Espécie primitiva de mamífero carnívoro recém identificada era maior que o urso polar

Há cerca de 22 milhões de anos, o Simbakubwa era um feroz predador que possuía "muitas lâminas", afirmam paleontólogos.

Por Catherine Zuckerman
Publicado 1 de mai. de 2019, 11:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Simbakubwa kutokaafrika, um carnívoro gigante conhecido em grande parte por sua mandíbula, partes do crânio e partes do esqueleto encontradas no Quênia, foi membro do extinto grupo conhecido como hienodontes.

O pequeno amontoado de misteriosos fósseis permaneceu intocado por décadas, guardado em segurança numa gaveta do Museu Nacional de Nairóbi, no Quênia. Mas, agora, a análise dos restos primitivos revela que pertenceram a um mamífero carnívoro gigante maior que o urso polar, uma espécie recém-descoberta e batizada de Simbakubwa kutokaafrika.

Relatado no Journal of Vertebrate Paleontology, o poderoso predador vagou pela Terra há mais ou menos 22 milhões de anos. Embora a palavra simbakubwa signifique "leão grande" no idioma suaíle, esse monstruoso animal não era, de fato, um felino grande. Na verdade, ele é o mais antigo membro conhecido de um grupo extinto de mamíferos chamados hienodontes, assim batizados em função da semelhança dental com as hienas, muito embora os grupos não tenham relação entre si.

A descoberta ajuda a ligar alguns dos pontos evolutivos desse grupo de gigantes carnívoros, próximos ao topo da cadeia alimentar dos mesmos ecossistemas africanos em que também evoluíam os primeiros grandes primatas e os macacos. O fóssil pode ainda ajudar os cientistas a entenderem melhor por que esses exímios predadores acabaram não sobrevivendo.

Crânio do leão moderno do Quênia (parte superior) colocado próximo à mandíbula esquerda do carnívoro Simbakubwa kutokaafrika, de 22 milhões de anos de idade.
Foto de Matthew Borths

O achado "é uma boa chance de mostrarmos esses outros predadores carnívoros menos conhecidos", afirma Jack Tseng, biólogo evolutivo e paleontólogo de vertebrados na Universidade de Buffalo, que não participou do estudo. “Antes mesmo de os antepassados dos carnívoros modernos tão famosos entre nós evoluírem, como leões, hienas, lobos, a cena global dos predadores era basicamente dominada por esses hienodontes".

Muitas lâminas

Em 2013, o paleontólogo Matthew Borths realizava pesquisas no museu de Nairóbi para sua dissertação sobre os hienodontes, quando perguntou a um curador se podia dar uma olhada nos espécimes. Lá, encontrou os incomuns fósseis num armário que fazia parte de um acervo com a indicação de "hienas".

Os fósseis haviam sido escavados entre 1978 e 1980 em um sítio na região oeste do Quênia chamado Meswa Bridge. Então, Borths entrou em contato com a paleontóloga da Universidade de Ohio, e patrocinada pela National GeographicNancy Stevens, que descobrira um importante sítio arqueológico na Tanzânia somente alguns milhões de anos mais antigo. O destino dos dois foi então selado quando Stevens disse a Borths que havia aberto a mesma gaveta quando trabalhava em Nairóbi e também ficou surpresa com o conteúdo dela.

“Nós dois sentimos uma reciprocidade e dissemos: 'isso não é incrível? Precisamos fazer algo!”, diz Borths. Stevens depois pediu que Borths entrasse no laboratório dela como pesquisador de pós-doutorado e, juntos, os dois retornaram ao Museu Nacional de Nairóbi, em 2017, para começar a analisar e descrever os espécimes, que consistiam de grande parte da mandíbula do animal, bem como partes do esqueleto, do crânio e dos dentes.

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    Ilustração mostra uma comparação de tamanho entre o humano moderno e o Simbakubwa kutokaafrika.
    Foto de Illustration by Mauricio Anton

    Os carnívoros identificam-se principalmente pelos dentes caninos dianteiros, que ajudam a segurar a presa, mas os dentes traseiros também são importantes.

    “É na parte de trás da cabeça que acontece a dilaceração da carne", diz Borths. Todos os carnívoros modernos — incluindo-se os gatos, cachorros, guaxinins, lobos e ursos — detêm um par desses dentes cortadores de carne. Os hienodontes tinham três pares.

    “Esse animal tinha muitas lâminas”, afirma Borths.

    Além do medo que eles causavam, os dentes foram essenciais para que a dupla entendesse a existência completa de uma espécie extinta. Sem dentes em bom estado para estudar, diz Borths, "é como ter peças de tamanhos diferentes do quebra-cabeça e nenhuma outra peça para ligá-las".

    O Simbakubwa “reúne informações dentais, um pouco de informação craniana e um pouco de informação sobre o esqueleto, ajudando a unir boa parte desse material que estava meio desconexa. É de grande ajuda para contextualizar todo esse grupo de carnívoros gigantes”, diz ele.

    “A ciência é definitivamente algo impressionante", acrescenta Tseng. “Sempre que se tem um novo registro de algo desse tamanho na fauna e na rede alimentar ecológica, é necessário reconsiderar exatamente como eram as interações entre predador e presa”.

    Adapte-se ou morra

    Um dos objetivos da pesquisa, parcialmente financiada pela National Geographic Society, era colocar o Simbakubwa na árvore genealógica correta, diz Borths.

    “Uma vez compreendidas as relações entre esses animais, pode-se começar a especular sobre o tamanho do ancestral comum dessas criaturas, como era o mundo durante a existência desse ancestral comum hipotético etc.", afirma. “Pode-se experimentar um pouco com os dados para que se tente descobrir como essas grandes mudanças evolutivas se situam dentro de outras mudanças, como a alteração climática e a deriva continental”.

    À medida que a África se aproximava da Eurásia há 20 milhões de anos, os animais começaram a se misturar entre os continentes, criando uma troca ecológica que "dá origem a todo tipo de loucura", afirma Borths. E, quando os continentes mudaram e o rifte africano oriental começam a aparecer na superfície, as correntes oceânicas também se alteraram.

    “Todas essas peças são experimentos naturais realmente fascinantes na forma como os diferentes grupos se adaptam", diz Borths.

    Apesar de grande e dominador, o Simbakubwa não sobreviveu e até mesmo seus parentes já estavam extintos ao fim do Mioceno, há cerca de cinco milhões de anos. Mas por quê?

    O animal "não era do tipo que errava", diz Borths, e sobreviveu por muito tempo depois de os hienodontes evoluírem na África e se espalharem para a Ásia e Europa. Porém, na condição de hipercarnívoro, o que, por definição, significa um animal que obtém da carne mais de 70% de suas calorias, é provável que o predador tenha sido vítima de uma rápida mudança ambiental.

    Os hipercarnívoros modernos, como leões, hienas, tigres e lobos, "estão entre os mamíferos mais ameaçados atualmente e isso é em parte devido à ultrassensibilidade deles aos danos ambientais", afirma Borths. Pelo fato de as populações hipercarnívoras serem relativamente pequenas em comparação com outros organismos, elas sofrem quando a cadeia alimentar começa a se desestabilizar.

    “Algo deixou [o Simbakubwa] no limite”, diz Borths. “As coisas mudaram muito rápido, a população da espécie de que ele se alimentava não se recuperou rápido o suficiente e esses animais acabaram sendo extintos”.

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