado congelado.

Por Nadia Drake
Publicado 12 de dez. de 2022, 12:29 BRT

Imagem colorida obtida por microscópio eletrônico de varredura de deinococcus radiodurans, uma bactéria altamente resistente a condições ambientais extremas. Se existir vida em Marte, pode ser algo semelhante a esse micro-organismo.

Foto de Micrograph by DENNIS KUNKEL MICROSCOPY SCIENCE PHOTO LIBRARY

Há cerca de 3,5 bilhões de anos, dois dos planetas na órbita solar podem ter tido biosferas de magnitude semelhante. Um deles, a Terra, evoluiu de modo a permitir que a vida se desenvolvesse e se multiplicasse sob as mais belas formas infinitas. Marte, o outro planeta, seguiu um caminho distinto.

Na atualidade, a superfície marciana é hostil à vida como a conhecemos, mas, de acordo com um artigo científico, Marte pode ter abrigado uma grande abundância de micróbios. Residindo em salmouras no subsolo do planeta e protegidos da radiação letal que banha a superfície, esses organismos poderiam ter se desenvolvido em reentrâncias e fissuras, multiplicando-se até que sua importância coletiva se equiparasse à abundância de vida da Terra. 

Considerados metanogênicos, os micróbios de Marte teriam inalado hidrogênio atmosférico e dióxido de carbono, e exalado gás metano – e, em uma reviravolta, podem ter se transformado em seu próprio inimigo.

Com o tempo, seu apetite crescente e insaciável teria privado a atmosfera marciana de hidrogênio – um poderoso gás de efeito estufa durante os primórdios de Marte – congelando mortalmente o planeta e levando populações microbianas a cantos mais profundos e aquecidos. Não se sabe ao certo quanto tempo esses micróbios poderiam ter sobrevivido nas profundezas do subsolo. É possível que tenham sido apenas um instante efêmero de vida em um planeta de outra forma estéril.

“A extinção pode ser um padrão cósmico da vida no universo”, afirma Boris Sauterey, do Institut de Biologie de l’Ecole Normale Supérieure em Paris, França. “Talvez não seja o processo de surgimento da vida que seja o obstáculo, e sim a manutenção da vida.”

Ou talvez, a mais de nove metros abaixo da superfície e envoltos em gelo, esses antigos organismos unicelulares estejam em um estado de dormência (uma espécie de sono criopreservado), prontos para se desenvolverem quando surgirem condições mais propícias à vida.

As profundezas marcianas podem não ser tão sem vida quanto sua superfície. Poderiam abrigar uma abundância de organismos extraterrestres capazes de aguardar milhares de anos entre cada alteração em suas atividades metabólicas.

Esse cenário pode parecer remoto, mas resultados recentes obtidos por cientistas ao projetar modelos sobre a habitabilidade de Marte antigamente e estudar a resistência de micróbios em laboratórios e abaixo da superfície de nosso próprio planeta apontam na mesma direção: é pouco provável, mas é possível que a vida tenha evoluído e ainda exista em Marte. E cientistas podem muito bem identificar sinais dessa vida quando meteoros atingirem Marte e escavarem camadas de gelo do subsolo, ou quando novas sondas espaciais chegarem para investigar esse reino profundo.

“Não duvido que micróbios marcianos possam superar as dificuldades e sobreviver por um longo período”, comenta Amy Williams, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. “Já com relação à existência de vida ainda hoje, não arrisco um palpite. Contudo, como astrobióloga, espero que sim, e talvez essa informação possa ajudar a humanidade a ter uma compreensão maior de seu lugar no universo.”

Marte temperado no passado

Seca e sujeita à radiação, a superfície marciana desafia até o mais resistente dos micróbios da Terra a sobreviver por mais de um instante.

Há bilhões de anos, entretanto, o planeta era mais quente e tinha mais água. Não se sabe ao certo por quanto tempo essas condições temperadas persistiram ou exatamente quanta água havia, mas está claro que Marte antigo continha todos os ingredientes para a vida como a conhecemos, incluindo água, compostos orgânicos contendo carbono e reações químicas ativas que fornecem energia.

É por isso que Sauterey, ecologista computacional, decidiu pesquisar o eventual grau de habitabilidade de Marte antigo. Anteriormente, sua equipe desenvolveu modelos para caracterizar como o início da vida na Terra influenciou as condições da superfície do planeta há cerca de 3,5 bilhões de anos, quando Marte também pode ter sido habitável.

Conforme descrito em um artigo publicado na revista acadêmica Nature Astronomy, Sauterey e seus colegas consideraram diversos modelos de Marte com diferentes atmosferas, temperaturas de superfície e tipos de água salgada ou salmouras, que têm diferentes pontos de congelamento. Eles presumiram que quaisquer organismos presentes no planeta teriam sido micróbios produtores de metano e consumidores de hidrogênio, também presentes na Terra primitiva – e que tais micróbios ficariam restritos a ambientes sob profundidades mínimas de três metros abaixo da superfície marciana, onde as salmouras vitais são abundantes e a radiação não é.

A equipe concluiu que tanto a temperatura da superfície quanto o tipo de salmoura desempenham um papel crucial na determinação da probabilidade de habitabilidade. Nas simulações da equipe, era menos provável que existissem ambientes habitáveis no subsolo de um planeta mais frio e coberto de gelo porque as geleiras limitam a quantidade de gás hidrogênio capaz de penetrar no subsolo para permitir o metabolismo de vida extraterrestre. Mas, em um planeta mais quente (em um ambiente mais propício à vida), Sauterey verificou que havia ao menos 50% de probabilidade de que faixas superficiais do subsolo fossem habitáveis há bilhões de anos.

“Nossa conclusão é que Marte, se não estivesse totalmente coberto por gelo, provavelmente seria habitável”, conta ele. “Isso não significa que provavelmente foi habitado, pois não sabemos como ocorre a transição de um ambiente habitável para um inóspito.”

A equipe também mapeou os pontos de subsuperfície mais provavelmente habitáveis do planeta e constatou que Hellas Planitia – uma vasta bacia de impacto no hemisfério sul do planeta – poderia abrigar vida em quase todas as circunstâncias, exceto nas piores. Isidis Planitia e a cratera Jezero vizinha, onde a sonda Perseverance da Nasa atualmente coleta amostras para enviar à Terra, também estavam entre os locais mais habitáveis.

Sauterey e a equipe simularam como a expansão metanogênica marciana poderia ter afetado o ambiente. Ficaram surpresos ao concluir que a vida em Marte pode ter sido vítima de sua própria existência por drenar da atmosfera o hidrogênio que aquece o planeta. A Terra escapou desse destino devido a uma composição diferente de gases na atmosfera.

“Até certo ponto, havia uma expectativa de que Marte fosse habitável para esses tipos de organismos”, afirma Sauterey. “Não era esperado que existisse um efeito antagônico causado pela própria vida sobre a habitabilidade planetária – e que, se esse tipo de vida estivesse presente em Marte, teria na prática deteriorado a habitabilidade do planeta.”

Sauterey e seus colegas sugerem que, à medida que alteravam o clima planetário, esses micróbios marcianos condenados podem ter se aprofundado ainda mais no subsolo, onde é mais quente e propício à vida, porém, menos abundante em energia.

Jackie Goordial, microbiólogo da Universidade de Guelph, em Ontário, Canadá, que estuda micróbios no permafrost nos polos da Terra, afirma que a vida pode ter sido ainda mais provável do que os modelos sugerem porque Sauterey e seus colegas adotaram definições de habitabilidade relativamente conservadoras.

Por exemplo, a equipe utilizou 20 graus Celsius negativos como a temperatura mais baixa na qual poderia ser sustentada a vida; na Terra, segundo Goordial, cientistas observaram micróbios sobrevivendo em temperaturas mais frias. A equipe de Sauterey também presumiu que a cobertura de gelo restringiria a extensão dos ambientes habitáveis ao limitar o acesso aos gases atmosféricos, mas, na Terra, os micróbios podem consumir hidrogênio produzido no subsolo, sugerindo que poderia haver micróbios marcianos mais abaixo no solo do que projetado nas simulações.

“Há toda uma comunidade científica exclusivamente em busca de formas de vida isoladas da atmosfera – e elas existem”, observa Goordial. “São formas de vida incomuns, impressionantes e certamente aplicáveis a Marte.”

Micróbios resistentes

Outra equipe de pesquisadores abordou a questão da vida marciana de maneira diferente: estudando por quanto tempo micróbios poderiam sobreviver sob condições que imitassem aqueles cerca de nove metros abaixo da superfície. A essa profundidade, o nível de radiação solar e cósmica incidente é quase o mesmo que o existente na superfície da Terra – mas os solos estão congelados e secos.

A equipe optou por estudar uma bactéria da espécie deinococcus radiodurans – uma das mais famosas extremófilas, conhecida por sua capacidade de suportar imensas doses de radiação. Encontrada em reatores nucleares, bem como em solos da Antártida, a radiodurans sobrevive ao reparar rapidamente os danos causados pela radiação em seu DNA.

“A existência dessas formas de vida na Terra – e a presença da radiodurans em reatores nucleares – é incrível. Reatores foram inventados há menos de cem anos”, destaca Williams, da Universidade da Flórida, que não participou da nova pesquisa.

Em culturas de células em meio líquido, a radiodurans consegue sobreviver a uma dose de aproximadamente 25 mil grays: para fins de comparação, apenas 5 grays matam humanos e a maioria dos demais vertebrados.

A equipe que estuda a radiodurans encontrou uma maneira de tornar a criatura ainda mais extrema, conforme descrito em um estudo publicado no periódico Astrobiology. Primeiro, ressecaram uma cultura de d. radiodurans. Em seguida, congelaram-na, imitando o estado frio e desidratado do subsolo de Marte – o que fez com que a cultura entrasse em um estado dormente. Quando submeteram as bactérias dormentes a doses crescentes de radiação, verificaram que as células em animação suspensa podiam suportar uma dose de aproximadamente 140 mil grays.

“É uma exposição enorme, astronômica”, afirma Michael Daly, pesquisador principal da Universidade de Serviços Uniformes em Maryland, Estados Unidos. “É provável que os micro-organismos que evoluíram em Marte sejam tão resistentes – se não mais resistentes – à radiação quanto a d. radiodurans, que evoluiu na Terra, um planeta relativamente ameno.”

A equipe repetiu o mesmo experimento com cinco micróbios menos robustos, como e. coli e saccharomyces cerevisiae (levedura de cerveja) e verificou que a dessecação e o congelamento aumentaram a tolerância das células à radiação de maneira semelhante – embora sua tolerância não tenha se aproximado em nenhum grau do nível de exposição da d. radiodurans.

Quando Daly e seus colegas calcularam quanto tempo uma única célula de d. radiodurans poderia sobreviver a cerca de nove metros abaixo da superfície de Marte, chegaram a um número surpreendente: seriam necessários quase 280 milhões de anos para destruir a célula. Esse número se aplica a células em estado dormente, mas, com o tempo, diversos eventos de aquecimento – como impactos de meteoros – poderiam transformar temporariamente o ambiente na subsuperfície e ativar as células, proporcionando uma oportunidade para elas se reanimarem e se multiplicarem.

Os pesquisadores observaram ciclos de vida igualmente extremos em micróbios enterrados nas profundezas da Terra, e cientistas conseguiram coletar micróbios viáveis em antigos núcleos de permafrost. Modelos de vida em sedimentos de águas profundas também sugerem que organismos consigam sobreviver com pouquíssima energia, afirma Goordial.

“Acreditamos que possam existir micróbios em um estado de metabolismo extremamente lento. Talvez suas células se multipliquem uma vez a cada 10 mil anos”, pondera ela. “Esse processo está presente na Terra – embora seja muito difícil estudá-lo diretamente… Poderia algo semelhante ocorrer no subsolo de Marte?”

Se houver micróbios, estariam fundo demais para que as tecnologias atuais os encontrassem. A broca da sonda Perseverance perfura cerca de 10 centímetros de profundidade; Daly e seus colegas calcularam os tempos de sobrevivência de micróbios 100 vezes mais profundos.

No futuro, cientistas esperam enviar sondas espaciais a Marte com capacidades de perfuração mais profundas. Uma dessas missões, a Mars Life Explorer (“missão de exploração da vida em Marte”, em tradução livre), recentemente passou a figurar entre as maiores prioridades da ciência planetária dos Estados Unidos previstas para a próxima década – embora será lançada apenas na década de 2030.

Ou talvez os cientistas tenham sorte antes. Um impacto de meteorito recente, detectado pelo módulo de aterrissagem InSight da Nasa e pela sonda orbital de reconhecimento de Marte, abriu um buraco na crosta do planeta e lançou detritos de gelo formado por água do subsolo sobre a superfície do planeta – o que, segundo Daly, é exatamente o tipo de material que ele gostaria de investigar quanto à presença de micróbios dormentes.

“Embora seja improvável nossas sondas encontrem vida em Marte”, afirma Williams, “eu não subestimo a capacidade de haver vida”.

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