Maias praticavam 'guerra total' muito antes de serem afetados pelo estresse climático

Acreditava-se que a destruição generalizada das cidades maias tinha iniciado apenas quando a estiagem ameaçou os suprimentos alimentares, mas descoberta surpreendente no fundo de um lago está ajudando a refutar essa teoria.

Por Tim Vernimmen
Publicado 15 de ago. de 2019, 09:19 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Acadêmicos em geral supunham que os maias praticavam "guerra total", ou seja, violência devastadora que destruía ...
Acadêmicos em geral supunham que os maias praticavam "guerra total", ou seja, violência devastadora que destruía as cidades, apenas após começarem a competir por recursos alimentares durante uma sucessão de estiagens iniciadas no século 9 d.C.
Foto de Dea, G. Dagli Orti, De Agostini, Getty

Um conceito consagrado sobre os antigos maias é que, durante a maior parte do período Clássico da civilização, que durou 700 anos, de 250 a 950 d.C., a violência era de certa forma restrita a rituais. Talvez a família real fosse sequestrada ou algumas estruturas simbólicas fossem derrubadas, mas supunha-se que destruição em grande escala e mortes numerosas de civis eram raras.

Pesquisadores em geral presumiam que, apenas perto do fim do período Clássico, as crescentes estiagens teriam reduzido os suprimentos de alimento e, assim, acentuado as tensões entre os reinos maias, desencadeando combates violentos que provavelmente teriam precipitado o declínio dessa civilização. Entretanto uma pesquisa apresentada no periódico Nature Human Behaviour traz novas evidências de que uma “guerra total”, caracterizada por combates violentos e destrutivos direcionados tanto a recursos militares quanto civis, acontecia até mesmo antes de as mudanças climáticas ameaçarem a agricultura maia.

Evidências das estiagens ocorridas durante o período conhecido como Clássico Terminal (entre 800 e 950 d.C.) e seus efeitos na agricultura eram o que David Wahl, paleoclimatologista do Serviço Geológico dos Estados Unidos, buscava em 2013 quando adentrou, pela primeira vez, a densa mata no norte da Guatemala rumo à Laguna Ek’Naab. A laguna está situada no fundo de um desfiladeiro escarpado, sobre o qual se encontram as ruínas de uma antiga cidade maia que os arqueólogos chamam de Witzna, e Wahl acreditava que os sedimentos no fundo da laguna poderiam revelar o que aconteceu com a população que prosperava anteriormente na região.

Um mapa obtido com a tecnologia LiDAR mostra o centro cerimonial da antiga cidade maia de Witzna, localizada na atual região norte da Guatemala. De acordo com uma inscrição encontrada em uma cidade vizinha, Witzna foi "destruída por um incêndio" em 21 de maio de 697 d.C.
Foto de PACUNAM, Estrada-Belli

“Devido às imediações íngremes, os sedimentos se acumularam nessa laguna a uma proporção média de 1 cm por ano, oferecendo informações claras sobre o que ocorria lá”, explica ele. O acúmulo rápido de sedimentos indica que as florestas foram derrubadas e que foram abertas clareiras, provocando aumento da erosão, ao passo que o pólen de milho encontrado nesses sedimentos não deixa dúvidas sobre a principal lavoura cultivada na região. No entanto a descoberta mais notável de Wahl no fundo da Laguna Ek’Naab foi uma camada de cerca de 3 centímetros de espessura formada por grandes pedaços de carvão.

“Como geralmente se põe fogo na floresta para limpar a terra, é bastante comum encontrar carvão nos sedimentos de lagos na região”, explica ele. “Contudo, em 20 anos de amostragem de lagos, nunca tinha visto uma camada tão espessa”.

Inicialmente, Wahl acreditava que o grande incêndio que provavelmente produziu todo aquele carvão — e o declínio no pólen de milho observado nos depósitos formados nas décadas e séculos que sucederam o incêndio — teria sido causado pelas estiagens ocorridas no período Clássico Terminal que o paleoclimatologista estava interessado em estudar. Entretanto, não havia sinais de estiagem no início do período Clássico, época na qual o carvão se depositou na laguna — datado por radiocarbono entre 690 e 700 d.C.

Amostras coletadas de sedimentos lacustres no fundo da Laguna Ek’Naab, mostradas acima, contêm uma camada estranhamente espessa de carvão que sugere a ocorrência de um grande e destrutivo incêndio na região entre 690 e 700 d.C.
Foto de David Wahl

Embora Wahl ainda esteja tentando entender a descoberta, uma equipe de arqueólogos liderada pelo Explorador da National Geographic Francisco Estrada-Belli, da Universidade de Tulane, iniciou escavações em Witzna, um sítio arqueológico originalmente descoberto na década de 1960, mas nunca explorado a fundo. Ao escavar gradualmente o que havia restado das construções, a equipe descobriu que muitas delas tinham sido danificadas ou destruídas intencionalmente, e havia indícios de incêndio por toda parte, sugerindo que invasores inimigos possam ter ateado fogo propositadamente. A equipe ainda encontrou algo bastante raro: uma inscrição informando claramente o nome que os antigos maias deram à cidade: Bahlam Jol (o nome maia de muitas cidades permanece desconhecido).

Quando os cientistas pesquisaram esse nome em um banco de dados de inscrições de outros sítios arqueológicos na região, descobriram que um monumento de pedra havia sido encontrado na cidade vizinha de Naranjo, que documentava uma série de campanhas militares vitoriosas contra os reinos vizinhos — incluindo a alegação de que, em uma data reconstituída como 21 de maio de 697, “Bahlam Jol foi destruída por um incêndio”.

“É exatamente a época em que foi demonstrado o acúmulo de carvão na laguna, o que nos permitiu associar, com segurança, a descrição a um incêndio real”, afirma Wahl.

Surpreendentemente, Bahlam Jol estava longe de ser a única cidade orgulhosamente proclamada pelo monumento de Naranjo como tendo sido “incendiada”. Ao menos três outras cidades da região tiveram o mesmo destino, inclusive uma atualmente conhecida como Buenavista del Cayo, onde os pesquisadores também identificaram, recentemente, sinais de grandes incêndios. Para Wahl e seus coautores, incluindo Estrada-Belli, as descobertas sugerem que é muito improvável que a guerra total tenha surgido somente cerca de um século mais tarde no período Clássico Terminal.

“Ao que parece, incendiar cidades era uma tática comum empregada bem antes do que se imaginava, então acredito que deva ser repensada a noção de que o surgimento de combates violentos perto do fim da civilização tenha provocado a derrocada dos maias”, afirma Wahl, que, atualmente, está pesquisando o papel que o clima pode ter exercido. Apesar de tudo indicar que a produção de milho tenha sido drasticamente reduzida após o grande incêndio, ela somente desaparece por completo perto de 1.000 d.C., período que, de acordo com outros estudos, tinha indícios claros de estiagens generalizadas na região.

Isso sugere que a dificuldade de cultivar alimento devido às mudanças climáticas pode ter contribuído muito para o declínio dos maias, ainda que essa dificuldade não tenha acirrado as guerras. O estudo de Wahl se soma a um conjunto recente e crescente de evidências que mostra que combates violentos ocorriam muito antes do período Clássico Terminal.

Como destaca Takeshi Inomata, da Universidade do Arizona, que conduziu pesquisas sobre guerras pré-colombianas, mas que não participou do estudo: “Acredita-se cada vez mais na ocorrência de guerras destrutivas durante o período Clássico, que podem ter acarretado declínios populacionais e desacelerado as atividades econômicas.” Ele acrescenta, entretanto, que provavelmente havia certas restrições à guerra, tal como existem hoje. “Mas, em vez de fazer afirmações categóricas, precisamos investigar especificamente como as guerras se alteraram no decorrer do tempo”, afirma Inomata.

James Brady, arqueólogo da Universidade do Estado da Califórnia, em Los Angeles, que trabalhou em diferentes projetos na região, mas que também não participou do estudo, considera os novos dados “interessantes e provocadores”.

“Nunca me convenci de que a violência antes do período Clássico Terminal era utilizada apenas em rituais. Ela deve ter sido algo corriqueiro desde uma época bem remota e geralmente produzia graves consequências”, afirma ele.

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