Fotos revelam detalhes do Titanic no fundo do mar
Às 2h20 da madrugada de 15 de abril de 1912, o “inaufragável” desapareceu sob as ondas
Esta reportagem está na edição de abril de 2012 da revista National Geographic Brasil.
Os destroços jazem na escuridão, uma confusão de aço corroído dispersa por 400 hectares no fundo do Atlântico Norte. Estranhas formas de vida, pouco afetadas pela pressão esmagadora, vagueiam pelas amuradas. Desde a descoberta do local do naufrágio em 1985 por Robert Ballard, explorador residente da NGS, e Jean-Louis Michel, submersíveis robóticos ou tripulados vasculharam os sombrios desvãos do Titanic, emitiram pulsos de sonar em sua direção, fizeram algumas imagens – e partiram.
Nos últimos anos, exploradores, como o cineasta James Cameron e Paul-Henry Nargeolet, coletaram imagens cada vez mais nítidas da embarcação. Todavia, quase sempre só pudemos vislumbrar a cena do naufrágio como se a víssemos pelo buraco de uma fechadura, com a visão limitada pelos sedimentos suspensos na água e pelo alcance dos holofotes dos submersíveis. Nunca foi possível ter uma ideia geral do relacionamento entre todos os elementos dispersos e disparatados no fundo do mar.
Essa situação começa a mudar. Em um trailer atulhado de equipamentos no Instituto Oceanográfico Woods Hole (Whoi, na sigla em inglês), William Lange debruça-se sobre a cópia ampliada de um mapeamento por sonar feito no local em que repousa o Titanic – um mosaico elaborado que levou meses para ficar pronto. À primeira vista, a imagem mais parece a superfície da Lua, mas um exame revela que o local está pontilhado de detritos de origem humana – uma confusão de linhas e esferas, fragmentos e estilhaços. Lange indica uma área no mapa que se tornou mais compreensível graças ao acréscimo de dados ópticos à imagem obtida pelo sonar. Ele faz um zoom, depois outro. Agora dá para ver a proa do Titanic com nitidez granulada, um buraco negro onde antes se erguia a chaminé dianteira e uma escotilha aninhada na lama uma centena de metros ao norte. As imagens são ricas em detalhes: em uma delas, dá para distinguir um caranguejo esbranquiçado agarrado a uma amurada.
Bill Lange é o responsável pelo Laboratório de Visualização e Imageamento Avançados do Whoi, um estúdio fotográfico de alta tecnologia dedicado à documentação das profundezas oceânicas. A poucos quarteirões do pitoresco porto de Woods Hole, na ponta sudoeste do cabo Cod, no estado de Massachusetts, o laboratório é uma sala cavernosa, com revestimento acústico, repleta de monitores de TV de alta definição em meio ao zumbido de fileiras de computadores. Lange foi um dos membros originais da expedição de Ballard que encontrou os destroços e, desde então, vem explorando o local com câmeras cada vez mais avançadas.
Esse último conjunto de imagens, resultado de uma ambiciosa e multimilionária expedição realizada em agosto e setembro de 2010, foi obtido por três veículos robóticos de ponta que se deslocaram no leito oceânico, cobrindo extensas faixas predeterminadas. Equipados com sonares de varrimento lateral e de feixes múltiplos, assim como câmeras ópticas de alta resolução que fazem centenas de fotos por segundo, os robôs foram “aparando a grama”, como essa técnica é mais conhecida, ao ziguezaguear por uma área de 5 por 8 quilômetros no fundo do mar. Esses levantamentos em faixas foram agora montados com tecnologia digital de modo a formar uma imensa imagem em alta definição, na qual todos os detalhes estão localizados por meio de sistemas reticulares e de georreferenciamento.
“Isso nos coloca em outro patamar”, comenta o arqueólogo James Delgado, da Noaa, órgão americano responsável pelos oceanos e a atmosfera, cientista-chefe do projeto. “No passado, tentar entender o Titanic era o mesmo que tentar compreender Manhattan à noite no meio de uma tempestade – usando apenas uma lanterna. Agora dispomos de uma área de pesquisa que pode ser compreendida e medida. Nos próximos anos, graças a esse levantamento histórico, será possível recuperar a voz daquelas pessoas que foram caladas quando afundaram nas águas frias.”
Por que, afinal, os destroços do RMS Titanic despertam tanto interesse? Por que, um século depois, as pessoas ainda dedicam tanto esforço intelectual e tantos recursos para vasculhar esse cemitério de metal 4 mil metros abaixo da superfície do oceano? Por que razão, tal como Pearl Harbor, o terreno no qual ficava o World Trade Center, em Nova York, e algumas outras raras e veneradas zonas de desastre, ele continua a seduzir nossa imaginação?
Para alguns, a mera extravagância do fim do Titanic é um dos motivos principais. Essa sempre foi uma história de superlativos: um navio tão resistente e tão majestoso que foi a pique em águas tão frias e profundas. Para outros, o fascínio do Titanic é, sobretudo, o das pessoas que estavam a bordo. Levou duas horas e 40 minutos para o barco afundar, apenas o suficiente para se cumprir o trágico e épico destino de 2 208 pessoas, com o navio todo iluminado. Conta-se que um covarde garantiu seu lugar em um dos botes salva-vidas vestindo-se de mulher, mas a maioria agiu de maneira honrada e, muitas vezes, heroica. O capitão permaneceu em seu posto, os músicos não deixaram de tocar, os operadores do pioneiro sistema de rádio continuaram a enviar sinais de socorro até o fim. Os passageiros, em sua maior parte, mantiveram a dignidade e as distinções sociais a que estavam acostumados. O modo como enfrentaram esses derradeiros instantes é o que desperta o interesse universal por essa dança macabra que jamais termina.
Algo mais, além das vidas humanas, soçobrou com o Titanic. Uma ilusão de ordem, uma crença no progresso tecnológico, um anseio pelo futuro que, enquanto a Europa rumava para um conflito de âmbito mundial, logo deram lugar aos temores que se tornaram tão familiares em nosso mundo contemporâneo. “O desastre do Titanic foi o rompimento de uma bolha”, diz James Cameron. “Na primeira década do século 20, a sensação era de encantamento. Elevadores! Automóveis! Aeroplanos! Rádio sem fio! Tudo parecia assombroso. E aí tudo desabou.”
O maior de todos os naufrágios tem diversos aspectos – o literal, o jurídico e o metafórico –, mas nenhum é mais surrealista que o refletido na via principal de Las Vegas. Ali, no hotel Luxor, ao lado de um espetáculo de strip-tease e de um teatro onde se pode assistir a Menopausa – o Musical, encontra-se uma exposição de objetos do Titanic. Eles foram recuperados das profundezas do mar pela RMS Titanic Inc. (RMST), a empresa que, desde 1994, detém os direitos de retirada de objetos do naufrágio. Mais de 25 milhões de pessoas já viram essa exposição e outras similares montadas em 20 países.
Passo um dia no hotel Luxor, perambulando entre as relíquias do Titanic: o chapéu de um chefe de cozinha, uma navalha, pedras de carvão mineral, um jogo de pratos, vários pares de sapato, vidros de perfume, uma maleta de médico de couro, uma garrafa de champanhe ainda fechada. Quase sempre são objetos comuns que se tornaram extraordinários por causa da longa e terrível viagem que fizeram até aqui. Entro em uma câmara escurecida, onde a temperatura é tão baixa quanto a de um refrigerador, para ver um “iceberg” artificial no qual os visitantes podem tocar. Vindos de alto-falantes, rangidos de metal dilacerado contribuem para a sensação de estar preso no ventre de um animal ferido e sem cura. A maior atração da mostra, contudo, é uma gigantesca seção do casco do Titanic, conhecida como “a grande peça”, que pesa 15 toneladas e foi, depois de vários percalços, içada do fundo do mar por guindastes, em 1998. A monstruosa peça de metal escuro lembra um Tyrannossaurus rex em um museu de história natural – uma espécie extinta, que volta de um mundo perdido.
A mostra da RMST é bem-feita, mas, ao longo dos anos, muitos arqueólogos não pouparam críticas à empresa e a seus diretores, tachando-os de saqueadores de túmulos, caçadores de tesouros, promotores circenses – quando não de coisas ainda piores. Robert Ballard, há muito tempo defensor da ideia de que os destroços do navio e tudo o que resta em seu interior deveriam ser mantidos no local, é especialmente cáustico em suas análises aos métodos da RMST. “Você não vai ao Louvre e passa o dedo na Mona Lisa”, comenta Ballard. “Esses caras são gananciosos demais – basta ver a história sórdida da empresa.”
De alguns anos para cá, a RMST, sob nova direção, tomou outro rumo. Deixou de concentrarse na mera recuperação de objetos em favor de uma abordagem de longo prazo que visa tratar o naufrágio como um sítio arqueológico – e, ao mesmo tempo, colaborar com os grupos governamentais e científicos interessados no Titanic. A expedição de 2010, que obteve a primeira imagem abrangente do leito oceânico, foi organizada e financiada pela RMST. E, ao contrário do que ocorria, a empresa agora apoia os projetos de lei para a criação de um monumento marítimo em torno do navio. No fim de 2011, a RMST anunciou que pretendia leiloar a sua coleção de objetos e de direitos de propriedade intelectual associados, avaliados em 189 milhões de dólares, até o centenário do desastre – mas só se achar um interessado a fim de respeitar as estritas condições impostas por um tribunal federal, entre elas a de que a coleção não se disperse.
Os estudiosos elogiam a RMST pela recente contratação de um dos mais renomados especialistas para analisar as imagens obtidas em 2010 e começar a identificar as inúmeras peças do quebra-cabeça que está no fundo do mar. O cartão de visitas de Bill Sauder o identifica como “diretor de pesquisa do Titanic”, mas o título mal reflete seu domínio enciclopédico da classe de transatlânticos da qual faz parte o Titanic.
Quando o conheço em Atlanta, ele está sentado diante de seu computador, tentando entender os destroços fotografados em 2010 junto à popa. A maioria das expedições ao naufrágio privilegiou a seção mais fotogênica da proa, que está mais de 500 metros ao norte de onde se concentram os destroços. Mas, na opinião de Sauder, é a área em torno da popa que vai se mostrar mais promissora nos próximos anos – ainda mais com as novas imagens. “A proa é divertida, mas já a examinamos centenas de vezes”, diz Sauder. “Para mim, agora, bacanas mesmo são todos esses destroços aqui mais ao sul.”
Em resumo, Sauder estava atento a qualquer padrão visível em meio ao caos em volta da popa. “Navios naufragados são parecidos com instalações industriais em ruínas: amontoados de placas, rebites e vigas de apoio. E, de fato, se você pretende decifrar tudo isso, é preciso adorar Picasso.”
Sauder faz um zoom na imagem que está na tela e, poucos minutos depois, esclarece uma pequena parte da enigmática confusão perto da popa: aquilo no topo dos destroços era o marco amassado de uma porta giratória, talvez de um dos salões da primeira classe. Esse é um trabalho minucioso que apenas alguém com conhecimento de cada centímetro do navio poderia realizar – uma minúscula parte de um gigantesco “Onde está Wally?”, um esforço de investigação que pode manter Sauder ocupado durante anos.
Na localidade costeira de Manhattan Beach, na Califórnia, o diretor de cinema James Cameron reuniu em outubro passado, no estúdio de filmagem onde estão os cenários e maquetes usados em seu filme Titanic, de 1997, alguns dos maiores especialistas náuticos do mundo – o mais ilustre conclave de peritos interessados no Titanic já visto. Além de Cameron, Bill Sauder e do explorador Paul-Henry Nargeolet, da RMST, também estavam presentes o historiador Don Lynch e o famoso artista Ken Marschall, assim como um engenheiro naval, um oceanógrafo do Woods Hole e dois arquitetos navais da Marinha dos Estados Unidos.
Cameron não se sentia nem um pouco deslocado nessa companhia exclusiva. Definindo-se como um “entusiasta do Titanic que chega a contar contar rebites”, o cineasta já liderou três incursões ao local do naufrágio. Também encomendou e pilotou um novo tipo de submersível robótico, ágil e dotado de sensores de fibra óptica, com o qual obteve imagens jamais vistas do interior do navio, incluindo vislumbres do banho turco e das cabines mais.
Com seu cabelo branco e cavanhaque aparado, Cameron adquire, ao se entusiasmar por assuntos relacionados ao Titanic, uma intensidade que lhe marca a testa e lhe confere uma semelhança com Herman Melville, o autor de Moby Dick. O cineasta já filmou o naufrágio do Bismarck e agora encomendou um submersível com o qual pretende levar suas câmeras à fossa das Marianas. Mas o Titanic o fascina; por mais que se disponha a deixá-lo de lado, sempre acaba voltando ao tema. “Há essa mescla estranha de biologia e arquitetura lá embaixo”, me diz ele em sua casa em Malibu. “Acho isso do outro mundo. Passa a sensação muito forte de algo que desceu até o Tártaro – o inferno, o mundo inferior.”
A pedido de Cameron, a mesa-redonda de dois dias iria se concentrar apenas em questões técnicas: em que ponto o casco cedeu? Em que ângulo a miríade de componentes da embarcação se chocou com o leito do mar? A ideia era fazer uma espécie de inquérito policial. “O que estamos vendo é a cena de um crime”, diz Cameron.
Talvez fosse inevitável, mas a mesa-redonda tomou rumos esotéricos – com discussões sobre ritmo de deslizamento, forças de dilaceramento, estudos de turbidez. Qualquer observador menos enfronhado em questões de engenharia teria ficado, porém, com uma impressão indelével no seminário: os últimos momentos do Titanic foram de uma violência medonha. Relatos contam que o navio “afundou em meio às ondas”, como se tivesse mergulhado no sono, mas nada é mais distante do que aconteceu de fato. Após anos de investigação dos destroços, os especialistas traçaram um retrato horripilante da agonia do Titanic.
O navio chocou-se de lado com o iceberg às 23h40, empenando trechos do casco a estibordo em uma extensão de 90 metros e expondo ao mar os seis compartimentos estanques dianteiros. A partir daí, o afundamento era inevitável. Ele, contudo, pode ter sido acelerado quando os tripulantes abriram uma porta para a prancha de desembarque a bombordo, em uma tentativa frustrada de alcançar os botes de salvamento em um andar inferior. Como o navio começara a tombar para bombordo, não conseguiram fechar de novo a porta maciça, devido à força da gravidade, e, à 1h50 da madrugada, o afundamento da proa era tal que a água do mar passou a entrar pela porta aberta.
Às 2h18, 13 minutos depois de o último bote salva-vidas ter se afastado, a proa foi enfim tomada pela água, e a popa se ergueu ao ponto de expor as hélices e desencadear tensões catastróficas na seção central do navio. Logo em seguida, o Titanic partiu-se ao meio.
Uma vez separada da seção da popa, a proa precipitou-se até o fundo do mar, inclinada em um ângulo bem fechado. Ao ganhar velocidade na queda, partes dela começaram a soltar-se. As chaminés se destacaram. A ponte de comando desmoronou. Por fim, após cinco minutos de descida incessante, mortal, a proa bateu de frente na lama do fundo com tanta força que as marcas ao redor do terrível impacto continuam visíveis até hoje no leito marinho.
A popa, desprovida do perfil agudo e hidrodinâmico da proa, afundou de maneira ainda mais traumática, dando cambalhotas e revirando à medida que descia. Uma enorme seção dianteira, já debilitada pela fratura na superfície, desintegrouse por completo, lançando no abismo o que havia em seu interior. Os compartimentos explodiram. Os conveses desmoronaram uns sobre os outros. As placas do casco foram arrancadas. O convés da popa retorceu-se todo. Peças mais pesadas, como as caldeiras, foram para o fundo, ao passo que outras eram lançadas “como Frisbees”. Por 4 mil metros, a popa afundou dessa maneira torturante – ao romper-se, dobrar-se, empenar, comprimir e desintegrar-se. Quando chegou ao leito do oceano, estava irreconhecível. “Ninguém queria que o Titanic tivesse se despedaçado assim”, confessa Cameron. “O que a gente preferia era que, ao afundar, tivesse mantido uma espécie de perfeição fantasmagórica.”
Enquanto ouvia essa bem ilustrada explicação da morte do Titanic, uma questão não me saía da cabeça: o que aconteceu com as pessoas que ainda estavam a bordo quando o navio soçobrou? A maioria das 1 496 vítimas fatais morreu de hipotermia na superfície do mar, flutuando com a ajuda de salva-vidas de cortiça. Porém, centenas de outras provavelmente continuavam vivas no interior do barco, quase todas famílias de imigrantes na terceira classe a caminho de iniciar uma vida nos Estados Unidos. Como é que tais pessoas, nesses derradeiros momentos, experimentaram essas colossais torções e os tremores na estrutura de metal? O que teriam ouvido e sentido? Mesmo depois de um século, isso é horrível demais para ser imaginado.
Outra localidade associada ao Titanic é St. John’s, na província canadense de Terra Nova. Em 8 de junho de 1912, um barco de salvamento retornou a St. John’s com o último cadáver recuperado do naufrágio. Diz-se que, durante meses, cadeiras de convés, pedaços de lambris de madeira e outros resquícios do Titanic foram dar à costa de Terra Nova.
Minha intenção, para prestar homenagem às pessoas que afundaram com o navio, era sobrevoar o local da tragédia em um avião da Patrulha Internacional do Gelo, um serviço criado logo após o desastre para vigiar os icebergs nas rotas marítimas do Atlântico Norte. Quando, devido a um vento nordeste, todos os voos são cancelados, acabo em um bar no bairro de George Street, onde me servem uma vodca local, destilada com água de iceberg. Para completar o efeito, o barman põe no copo um pedaço anguloso de gelo tirado de um iceberg, supostamente vindo da mesma geleira na Groenlândia que deu origem ao iceberg que afundou o Titanic. O gelo estala e sibila no copo – as exalações, me ensinam, de antigas bolhas de ar contidas em seu interior.
Para mim, contudo, ainda era possível me aproximar mais, em termos literais e figurados, daqueles que descansam para sempre no navio. Poucos anos antes da tragédia, Guglielmo Marconi ergueu uma estação de rádio permanente em um pontal desolado e fustigado pelo vento ao sul de St. John’s, chamado cabo Race. Os moradores locais alegam que a primeira pessoa a receber um sinal de socorro do transatlântico foi Jim Myrick, de 14 anos, que era aprendiz na estação e depois fez carreira na companhia Marconi. No princípio, a transmissão veio em um código padrão de emergência: CQD. Mas aí o cabo Race recebeu outro sinal, pouco usado até então: SOS.
Certa manhã, no cabo Race, entre carcaças de velhos equipamentos Marconi e receptores de cristal, conheço David Myrick, um sobrinhoneto de Jim que também é operador de rádio e o último de uma orgulhosa linhagem de radioamadores. De acordo com David, o tio só falou da noite em que o Titanic afundou quando já estava muito idoso e debilitado. Naquela altura, Jim perdera por completo a audição, e a única maneira pela qual os familiares conseguiam se comunicar com ele era por meio do código Morse – usando os apitos de um detector de fumaça para gerar sons agudos de pontos e traços. “Até o fim, ele permaneceu fiel a Marconi”, comenta David. “Ele de fato pensava em código Morse – mais que isso, sonhava assim.”
Caminhamos juntos até o farol e contemplamos o mar gelado, cujas ondas fustigam os penhascos mais embaixo. Um navio-tanque singra ao longe. Mais além, nos Grandes Bancos, novos icebergs haviam sido identificados. Mais longe ainda, em algum ponto além da linha do horizonte, estão os cobiçados destroços do mais famoso naufrágio da história. Em meu espírito, penso nos sinais refletindo-se na ionosfera – a propagação das ondas de rádio, o clamor de eras submersas no tempo. Imagino ouvir a própria voz do Titanic: um navio orgulhoso demais de seu nome, avançando apressado para um novo mundo, mas sendo destruído por algo tão antigo e lento quanto um bloco de gelo.