Enormes partes de Stonehenge podem ter sido transportadas de monumentos mais antigos
Anos de pesquisas arqueológicas sugerem que os britânicos do Neolítico arrastaram pesadas partes do icônico monumento de lugares longínquos da ilha.
Stonehenge, concluído há cerca de 4,6 mil anos, pode ter sido parcialmente construído a partir de elementos de monumentos megalíticos mais antigos, construídos a centenas de quilômetros de distância.
Não é difícil entender por que Stonehenge é um dos sítios arqueológicos mais icônicos do mundo. O círculo de pedras de 4,6 mil anos de idade, localizado na planície de Salisbury, no sul da Inglaterra, foi construído por pessoas que não deixaram pistas claras de seu propósito ou dicas de sua própria identidade — mistérios que há muito tempo fascinam arqueólogos, druidas modernos, escritores de ficção científica e turistas.
Agora, um novo estudo publicado na revista científica Antiquity oferece outra reviravolta na saga de Stonehenge: o local classificado como Patrimônio Mundial pode não ser uma criação original. Uma equipe de pesquisadores encontrou um possível precursor de Stonehenge nas ruínas de um monumento ainda mais antigo no País de Gales.
O círculo de pedras no sítio arqueológico de Waun Mawn tem dimensões comparáveis às de Stonehenge, é alinhado de uma maneira similar com o sol e parece apresentar alguns dos mesmos materiais de construção. Mas, ao contrário de Stonehenge, poucas pedras dele sobreviveram. A equipe de pesquisa especula que os construtores de Waun Mawn o desmontaram cinco milênios atrás e transportaram algumas de suas pedras azuis de três toneladas por 280 quilômetros para o leste até a Planície de Salisbury — um esforço extremamente árduo (e, em níveis práticos, desnecessário). Então, por que fazer isso?
Para os britânicos da antiguidade, as pedras azuis “não devem ter sido consideradas apenas objetos de valor, mas a própria essência de quem eles eram”, explica Michael Parker Pearson, especialista em pré-história britânica na University College London e principal autor do estudo. Pearson, cujo trabalho é apoiado em parte pela National Geographic Society, suspeita que a descoberta em Waun Mawn possa sustentar uma hipótese particularmente evocativa: as pedras azuis de Stonehenge (assim chamadas devido à sua cor) eram as representações físicas dos ancestrais dos migrantes, ou de suas memórias ancestrais. Os britânicos do Neolítico literalmente carregavam consigo o peso de seus ancestrais pelo país.
Nesta fase da pesquisa, no entanto, não é possível tirar conclusões definitivas — algo que tanto os autores do estudo quanto especialistas externos reconhecem. “Uma das coisas que sempre gostei em Stonehenge é que muitas perguntas provavelmente nunca serão respondidas”, diz Kate Fielden, vice-presidente da Rescue — The British Archaeological Trust, que não participou da pesquisa. “Eu gosto da ideia de que existe um mistério.”
Arco de antigas pedras monolíticas em Waun Mawn, no País de Gales, visto durante escavações experimentais em 2017. O perfil de uma cavidade rochosa descoberta no local corresponde ao de uma pedra encontrada em Stonehenge, sugerindo que ela foi deliberadamente transportada para o local do Patrimônio Mundial na Inglaterra por uma distância de cerca de 280 quilômetros.
Pistas em lendas antigas?
Os avanços da ciência arqueológica nas últimas décadas restringiram as possíveis histórias de origem de Stonehenge. Seu alinhamento com os solstícios de verão e inverno implica uma conexão com a astronomia, e a grande quantidade de restos humanos cremados no local sugere uma ligação com os mortos ou a veneração de ancestrais.
Stonehenge não foi construído em um piscar de olhos. A construção começou há cinco mil anos e o monumento teve diversas formas ao longo dos séculos. No final, foi construído com dois tipos de pedra: lajes de arenito de 20 toneladas que compõem a ferradura central maior e o círculo de pedras externo — e um arco interno de pedras azuis menores de três toneladas. A análise geoquímica indica que os blocos de arenito foram tirados de West Woods, uma floresta próxima de Stonehenge.
Por outro lado, acredita-se que as pedras azuis foram arrastadas por terra por quase 320 quilômetros desde as colinas Preseli, no oeste do País de Gales. Parker Pearson e outros pesquisadores recentemente encontraram combinações perfeitas para as pedras azuis de Stonehenge em duas pedreiras galesas.
A jornada dessas pedras azuis retrata uma antiga lenda, segundo arqueólogos. No tomo do século 12 da História dos Reis da Bretanha Geoffrey de Monmouth conta como o mago Merlin destruiu a Dança dos Gigantes, um antigo círculo de pedras na Irlanda, e usou 15 mil homens para reconstruí-lo na Planície de Salisbury.
Embora essa curiosa história sobre os caprichos de um feiticeiro tenha pouca base na realidade, o fato de que as pedras azuis de Stonehenge vieram do País de Gales, logo do outro lado do mar da Irlanda, fez algumas pessoas se perguntarem se o mito poderia ter um toque de verdade. Existiu um precursor de Stonehenge em algum lugar a oeste? Incapazes de resistir a um desafio, a equipe de Pearson — um grupo formado por arqueólogos, geólogos, especialistas em fotogrametria aérea e em datação por radiocarbono e cristal — passou grande parte da última década tentando descobrir.
A caça aos precursores
Identificado pela primeira vez em 2010 como um local de interesse sobre Stonehenge, Waun Mawn não tem muito para ser visto hoje — apenas quatro pedras azuis dispostas em um possível arco. Em 2011 os arqueólogos usaram tecnologia de sensoriamento remoto para investigar o subsolo do local, mas não encontraram nada de interessante.
Seguindo um palpite, a equipe retornou a Waun Mawn em 2017 e cavou pequenas trincheiras em cada extremidade do arco, encontrando duas covas onde antes estavam os monólitos. “Aquele foi um momento em que pensei: nossa, talvez, apenas talvez, finalmente estejamos no caminho certo”, relata Parker Pearson.
Mais uma vez, no entanto, investigações geofísicas não revelaram nenhuma outra cova onde pudesse ter havido pedras. Técnicas de sensoriamento remoto foram fundamentais para observar abaixo da superfície de Stonehenge. O fracasso desses mesmos métodos em Waun Mawn, mesmo depois das promissoras evidências encontradas nas trincheiras cavadas, foi tão irônico quanto frustrante.
“Não há nada mais difícil do que tentar encontrar um círculo de pedras que não está mais lá”, diz Parker Pearson.
A equipe de pesquisa por fim se deu conta de que aquele pedaço de terra galesa não tinha os minerais magnéticos, ou quaisquer rochas eletricamente condutoras, necessários para o equipamento de sensoriamento remoto funcionar como deveria. “A alta tecnologia moderna simplesmente não iria funcionar”, conta Parker Pearson. “Teríamos que trabalhar à moda antiga e fazer tudo à mão.”
Vista do norte de Waun Mawn durante a escavação em 2018. O círculo de pedras fica ao lado de uma colina conhecida como “Morro do Veado”, que possibilita uma vista distante da Irlanda a oeste.
Stonehenge é composto por rochas de arenito locais posicionadas ao redor do anel exterior e da ferradura interna, com pedras azuis de dolomita menores provenientes do País de Gales dentro do círculo.
Peças perfeitas de quebra-cabeça
Depois de meses escavando e examinando o solo em busca de discretas mudanças na textura, cor e topografia, os arqueólogos descobriram mais covas. Essas “cavidades de pedra” compreendiam um segmento do que foi originalmente um círculo de 110 metros de largura — o mesmo diâmetro da vala que circunda Stonehenge. Se todas as pedras em Waun Mawn ainda estivessem em seus lugares, o monumento se alinharia com o nascer do sol do solstício de verão — mais uma vez, assim como Stonehenge.
Em seguida, a equipe de pesquisa realizou a datação por radiocarbono do carvão vegetal do local, bem como a luminescência opticamente estimulada, que indica a última vez que os sedimentos ricos em quartzo acumulados nas cavidades de pedra foram expostos à luz solar. Juntos, eles sugeriram que Waun Mawn foi construído entre cinco mil e 5,6 mil anos atrás, antes da construção de Stonehenge.
Mas para onde foram as pedras de Waun Mawn? Uma das pedras azuis em Stonehenge forneceu uma pista: uma seção transversal muito específica que corresponde perfeitamente com uma das cavidades em Waun Mawn. Além disso, lascas de rocha no fundo de uma das cavidades de Waun Mawn formavam uma combinação geológica com aquele tipo específico de pedra azul de Stonehenge, uma rocha conhecida tecnicamente como dolerito sem manchas.
Análises anteriores de restos de esqueletos humanos em Stonehenge encontraram evidências químicas de que alguns dos mortos vieram do oeste do País de Gales. Juntos, os dados contam uma história dramática e inesperada: o círculo de pedras em Waun Mawn foi desmontado por seus criadores e levado para Salisbury, onde os construtores copiaram seu projeto e usaram algumas de suas pedras para erguer Stonehenge.
Os autores do estudo consideram esta uma teoria forte, porém provisória, e alguns especialistas independentes concordam. Richard Madgwick, arqueólogo da Universidade de Cardiff, no País de Gales, diz que a ideia de que Stonehenge tem pelo menos um precursor galês “é bastante convincente”.
Outros especialistas, no entanto, acham que ainda não há evidências suficientes.
“Procurar evidências que apoiem as tradições orais do relato de Geoffrey de Monmouth é uma abordagem interessante, mas os restos encontrados em Waun Mawn até agora não condizem com o que esperaríamos de um círculo de pedras desse período”, diz Timothy Darvill, arqueólogo da Universidade de Bournemouth. “É claramente necessário mais trabalho para fundamentar as alegações.”
Qual é o significado de Stonehenge?
Como apenas uma das 44 pedras azuis que restaram de Stonehenge pode (por enquanto) ser equiparada com segurança às de Waun Mawn, a equipe de pesquisa sugere que elas podem ter vindo de diversos lugares da região. Se for o caso, isso sugere que Stonehenge era de particular importância para seus criadores migrantes. Mas por quê?
Vários estudos de DNA antigo revelam que as pessoas enterradas em torno da Planície de Salisbury, há cinco mil anos, tinham origens ancestrais diferentes. Algumas vieram do oeste do País de Gales e da Irlanda, onde se construíam tumbas de pedra, enquanto outras vieram do leste da Inglaterra, onde os túmulos eram feitos em longos montes de terra. “Essas são áreas que, tradicionalmente, tinham diferentes estilos de vida e, pode-se dizer, estilos de morte”, explica Parker Pearson.
Uma cavidade de pedra escavada de Waun Mawn. Arqueólogos procuraram por pequenas diferenças na cor do solo, na textura e na topografia para identificar buracos onde os monólitos do antigo monumento estavam localizados.
Stonehenge se encontra bem no meio dessas áreas, e Pearson acredita que o monumento talvez servisse como um tipo de “área neutra” unificadora onde diferentes grupos neolíticos poderiam reconciliar suas diferenças culturais.
Um trabalho recente liderado por Madgwick dá suporte a essa ideia. Sua equipe encontrou uma grande quantidade de ossos de porco em Durrington Walls, um sítio neolítico próximo a Stonehenge. Análises químicas desses restos suínos revelaram que eles vieram de toda a Grã-Bretanha e foram consumidos em grandes festas. Todo o local poderia ter sido o “[Festival de] Glastonbury de seu tempo”, diz Madgwick, onde pessoas de todas as partes das ilhas britânicas se reuniam para compartilhar suas identidades e experiências.
Este novo estudo contribui para a noção de que os envolvidos com Stonehenge estavam longe de ser estáticos e isolacionistas, diz Vincent Gaffney, arqueólogo da Universidade de Bradford, na Inglaterra, que não participou da pesquisa. Segundo ele, esses antigos bretões, viviam em “uma sociedade que não era monolítica, que não era estacionária, mas sim flexível e interativa. Havia trocas de mercadorias e parece que havia trocas de pedaços substanciais de cultura material.”
Memórias gravadas em pedra
Os motivos pelos quais essas pedras azuis específicas foram arrastadas de Gales para Salisbury são menos claros. Mas monólitos do outro lado do mundo podem dar a resposta.
Na década de 1990, Parker Pearson trabalhou com um arqueólogo malgaxe estudando construções megalíticas em Madagascar, que ainda são feitas atualmente. As pedras, explicou seu colega, eram em homenagem aos ancestrais. Madeira apodrece. Rocha dura para sempre. Os blocos de pedra eram usados para representar os mortos e, essencialmente, manter suas memórias vivas para a eternidade.
O mesmo pode ser aplicado às pedras azuis migratórias do País de Gales. Elas foram montadas em Stonehenge e, como muitas “tumbas de passagem” construídas naquela época, foram dispostas para se alinhar com o movimento do sol — outra entidade eterna. Stonehenge, portanto, pode ter sido não apenas um ponto de encontro multicultural, mas também um monumento de recordação.
Podemos estar separados dessas pessoas por cinco mil anos, mas é fácil compreender seu desejo de imortalizar seus antecessores. Essas pedras azuis eram versões de três toneladas das pequenas lembranças — fotos, cartas, quinquilharias — de entes queridos falecidos.
E, assim como os britânicos antigos, se nós nos mudamos para uma casa nova, levamos esses preciosos totens conosco.
“Levamos aquilo que representa quem somos, por causa de quem são nossos ancestrais”, diz Parker Pearson.