Vestígios de religião misteriosa descobertos no lago mais alto do mundo

Artefatos de ouro, conchas preciosas e evidências de sacrifícios envolvendo animais no Lago Titicaca apontam para um sistema de crenças que ajudou a organizar o antigo estado de Tiwanaku, alegam cientistas.

Por Erin Blakemore
Publicado 4 de abr. de 2019, 20:40 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Arqueólogos escavam artefatos usados em rituais no Lago Titicaca, na Bolívia.
Arqueólogos escavam artefatos usados em rituais no Lago Titicaca, na Bolívia.
Foto de Teddy Seguin

Cerca de 1,2 mil anos atrás, um recife no meio do Lago Titicaca, na região onde hoje é a Bolívia, foi utilizado para guardar as posses mais valiosas de um povo. Em 2013, um conjunto incrível desses objetos foi revelado por arqueólogos marinhos. Seis anos depois, os pesquisadores acreditam ter descoberto o que os objetos representam — indícios de uma religião que ajudou o estado de Tiwanaku se tornar uma força dominante na região.

Os resultados da escavação foram revelados em um artigo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences. Objetos de ouro, ornamentos de metal, pedras semipreciosas e incensários recuperados no sítio arqueológico sugerem que o recife, localizado próximo à Ilha do Sol, que abriga diversos locais sagrados dos Tiwanaku, era utilizado para a realização de rituais no antigo estado.

As oferendas realizadas nos rituais incluíam ouro, pedras semipreciosas e incensários enfeitados com figuras de onças.
Foto de Teddy Seguin

Antropólogos ainda estão tentando desvendar os detalhes da religião que ajudou a formar o estado de Tiwanaku, que existiu entre 500 d.C. e 1.000 d.C., aproximadamente, e se estendia até o Chile e Peru em seus tempos de glória, uma grande potência. O povo Tiwanaku não deixou para trás indícios claros do uso de forças militares, e acredita-se que o estado tenha sido fortemente influenciado pela religião e o comércio. E embora os arqueólogos tenham descoberto inúmeras evidências arqueológicas das crenças religiosas dos Tiwanaku, eles ainda estão tentando entender os significados da religião e como ela pode ter contribuído para a expansão do estado.

Os artefatos encontrados no sítio, conhecido como recife de Khoa, incluem dois medalhões de ouro que representam uma divindade de rosto radiante dos Tiwanaku e placas de metal que retratam uma criatura mítica que é uma mistura de onça e lhama. Os mergulhadores também recuperaram restos mortais de animais reais, incluindo ossos de pelo menos três filhotes de lhamas que foram sacrificados.

Outra descoberta surpreendente foram cinco itens feitos de conchas Spondylus e uma concha completa. Os moluscos foram importantes para as antigas culturas andinas, mas são originários do Oceano Pacífico e não do Lago Titicaca. O fato de as conchas estarem a mais de 1,9 mil quilômetros de seu habitat mais próximo indica as relações de comércio do povo Tiwanaku e o grande valor das conchas.

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    A concha Spondylus, no centro, era um objeto precioso no estado de Tiwanaku e um exemplo de que itens valiosos eram deixados como oferendas no lago.
    Foto de Teddy Seguin

    "Encontrar tantos Spondylus foi realmente impressionante", afirma José M. Capriles, antropólogo e professor assistente de antropologia na Universidade do Estado da Pensilvânia, além de um dos autores do artigo.

    Por que os adoradores de Tiwanaku deixaram objetos tão valiosos para trás nesse lago tão alto dos Andes? Capriles vê os sacrifícios como evidências de uma tradição religiosa que acontecia na prática — uma religião que ajudou o estado de Tiwanaku a crescer e prosperar. Ao usar materiais valiosos e altamente requisitados nos rituais, os adoradores de Tiwanaku demonstravam o comprometimento com as novas tradições religiosas — costumes que são "significativos em termos de formar sociedades", afirma Capriles. "Essas divindades que as pessoas criam estão se tornando instituições que regem o comportamento".

    Essa nova religião foi o início de um conjunto de normas morais e comportamentais. "Se você se comportar bem, será imortal", afirma Capriles. "Mas se você for mau, será punido pela divindade do chefe". Também significava que as pessoas podiam ir de um local a outro, sabendo que as crenças que compartilhavam com os demais não permitiriam que fossem vistas como pessoas de fora. Isso, supõe a equipe, ajudou na expansão do estado de Tiwanaku.

    A essa altura, a sociedade já havia acumulado grande influência política, poder econômico e identidade cultural. Mas, após ter entrado em colapso aproximadamente no ano 1.000 d.C., ela foi ocultada pelas culturas que a sucederam. "O Tiwanaku é o maior império nativo-americano do qual muitos americanos nunca ouviram falar", afirma Paul Goldstein, arqueólogo do Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia em San Diego e membro do Centro Scripps de Arqueologia Marinha (Goldstein não participou do estudo). "Cada vez que encontramos algo que reflete a complexidade da sociedade, aprendemos mais sobre as origens de sociedades complexas em todo o mundo".

    O estado de Tiwanaku pode parecer muito distante, mas para Capriles, seus artefatos ajudam a dar vida ao seu povo. "Eles eram gratos, faziam oferendas", afirma ele. "Eram pessoas assim como você e eu".

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