Vênus tem vida vulcânica, aponta descoberta surpreendente

Um novo estudo pode ajudar os cientistas a responder a uma pergunta existencial: que misterioso cataclismo transformou o planeta irmão da Terra em uma paisagem ardente e infernal?

O vulcão Maat Mons, na superfície de Vênus, é visto nesta imagem simulada criada a partir de dados obtidos pela nave espacial Magellan, da Nasa. 

Foto de NASA JPL
Por Robin George Andrews
Publicado 21 de mar. de 2023, 10:16 BRT

Há meio século, os cientistas sonham em espiar vulcões em erupção em Vênus. Este planeta incrivelmente quente é ofuscado por nuvens nocivas, mas as missões passadas revelaram que a superfície está coberta de características vulcânicas. E agora, graças às memórias registradas de uma nave espacial, os cientistas descobriram algo surpreendente: eles viram uma cratera em Vênus mudar de forma, expandir-se e parecer transbordar com rocha derretida

"Minha aposta é que houve uma erupção que gerou um lago de lava", diz Robert Herrick, um cientista planetário da Universidade do Alasca Fairbanks (EUA) e um dos dois co-autores do novo estudo.

Como noticiado na revista Science, Herrick e um colega avistaram o resquício de atividade vulcânica ao lado do colossal vulcão Maat Mons, em imagens de radar tiradas pela nave espacial Magellan, da Nasa, em 1991.

"Esta é uma das provas mais convincentes que vimos", diz Stephen Kane, astrofísico planetário da Universidade da Califórnia, em Riverside, que não estava envolvido com o trabalho.

Os resultados têm atordoado a comunidade científica. Os especialistas esperavam encontrar vulcões em erupção em Vênus, mas não até duas naves espaciais com sistemas de radar de última geração – o Veritas, da Aesa, e o EnVision, da Europa – chegar no início dos anos 2030.

A evidência de atividade vulcânica contínua em Vênus tem grandes implicações. O planeta é muito parecido com a Terra em tamanho e composição, mas seus consideráveis estoques antigos de água – possivelmente sob a forma de oceanos – foram vaporizados há muito tempo, quando o planeta ficou em chamas durante um misterioso cataclisma. As mudanças climáticas desencadeadas por erupções vulcânicas continuam sendo o principal suspeito. Ao compreender o vulcanismo atual de Vênus, os cientistas podem aprender mais sobre os destinos divergentes da Terra e de seu planeta irmão.

"Se você quiser entender o único planeta do tamanho da Terra ao qual chegaremos, em qualquer lugar do universo, Vênus é a única escolha que você tem", diz Paul Byrne, um cientista planetário da Universidade de Washington, em St. Louis, que não fez parte do novo estudo.

Paisagem infernal de Vênus

A atmosfera opaca de Vênus impede que sua superfície seja vista da Terra. Apenas um punhado de naves espaciais captaram a paisagem, seja mergulhando através da atmosfera do planeta e sobrevivendo por não mais que uma ou duas horas na superfície opressivamente quente, ou orbitando o planeta e espreitando com radares através da atmosfera.

Uma frota de naves espaciais soviéticas revelou que Vênus estava quase inteiramente coberta por estruturas vulcânicas – algumas semelhantes à Terra, outras distintamente alienígenas – no início dos anos 1980. Esperando mapear as características do planeta, em detalhes sem precedentes, a nave espacial Magellan, equipada com radar da Nasa, chegou em 1990.

Ao orbitar repetidamente o planeta e examinar os mesmos lugares várias vezes, os cientistas esperavam detectar sinais de atividade vulcânica. Mas houve complicações. A baixa resolução do radar significava que qualquer mudança física teria de ser suficientemente grande para aparecer nas imagens. E no início da missão, a órbita de Magellan começou a se deteriorar, fazendo com que a nave espacial mapeasse menos da superfície em cada viagem sucessiva ao redor do planeta.

Apesar destes desafios, 43% do planeta foi mapeado pelo menos duas vezes. Mas comparar múltiplas imagens do mesmo vulcão para procurar mudanças também se mostrou problemático, já que o ângulo de cada captura frequentemente diferia entre as órbitas.

Nas décadas que se seguiram à missão, ninguém conseguiu encontrar um vulcão ativo.

Cratera vulcânica em transformação

Os cientistas encontraram muitas evidências indiretas de vulcanismo ativo em Vênus, incluindo picos de gases atmosféricos ligados a faixas vulcânicas, manchas minerais suspeitas e características incomuns em estruturas circulares colossais chamadas coronae que implicam em uma agitação magmática subjacente.

"Parece que continuamos sendo provocados por estas provas indiretas", diz Kane. Mas o Santo Graal – um vulcão ativo – permanecia algo distante.

Em 2021, EnVision e Veritas foram selecionados para lançamento, tornando-se assim a melhor aposta para encontrar o vulcanismo ativo em Vênus. Mas Herrick permaneceu impaciente.

"Tive muitas reuniões via Zoom as quais eu não precisava dedicar toda minha atenção", diz ele, referindo-se ao auge da pandemia. "Sempre que eu tinha uma hora aqui ou ali, olhava dados antigos da Magellan. Então, ele alinhou manualmente as imagens dos vulcões de Vênus, procurando por qualquer coisa diferente.

Durante uma busca, Herrick examinou detalhadamente o Maat Mons. Com o nome da deusa egípcia da verdade e da justiça, ele é o vulcão mais alto do planeta – e em um de seus flancos, entre fevereiro e outubro de 1991, algo mudou. Nesses oito meses, a cratera do vulcão havia crescido de 2 para 3,8 quilômetros quadrados, e um novo fluxo de material parece ter escorregado para baixo.

"Eu acho que isso é realmente algo", Herrick pensou na época. Ele relatou a descoberta ao co-autor do estudo Scott Hensely, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, que concordou: havia algo em atividade ali.

A substância que envolve a cratera pode ser detritos rochosos de um deslizamento de terra. Também é possível que a característica do fluxo já estivesse presente nas imagens de fevereiro, mas não podia ser vista devido ao ângulo das imagens.

Mas o cenário mais provável é que, em 1991, uma enorme erupção de lava encheu a cratera em expansão, e parte dela derramou sobre a borda ou deslizou através de uma fissura. "Podemos definitivamente dizer que mudou de forma", diz Herrick. E quando um vulcão muda de forma na Terra, a causa é sempre a rocha derretida.

Atividade vulcânica de Vênus

Depois de tantas evidências circunstanciais, "esta é a primeira vez que vemos uma mudança em algo", diz Anna Gülcher, cientista planetária do Instituto de Tecnologia da Califórnia que não estava envolvida com o trabalho.

"Eu acho que o que eles viram é real", diz Byrne, da Universidade de Washington. Ele suspeita que a alteração da cratera pode ter sido devida a movimentos subterrâneos, como o magma se deslocando violentamente abaixo do solo, em vez de uma erupção.

Os cientistas esperam responder a uma pergunta fundamental: "O que acontece com a atividade vulcânica diária do planeta"?, pergunta Byrne.

Os vulcões da Terra e a lua de Júpiter, Io, estão sempre em erupção. Marte pode entrar em erupção uma vez a cada poucos milhões de anos. Onde Vênus fica nesse espectro?

A descoberta sugere que o planeta tem algo mais próximo de um vulcanismo vivaz, semelhante ao da Terra. Veritas e EnVision estão preparadas para responder a esta pergunta, mas até lá, este estudo encorajará os cientistas a examinar os registros de Magellan, esperando encontrar outro vulcão venusiano em erupção.

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