Campo de sobreviventes recém-descoberto pode explicar o que houve com colônia de Roanoke

Descoberta fornece “evidências convincentes” que ajudam a desvendar um dos mistérios históricos mais antigos dos Estados Unidos.

Por Andrew Lawler
Publicado 12 de nov. de 2020, 07:00 BRT
Mais de cem homens, mulheres e crianças navegaram da Inglaterra à Carolina do Norte em 1587 ...

Mais de cem homens, mulheres e crianças navegaram da Inglaterra à Carolina do Norte em 1587 para estabelecer um novo assentamento. Passados três anos, eles desapareceram, deixando poucas pistas de seu paradeiro.

Foto de Mark Thiessen, National Geographic

Fragmentos de cerâmica escavados recentemente em um campo da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, pertenciam a sobreviventes da malfadada Colônia Perdida, o primeiro assentamento inglês nas Américas. Essa alegação dramática alimentou um debate acalorado sobre o que houve com os 115 homens, mulheres e crianças abandonados na Ilha de Roanoke, na Carolina do Norte, em 1587.

Em um penhasco com vista para a enseada Albemarle Sound, cerca de 80 quilômetros a oeste da Ilha de Roanoke, uma equipe da First Colony Foundation escavou inúmeras peças de cerâmica inglesas, alemãs, francesas e espanholas.

“A quantidade e a variedade de artefatos recuperados fornecem evidências convincentes de que o local foi habitado por vários membros da colônia de sir Walter Raleigh, desaparecida em 1587”, afirmou Nick Luccketti, arqueólogo líder da equipe.

O anúncio foi feito poucos meses após outro arqueólogo alegar ter encontrado objetos relacionados aos colonos perdidos na Ilha Hatteras, localizada a cerca de 80 quilômetros ao sul da Ilha de Roanoke. Se confirmadas, ambas as descobertas comprovariam a teoria de que os colonos se dividiram em dois ou mais campos de sobreviventes bastante afastados, quase certamente com o auxílio de nativos americanos, aos quais provavelmente foram incorporados.

Um mapa desenhado pelo governador da colônia possui um remendo que cobre o símbolo de um forte localizado a cerca de 80 quilômetros terra adentro a partir da Ilha de Roanoke. Pesquisadores afirmam ter encontrado evidências de sobreviventes da Colônia Perdida nessa região.

Foto de Stuart Conway, National Geographic

Pistas sobre o destino dos colonos

A Colônia Perdida era composta predominantemente por londrinos de classe média que ficaram presos na costa da Carolina do Norte quando a Armada espanhola atacou a Inglaterra, mergulhando a nação em uma guerra. Na época, o governador da colônia, John White, estava em Londres buscando suprimentos e outros colonos. Quando finalmente retornou ao assentamento, três anos depois, encontrou-o deserto.

A única pista sobre o paradeiro dos colonos foi um poste esculpido com a palavra “Croatoan”, antigo nome da Ilha Hatteras e de seus habitantes nativos, que mantinham relações amistosas com os ingleses. Um deles, Manteo, viajou duas vezes à Inglaterra e foi nomeado lorde pela Rainha Elizabeth I.

White também escreveu que os colonos pretendiam se mudar “80 quilômetros adentro”, uma aparente referência a um local no interior do continente. O governador nunca conseguiu localizar os colonos, que incluíam sua filha Eleanor Dare e sua neta, Virginia Dare, a primeira inglesa nascida no Novo Mundo.

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O caso ficou esquecido até 2012, quando os pesquisadores notaram um remendo em um mapa do leste da Carolina do Norte pintado em aquarela por White. Embaixo do remendo, havia a imagem de um forte no fundo da enseada Albemarle Sound. Sua localização fica a cerca de 80 quilômetros a oeste da Ilha de Roanoke, o que condiz com a versão do governador. Em cima do remendo, havia o contorno fraco de outro forte, este feito com tinta invisível, segundo analistas.

Os estudiosos especularam que White desejava ocultar dos espanhóis a existência do forte, que consideravam a empreitada de Roanoke uma ameaça a seu domínio da América do Norte e das rotas marítimas críticas próximas ao arquipélago de Outer Banks, na Carolina do Norte. Os espanhóis enviaram uma expedição para exterminar a colônia inimiga, mas também não conseguiram encontrar os colonos.

Em 2015, a equipe de Luccketti escavou a região indicada no mapa, perto de uma aldeia de nativos americanos denominada Mettaquem. Como era comum o estabelecimento de assentamentos dos primeiros colonos europeus próximos aos nativos americanos, parecia um bom lugar para iniciar a busca.

Um fragmento de cerâmica inglesa encontrado no Sítio X pode fazer parte de um vaso utilizado por um sobrevivente da malfadada colônia.

Foto de Mark Thiessen, National Geographic

Clay Swindell, arqueólogo associado à First Colony Foundation que vasculhou Mettaquem, disse que a aldeia fortificada abrigou aproximadamente entre 80 e 100 pessoas. Fora de seus muros, em um local denominado Sítio X, a equipe de Luccketti não encontrou nenhum forte, mas localizou dezenas de peças de cerâmica inglesa que provavelmente pertenciam aos sobreviventes da Colônia Perdida e por isso haviam sido guardados.

Em janeiro, os arqueólogos escavaram um campo a cerca de três quilômetros ao norte do Sítio X, apelidado de Sítio Y, no qual encontraram cerâmicas europeias em quantidade e variedade muito maiores do que no Sítio X. Luccketti alega que ao menos alguns dos colonos abandonaram Roanoke após a partida de White em 1587, levando suas cerâmicas europeias. Ele afirma que um pequeno grupo, possivelmente uma única família, pode ter iniciado cultivos agrícolas ao lado de seus vizinhos nativos americanos enquanto aguardavam em vão por resgate.

Mistério desvendado?

William Kelso, arqueólogo que liderou a iniciativa da busca pelo forte de Jamestown de 1607, está confiante de que as descobertas “solucionam um dos maiores mistérios da história antiga dos Estados Unidos — a odisseia da Colônia Perdida”. Outros arqueólogos, entretanto, alertam que não devem ser tiradas conclusões precipitadas.

“Estou cético”, afirma Charles Ewen, arqueólogo da Universidade do Leste da Carolina. “Estão tentando comprovar em vez de tentar refutar a teoria, o contrário do método científico.”

A afirmação de Luccketti depende da datação das pequenas peças de cerâmica — tarefa bastante complexa, já que não houve mudança nos estilos por muito tempo. A cerâmica do Sítio X e do Sítio Y poderia ter sido deixada por comerciantes ingleses posteriores oriundos de Jamestown, colonizado duas décadas após a tentativa frustrada em Roanoke. Os pesquisadores concordam, contudo, que a descoberta de duas diferentes áreas com esses artefatos reforça a hipótese de Luccketti.

“Não sou contrária à interpretação de que a cerâmica em questão possa ser datada do fim do século 16 e talvez esteja associada à Colônia Perdida”, conclui Jacqui Pearce, especialista em cerâmica do Museu de Londres. Embora toda a produção de cerâmicas tenha prosseguido por muito tempo após o início do século 17, ela considera pouco provável que esse conjunto específico de vasos tenha sido produzido após 1650, quando os primeiros comerciantes ingleses conhecidos começaram a se integrar à região.

Ainda assim, as relíquias encontradas foram misturadas com o solo arado nos séculos seguintes por colonos posteriores e africanos escravizados, além disso, a equipe ainda não encontrou vestígios nítidos de uma propriedade em estilo elisabetano. “É preciso encontrar artefatos que datam claramente do século 16 em camadas geológicas intocadas”, explica Henry Wright, arqueólogo da Universidade de Michigan.

Uma pista intrigante que aponta na direção dos colonos de Roanoke em vez dos comerciantes de Jamestown é a ausência de cachimbos de argila do início do século 17 no Sítio X e Sítio Y. As primeiras expedições de Roanoke haviam incorporado o fumo de cachimbo dos nativos americanos e Raleigh lançou essa moda na Inglaterra. Cachimbos de argila finos com pequenas cavidades, bem distintas dos congêneres indígenas em termos de materiais e estilo, estavam inevitavelmente presentes em qualquer kit de comerciantes ingleses no início de 1600.

Mas esses cachimbos não foram encontrados no Sítio Y. Pearce considerou sua ausência significativa. “Se alguns dos habitantes da Colônia Perdida fossem fumantes, então teriam utilizado os cachimbos dos nativos em vez dos produzidos em Londres”, disse ela.

Fotos: Pistas encontradas sobre colônia perdida Roanoke, na América do Norte

Segundo campo de sobreviventes?

Durante as escavações do Sítio X pela equipe de Luccketti, um grupo liderado por Mark Horton, na época, arqueólogo da Universidade de Bristol, encontrou restos mortais de uma aldeia de nativos americanos na atual Ilha Hatteras, a antiga Croatoan. Em colaboração com voluntários da organização Croatoan Archaeological Society, ele encontrou artefatos europeus, incluindo a empunhadura de uma espada rapieira do século 16 e parte de uma arma de fogo.

Scott Dawson, chefe da organização, explicou que os artefatos fornecem evidências da incorporação dos colonos pelo povo de Croatoan. “Agora conhecemos não apenas seu último paradeiro, mas também seu destino após a chegada”, escreveu em referência aos colonos em um livro recente.

Horton, que ainda não publicou suas descobertas, advertiu que esses objetos foram todos encontrados em um contexto datado entre meados e fim do século 17, o que significa que podem ser relíquias herdadas pelos descendentes dos colonos, ou ainda objetos comerciais posteriores adquiridos de Jamestown.

Luccketti duvida que uma grande quantidade de colonos de Roanoke tenha partido rumo a Croatoan, em parte porque evidências ambientais indicam pouca precipitação na década seguinte à chegada dos colonos. “Não é plausível que cem pessoas abarrotem uma ilha no meio de uma estiagem”, presume ele.

Mas Horton afirma que as descobertas do Sítio X, do Sítio Y e de Hatteras fornecem credibilidade à teoria cada vez mais difundida de que os colonos perdidos tenham se separado e sido incorporados a comunidades nativas americanas da região. “É comum essa ocorrência em situações de naufrágios”, conta ele. “Há uma desagregação e as pessoas acabam em vários campos de sobreviventes.”

E há um precedente conhecido. Em 1586, época de uma acentuada escassez de alimentos para os membros da primeira colônia de Roanoke, seu líder distribuiu seus cem colonos por toda a região, incluindo por Croatoan, para que pudessem buscar alimento — uma tática que se revelou bem-sucedida até que pudessem pegar uma carona de volta à Inglaterra.

Dawson espera retomar as escavações em outras regiões de Hatteras em busca de um campo de sobreviventes, enquanto a equipe de Luccketti também pretende prosseguir com sua caçada. “Não há dados suficientes, mas é preciso continuar procurando”, afirma Ewen.

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