Ruínas de guerra maia reveladas com o uso de laser

Arqueólogos descobrem fortes antigos que evocam uma “sensação palpável de medo”.

Por Tom Clynes
Publicado 19 de mar. de 2019, 11:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Longe de serem os agricultores e sacerdotes pacíficos que pensávamos que fossem, os maias travavam guerras ...
Longe de serem os agricultores e sacerdotes pacíficos que pensávamos que fossem, os maias travavam guerras amargas que culminaram em sacrifícios sangrentos.
Foto de Enrico Ferorelli, Art enhancement by Doug Stern, Nat Geo Image Collection

ARQUEÓLOGOS GUIADOS POR imagens a laser de uma região remota ao Norte da Guatemala descobriram muros de mais de 6 metros de altura, torres de vigia e outros indícios de que as antigas sociedades maias travaram grandes batalhas durante muitos anos. As descobertas acabaram com as impressões de longa data de uma civilização que dominou a selva e construiu cidades prósperas, mas posteriormente sofreu um declínio e desapareceu sob a densa floresta tropical.

Entre as descobertas mais impressionantes encontra-se uma grande fortaleza, agora chamada de La Cuernavilla. Edificado sobre uma cordilheira íngreme entre as cidades maias de El Zotz e Tikal, o local altamente fortificado incluía muros altos, trincheiras, torres de vigia e depósitos de pedras arredondadas que provavelmente serviam de munição para os estilingues dos guerreiros. É o maior sistema de defesa já descoberto na região “e possivelmente de toda a América antiga”, afirma Stephen Houston, arqueólogo e estudioso da civilização maia da Universidade de Brown.

A presença da cidadela de Cuernavilla e outras estruturas recém-identificadas que foram construídas deliberadamente para fins de guerra sugere que os conflitos eram sistemáticos e de grande escala, além de fazerem parte do cotidiano em praticamente todo o tempo de duração da civilização antiga.

“Isso foi surpreendente”, diz Houston, “porque tínhamos uma tendência a romantizar a guerra maia como algo que era amplamente ritualizado e que culminou no fim da civilização. Porém, os fortes que observamos atualmente sugerem um nível elevado de conflito durante séculos. Os governantes estavam tão preocupados com a defesa que sentiam a necessidade de investir nesses fortes no topo das colinas. Há uma sensação de medo quase palpável nessa paisagem”.

Com quase 1,5 mil anos de idade, um raro altar de ritual descoberto em La Corona representa um governante, o qual se acredita ter desempenhado um papel importante na ascensão da poderosa dinastia maia conhecida como os Reis Serpente.
Foto de Arthur Haynes, National Geographic

Em fevereiro de 2018, a National Geographic publicou a história da Iniciativa PACUNAM LiDAR, um reconhecimento aéreo abrangente de cerca de 2,1 mil km2 da Reserva da Biosfera Maia  no norte da Guatemala. Utilizando uma tecnologia a laser revolucionária, o reconhecimento revelou ruínas ocultas há tempos de uma extensa civilização pré-colombiana que era muito mais complexa e interconectada do que supunha a maioria dos especialistas em cultura maia.

Guiada pelos novos mapas do tesouro traçados com tecnologia de ponta, a equipe do LiDAR se embrenhou na selva no ano passado para colocar a mão na massa e fazer investigações em mais de uma dúzia dos locais mais promissores — e a maioria deles teria passado despercebida se não fosse pelo LiDAR.

“Era possível caminhar sobre uma grande ruína sem se dar conta,” diz Thomas Garrison, arqueólogo da Faculdade de Ithaca que participa do projeto PACUNAM. “Mas o LiDAR capta os padrões e faz com que as características apareçam com uma clareza espantosa.”

Os mapas tridimensionais gerados pelo levantamento revelaram surpresas até mesmo em Tikal, o maior sítio arqueológico e o mais extensamente explorado na Guatemala. A antiga cidade era pelo menos quatro vezes maior do que se acreditava anteriormente e era parcialmente rodeada por uma enorme trincheira e uma muralha que se estendia por quilômetros.

Em Tikal também foram reveladas duas grandes pirâmides que eram consideradas características naturais até serem identificadas corretamente pelos novos dados. De acordo com os pesquisadores, é provável que a pirâmide maior seja uma estrutura cerimonial importante e abrigue a tumba de um rei influente.

Os novos mapas também identificaram dois assentamentos desconhecidos ao longo de uma antiga estrada elevada rumo ao norte, saindo do local maia de La Corona em direção à capital da dinastia dos Reis Serpente, Calakmul (localizada onde atualmente é o México). A descoberta sugere que La Corona desempenhou um papel importante em estabelecer e disseminar a influência dos Reis Serpente nas planícies maias, que por fim levou à conquista da poderosa Tikal no ano de 562 d.C.

“Hieróglifos decifrados nos ajudaram a entender bastante sobre os personagens desse drama estilo Game of Thrones,” conta Garrison. “Agora, o LiDAR está revelando o cenário em que ocorreu esse drama.”

Os arqueólogos destacam que o LiDAR, apesar de toda sua utilidade, jamais verá abaixo da terra ou fornecerá datas diretas da ocupação. “Ainda precisamos escavar e entrar na selva, mas agora temos um mapa bastante preciso para nos guiar,” diz Francisco Estrada-Belli, arqueólogo da Universidade de Tulane e Explorador da National Geographic. As escavações de Estrada-Belli das tumbas reais permitiram que os pesquisadores reconstruíssem as linhas do tempo e as relações da família real.

A primeira fase da Iniciativa LiDAR gerou o maior volume de dados já obtido para pesquisa arqueológica, mas os colaboradores do projeto e outros pesquisadores já estão pedindo mais.

Uma segunda fase de coleta de dados deve começar no meio do ano, de acordo com Marianne Hernandez, diretora do PACUNAM. Pesquisadores esperam finalmente mapear toda a Reserva da Biosfera Maia, parte do sistema de assentamento pré-colombiano que se estendia ao norte até a Costa do Golfo do México.

“À medida que formos preenchendo mais lacunas, perceberemos que a civilização maia era tão robusta quanto algumas daquelas que atualmente são consideradas as civilizações mais importantes da antiguidade,” conta Hernandez. “Agora estamos trabalhando para trazer mais colaboradores para fazer tudo isso em uma escala maior, de forma que possamos multiplicar os benefícios. Esse é o começo, uma porta que se abre para décadas de pesquisa que está por vir”.

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