DNA revela primeiro retrato de misterioso parente dos seres humanos

Por quase uma década, pesquisadores se perguntaram como eram os Denisovanos. Agora, temos o melhor modelo do esqueleto da espécie.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 20 de set. de 2019, 17:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Ilustração mostra como um Denisovano pode ter sido. Pesquisa genética que criou um modelo de um ...
Ilustração mostra como um Denisovano pode ter sido. Pesquisa genética que criou um modelo de um esqueleto de Denisovano sugere que esses misteriosos parentes dos humanos eram parecidos com os Neandertais de várias formas, inclusive com testas baixas e maxilares fortes.
Foto de Maayan Harel

NO COMEÇO DO ANO, David Gokhman invocou um fantasma. Aluno de pós-doutorado da Universidade Hebraica de Jerusalém, Gokhman tentava reconstruir o esqueleto de um enigmático humano antigo conhecido como Denisovano. Mas enquanto os Denisovanos provavelmente viveram na Ásia por dezenas de milhares de anos, pesquisadores encontraram somente míseros vestígios fósseis — um osso de mindinho, um fragmento de crânio, uma mandíbula fraturada e alguns dentes.

Para dar forma aos espectros, Gokhman resolveu ir atrás do vestígio mais convincente de sua existência: seu DNA antigo.

Agora, em uma façanha incrível, Gokhman e seus colegas mapearam um esqueleto sugerido do Denisovano usando informações para 32 características esqueléticas codificadas no DNA que foi extraído de um osso de mindinho. A pesquisa, publicada no periódico Cell, não dá valores exatos para as proporções do Denisovano, mas oferece uma análise comparativa de como esse misterioso tipo de hominino se aproximava do Homo sapiens e dos Neandertais.

“Usar esse [método] para reconstruir o passado é tão empolgante,” afirma María Martinón-Torres, a diretora do Centro Nacional de Pesquisa sobre a Evolução Humana da Espanha. “É o País das Maravilhas da ciência.”

Custeada em parte pela National Geographic Society, a nova pesquisa rendeu indícios tentadores de que mais restos de Denisovanos podem estar escondidos à vista de todos. Ao longo dos anos, cientistas escavaram vários fósseis pela Ásia que não cabiam direito nos galhos da árvore genealógica dos homininos. Mesmo assim, com escassos ossos de Denisovanos para comparação — e o calor na maior parte da Ásia acabando com esperanças para extração de DNA —, muitos desses fósseis definham em um paleo-purgatório, atribuídos a categorias nebulosas como “Homo arcaico”.

Muitas das características propostas agora podem ajudar pelo menos com a identificação preliminar de alguns desses restos. O trabalho já indica que um par de crânios fragmentados encontrados perto da cidade de Xuchang, na China, sejam de Denisovanos.

O artigo também sonda a grande questão do que nos torna humanos, afirma Liran Carmel, da Universidade Hebraica de Jerusalém, que liderou a equipe de pesquisa do novo estudo. Enquanto uma incrível multiplicidade de homininos já tenham se espalhado por terras antigas, somente nossa espécie sobreviveu — e ninguém sabe o motivo.

“Esse é um grande passo em direção à resposta”, diz Carmel.

O parente perdido da humanidade

Com análise de DNA, cientistas determinaram como os denisovanos diferem de humanos modernos e neandertais.

Denisovanos eram semelhantes aos neandertais em muitos aspectos cruciais como mandíbulas robustas, crânios e testas achatados, pelves e dedos largos e grandes caixas toráxicas. Mas os denisovanos

eram diferentes tanto dos humanos modernos quanto dos neandertais em algumas áreas importantes.

Comparados aos humanos modernos,

denisovanos tinham:

Humano

Moderno

Denisovano

Vértebras mais largas no pescoço

Escápulas maiores

Ossos mais arredondados

e alongados

Costelas mais grossas

Vértebras posteriores

maiores

Pelve maior

Acetábulo profundo

Ossos do quadril

mais longos e largos

Ossos da mão maiores

Dedos mais largos

Maturidade esquelética

mais tardia

Maior densidade óssea

Mais espaço entre

ossos parietais

Palato menor e mais largo

Esmalte dentário grosso

Erupção dentária mais tardia

Face mais larga e curta

Frente da mandíbula mais alta e larga

Topo do crânio mais achatado

Testa menor

Face protuberante

Arcada mais longa

Mandíbula protuberante

Base do crânio mais longa

Comparados aos neandertais ,

denisovanos tinham:

Denisovano

Neandertal

Escápulas

menores

Acetábulos

mais rasos

Maturidade esquelética

mais precoce

Menor densidade óssea

Mais espaço entre

ossos parietais

Mais espaço entre

ossos temporais

Face mais fina

Face protuberante

Arcada mais longa

Perda dentária mais tardia

Jason Treat, NG STAFF.

FONTES: Liran Carmel e outros,

Cell, Setembro 2019.

O parente perdido da humanidade

Com análise de DNA, cientistas determinaram como os denisovanos diferem de humanos modernos e neandertais.Denisovanos eram semelhantes aos neandertais em muitos aspectos cruciais como mandíbulas robustas, crânios e testas achatados, pelves e dedos largos e grandes caixas toráxicas. Mas os denisovanos

Humano Moderno

Denisovano

Neandertal

Comparado aos humanos modernos,

Denisovanos tinham:

Comparado aosNeandertais,

Denisovanos tinham:

Vértebras mais largas no pescoço

Escápulas maiores

Escápulas menores

Ossos longos e arredondados

Costelas grossas

Vértebra posterior maior

Pelve maior

Acetábulos profundos

Acetábulos rasos

Ossos do quadril maiores

Ossos da mão maiores

Dedos largos

Maturidade esquelética tardia

Maturidade esquelética precoce

Maior densidade óssea

Menor densidade óssea

Mais espaço entre ossos parietais

Mais espaço entre ossos parietais

Mais espaço entre ossos temporais

Face larga e curta

Face mais fina

Palato menor e mais largo

Erupção dentária tardia

Esmalte dentário grosso

Frente da mandíbula larga

Topo do crânio achatado

Testa menor

Face mais protuberante

Face menos protuberante

Arcada mais longa

Arcada mais longa

Base do crânio mais longa

Mandíbula protuberante

Perda dentária tardia

Jason Treat, NG STAFF. FONTES: Liran Carmel e outros, Cell, Setembro 2019.

Patos genéticos enfileirados

A descoberta dos Denisovanos, anunciada em 2010, dependia do DNA extraído do osso de um dedinho e de um dente grande escavado na caverna Denisova, nas Montanhas Altai, Sibéria.

“Foi a primeira vez na história da ciência que um novo grupo de humanos foi descoberto somente com base no DNA”, Carmel afirma. “Houve muito mistério.”

Estudos genéticos contínuos vagarosamente extraíram os Denisovanos das sombras. Eles se separaram dos parentes Neandertais há pelo menos 400 mil anos, e enquanto Neandertais se estabeleceram pela Europa e Oriente Médio, os Denisovanos foram para o leste, através da Ásia. Pelo caminho, eles procriaram com nossos ancestrais antigos e deixaram digitais genéticas ainda vistas na população moderna de descendência asiática.

Tradicionalmente, paleoantropólogos usam esqueletos fósseis de antigos homininos para buscar caraterísticas que os diferenciem. Mas sem mais evidências físicas para os Denisovanos, não tinha como juntar um rosto com o nome. Foi aí que Carmel e sua equipe chegaram. A cadeia de “letras” químicas que formam o DNA codifica instruções para a criação de proteínas que têm relação com características físicas. Apesar disso, esse material genético não pode simplesmente ser lido como um livro, em parte porque cientistas não só precisam saber qual cadeia se conecta com qual proteína, mas também o quanto cada gene é ativo.

Um jeito que a evolução reduz a atividade genética é a metilação, ou a adição de identificadores químicos a partes específicas do DNA. Por exemplo, perda de metilação em certas partes do genoma resulta no crescimento descontrolado de muitos tipos de células cancerígenas.

Mais ou menos um ano depois que a descoberta do Denisovano foi anunciada, Gokhman e sua equipe estavam estudando padrões de metilação para humanos antigos, que são fortuitamente preservados em DNA antigo como ajustes na sopa de letrinhas genética. Eles mapearam esses padrões nos genomas de Neandertais e humanos modernos, ligando algumas diferenças em metilação a características anatômicas ou doença. Mas eles queriam mais. Será que poderiam prever as caraterísticas físicas dos misteriosos Denisovanos usando metilação?

“Não tínhamos certeza alguma do que conseguiríamos, porque isso nunca foi feito antes,” diz Gokhman, que é atualmente bolsista de pós-doutorado na Universidade de Stanford.

Para determinar como a metilação poderia agir, os pesquisadores se debruçaram sobre uma base de dados moderna que traça mutações ligadas a uma série de doenças humanas. Nesses casos, mutações tornam certos genes inativos de uma forma parecida com o que acontece por causa da metilação. A base de dados inclusive os ajudou a entender a direção da mudança, por exemplo, se uma mutação causa dedos mais curtos ou mais compridos.

A equipe tomou o cuidado de tentar prever somente aspectos do esqueleto que eles podiam razoavelmente ligar aos genes. Por exemplo, se múltiplos genes controlavam uma característica, eles só a incluíram no modelo se a direção de mudança para cada gene fosse a mesma.

“Se o gene A diz que parece um pato, e o gene B diz que parece um pato, e o gene C, e assim por diante, então nossa previsão é que pareça um pato”, afirma Gokhman. Se um ganso genético estivesse no meio, a característica era excluída do esqueleto proposto.

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    Finalmente, com todos os patos alinhados, eles testaram o método de prever as diferenças esqueléticas conhecidas em Neandertais e chimpanzés em comparação a humanos modernos, e foram bem-sucedidos, com precisão de 85 por cento.

    Forma jovial

    Talvez sem surpresa, os resultados de forma geral sugeriram que os Denisovanos eram mais parecidos com seus parentes conhecidos mais próximos, os Neandertais, incluindo uma testa baixa e maxilares fortes. Mas haviam diferenças importantes.

    “O que vemos aqui não é só outro Neandertal,” diz Murray Cox da Massey University, que não fez parte da equipe do estudo. “Estamos olhando para um terceiro grupo que parece bem diferente tanto dos humanos modernos quanto dos Neandertais — isso é mesmo interessante.”

    Uma característica particularmente intrigante é a largura do crânio entre os ossos parietais, que forma os lados e parte traseira superior do crânio. Essa medida, conhecida como diâmetro biparietal, era notavelmente grande para um par de crânios fragmentados entre 100 mil e 130 mil anos de idade descobertos em Xuchang — um dos quais tinha o maior diâmetro biparietal já medido à época. Muitos especialistas pensaram que os fósseis pudessem ser Denisovanos, mas sem DNA, não se podia afirmar nada em definitivo.

    O novo estudo prevê que o diâmetro biparietal largo — maior que em ambos humanos modernos e Neandertais—indica que seja Denisovano. Das oito características cranianas de Denisovano previstas presentes nos fósseis de Xuchang, sete combinam com as previsões da equipe.

    “Foi muito revelador para nós ver isso”, diz Carmel, descrevendo sua sensação como “uma grande alegria”.

    Outro teste para o modelo veio em maio desse ano, quando pesquisadores anunciaram a descoberta de um maxilar de Denisovano em uma caverna aninhada na borda do planalto tibetano, os primeiros restos de Denisovanos conclusivos encontrados fora da Sibéria até a data. Assim que ouviu o anúncio, Gokhman foi ao seu perfil checar a previsão. Ele ficou emocionado ao descobrir que todos os novos traços combinavam, desde a altura do maxilar frontal até o arco alongado embaixo dos dentes.

    Retrato de família hominino

    O estudo já está causando furor entre pesquisadores de homininos que estão avidamente comparando as medidas previstas a outros restos. Xiujie Wu, uma pesquisadora no instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia da China diz em um e-mail que as características propostas de Denisovanos parecem se alinhar com restos não-identificados encontrados em Xujiayao, no norte da China.

    Nem todas as características propostas combinam com os poucos restos de Denisovanos encontrados até hoje, como espessura do esmalte e largura das pontas dos dedos. Mas focar nesses traços sai do panorama geral, afirma Bence Viola, paleantropólogo na Universidade de Toronto e principal especialista em morfologia fóssil dos Denisovanos.

    “Acho absolutamente incrível que consigam fazer essas coisas”, afirma ele, enfatizando que a equipe fez o melhor que pôde com informações parcas. O modelo não é preciso o suficiente para identificar pequenos fósseis conclusivamente como Denisovanos, baseado somente nesses dados, ele diz, mas serve como um guia útil para pesquisas futuras.

    “Esse trabalho é empolgante, empurrando os limites do que pode ser colhido de genomas antigos,” afirma Chris Stringer do Museu de História Natural de Londres, via e-mail. Mas o trabalho "depende de uma complexa cadeia de extrapolações," acrescenta, e agora elas devem ser avaliadas pela comunidade científica.

    Por exemplo, não fica claro quanta variação da população de Denisovanos o estudo deixa passar, observa Cox. Estudos genéticos de Denisovanos, incluindo a própria pesquisa de Cox, sugerem que o grupo era incrivelmente abrangente, com populações evoluindo separadamente por dezenas de milhares de anos. Uma linhagem de Denisovanos era quase tão diferente de outros Denisovanos quanto de Neandertais.

    Também existem muitas incertezas sobre como padrões de metilação se relacionam com características de esqueleto, diz Genevieve Housman, pesquisadora de pós-doutorado da Universidade de Chicago, estudando genética e epigenética de primatas.

    Mutações que fazem com que um gene perca função são como interruptores — o gene está ligado ou desligado, diz Nicholas Banovich, especialista em genômica humana da organização sem fins lucrativos Translational Genomics Research Institute. A metilação, entretanto, é como um botão de volume que ajusta a quantidade de atividade do gene. Portanto, como os próprios autores do estudo reforçam, as características esqueléticas só podem ser consideradas distintas quando comparadas com as características de humanos modernos ou de Neandertais. Ainda vai demorar para quantificar a mudança.

    Apesar disso, Cox e os outros estão empolgados com a pesquisa: “Não sabemos quase nada sobre a morfologia dos Denisovanos”, ele afirma, “então cada pedaço de conhecimento novo é grande coisa.”

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