Arqueólogos finalmente descobrem motivo do abandono de palácio cananeu há 3,7 mil anos

Pesquisadores em Israel buscaram evidências em escavações durante anos — e o que descobriram pode ter implicações para os atuais moradores da região.

Por Kristin Romey
Publicado 16 de set. de 2020, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Um depósito de jarros de vinho, todos encontrados quebrados no local, forneceu uma pista crucial do ...

Um depósito de jarros de vinho, todos encontrados quebrados no local, forneceu uma pista crucial do que se passou no palácio cananeu em Tel Kabri há 3,7 mil anos.

Foto de Eric H. Cline

NO SÉCULO 18 a.C., um palácio cananeu em Tel Kabri, no atual norte de Israel, era digno de admiração. A enorme construção — com mais de 6 mil metros quadrados, era maior que um shopping center moderno — estava repleta de pinturas de parede e contava com um elegante salão de banquetes e salas de depósito com mais de cem enormes jarros de vinho aromático.

Então, em algum momento naquele século, o palácio foi subitamente abandonado e ficou vazio por quase um milênio.

Passados 3,7 mil anos aproximadamente, arqueólogos ficaram perplexos ao iniciar as escavações do palácio em 2009. Essa bela e importante construção evidentemente serviu como centro político dos cananeus na região. E havia sido reformada pouco antes de cair em desuso. Então de que seus moradores fugiram?

O sítio arqueológico com mais de 30 hectares em Tel Kabri está localizado em uma região com intensa atividade tectônica e, por isso, parecia banal demais atribuir o abandono a um terremoto. Mas os arqueólogos estavam hesitantes: dizer que um terremoto foi o responsável parecia uma saída fácil, assim como a piada contada entre arqueólogos quando é atribuída a um artefato a finalidade de “ritual”, pois não conseguiram descobrir ao certo para que serve.

Uma ondulação visível na parede mais afastada de uma sala do palácio também indicava atividade sísmica.

Foto de Eric H. Cline

Em vez de optar por essa saída simples, a equipe de Tel Kabri passou diversas temporadas de escavação descartando cada possibilidade. Com o apoio da National Geographic Society, procuraram evidências de estiagem, inundação ou outros fatores ambientais que poderiam ter afastado os moradores. Procuraram sinais de incêndio, armas ou corpos não enterrados que pudessem indicar violência ou conflitos. Nada. Nem um único sinal.

Assaf Yasur Landau, codiretor das escavações da Universidade de Haifa e coautor de um estudo publicado no periódico PLoS One, disse que demorou seis anos para aceitar a ideia de que um terremoto pode ter destruído o palácio cananeu.

“Queria me certificar de fazer todas as verificações necessárias antes de chegar a essa conclusão”, afirmou. “É extremamente importante não ser sensacionalista e chegar a conclusões científicas bem fundamentadas. Caso contrário, haverá repercussões negativas à ciência e à comunidade científica.”

Em 2011, a equipe de Tel Kabri começou a escavar uma trincheira que parecia atravessar todo o palácio. No início, os arqueólogos acreditavam que fosse um canal de irrigação moderno para o cultivo de abacate, existente nas proximidades, ou que talvez houvesse sido escavado durante a guerra árabe-israelense de 1948.

“Houve uma batalha em 1948 bem próxima ao local”, afirma Eric Cline, codiretor de Tel Kabri da Universidade George Washington. “Em nossas anotações, havia sido registrada como uma trincheira moderna antitanque.”

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    Uma foto aérea do local mostra uma trincheira horizontal que atravessa a metade superior do sítio arqueológico.

    Foto de Griffin Aerial Imaging

    Contudo, ao longo de várias temporadas de escavação, os arqueólogos começaram a notar características no palácio que não condiziam com essa hipótese. Havia um desnível discreto em algumas paredes. Alguns pisos apresentavam uma certa “ondulação”, inclinados em ângulos incomuns, ou esburacados, provavelmente devido à queda de objetos pesados do alto.

    Em 2019, mais de 30 metros da trincheira haviam sido escavados e arqueólogos notaram que três fileiras de tijolos de uma parede do palácio pareciam ter caído dentro da trincheira.

    “A essa altura, olhamos um para o outro e o supervisor da área disse: ‘não acredito que esta seja uma trincheira moderna. Deve ser uma trincheira antiga’”, recorda Cline. “Um de nós perguntou: ‘Terremoto?’ Consideramos plausível. Assim, decidimos consultar o Michael.”

    Michael Lazar, pesquisador e cientista do departamento de geociências marinhas da Universidade de Haifa e autor principal do artigo publicado no periódico PLoS On, havia visitado Tel Kabri em 2013, quando a equipe escavou pela primeira vez um depósito de vinho. “Encontrei diversos jarros quebrados pelo teto desabado”, lembra. “Assaf me perguntou quais eram as minhas impressões e respondi: ‘terremoto’. Assaf indagou: ‘não, qual acha que foi a causa?’”

    Agora, passados seis anos, após analisar a trincheira, os especialistas especulam que a rachadura pode ter sido causada por um terremoto. Talvez tenha sido resultado de liquefação (quando o solo saturado de água perde sua estrutura) devido ao impacto direto de um terremoto ou a um tremor secundário ocasionado por um terremoto mais distante que tenha perturbado o lençol freático em Tel Kabri.

    Os pesquisadores então passaram a analisar os finos grãos de sedimentos que cobriam o chão do palácio e encontraram uma mistura de gesso e paredes quebradas, derrubados de uma vez só. A ausência de lama indicou que o chão não ficou exposto a intempéries em nenhum momento antes de ser coberto pela camada de sedimentos. Foi um acontecimento repentino e não uma destruição gradual.

    Se consideradas conjuntamente, todas as características incomuns começam a fazer sentido: o desnível das paredes, o chão inclinado e esburacado, os enormes jarros cerâmicos de vinho despedaçados no local, as evidências microgeológicas e a rachadura que dividiu o palácio pela metade. Além disso, registros de sedimentos do Mar Morto indicam que ocorreu um abalo sísmico na região por volta de 1700 a.C., época em que o palácio foi abandonado. Um terremoto seria a única explicação provável para o abandono.

    “Na arqueologia, as peças se encaixam”, afirma Cline. “Quando hipóteses são descartadas, são formuladas hipóteses mais plausíveis e é preciso conduzir um trabalho investigativo. O impossível é eliminado e trabalha-se com as hipóteses restantes.”

    Tina Niemi, geóloga da Universidade de Missouri-Kansas City, que não participou do projeto de Tel Kabri, concorda que as evidências parecem apontar para um terremoto, embora afirme que mais pesquisas sejam necessárias para determinar exatamente seu local de origem. Poderia ter sido causado pela pequena falha de Kabri, próxima ao local? Ou o responsável seria a falha do Mar Morto, maior e mais perigosa, a cerca de 40 quilômetros a leste? Escavar um corte transversal da rachadura que atravessa o palácio poderia ajudar a responder essa pergunta, segundo ela.

    Yasur-Landau não está mais cético quando se trata da hipótese de terremoto. “Trabalhamos há mais ou menos cinco anos nessa questão específica do projeto, então é bastante gratificante conseguir uma resposta.”

    No entanto, para Lazar, a descoberta traz novas preocupações aos moradores da região, sobretudo se a falha de Kabri for a responsável pela destruição do palácio. “Em Israel, todos os terremotos geralmente são associados à falha do Mar Morto”, conta ele. “Todos os locais distantes do Mar Morto não são considerados sob grande ameaça.”

    Lazar acrescenta que a falha de Kabri foi retirada do novo mapa de falhas possivelmente ativas em Israel. No entanto, se foi de fato a responsável pelos danos causados há 3,7 mil anos — o que significa pouco tempo em termos geológicos — a possibilidade de futuras atividades sísmicas não pode ser descartada.

    “Há importantes repercussões para a avaliação de riscos e é preciso reinserir a falha no mapa.”

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