Sobreviventes relembram terror do primeiro tornado de categoria F5

Já se passaram 51 anos desde a última vez em que um tornado de categoria F5 — a mais avassaladora deles — atingiu uma grande cidade dos Estados Unidos. Lubbock, no estado do Texas, ainda carrega as cicatrizes.

Por Bill Newcott
Publicado 18 de mai. de 2021, 17:00 BRT
lubbock tornado damage 1970

Dois tornados atingiram a cidade de Lubbock, no Texas, em 11 de maio de 1970. O segundo — um tornado gigante de categoria F5 — destruiu milhares de casas, devastou o centro comercial da cidade e matou 26 pessoas.

Foto de Photograph, via Lubbock Avalanche-Journal, USA Today

O vento constante da planície parou repentinamente, deixando o ar da noite em Lubbock, no estado do Texas, quente e pesado. Nuvens inacreditavelmente escuras pairavam baixas no céu.  

Parada no quintal, do lado de fora do trailer de sua família, Cindy Keele, de 12 anos, viu a preocupação estampada no rosto de sua avó. 

“Entre e coloque um calçado”, disse a avó de Keele com firmeza. “Precisamos ir para o abrigo de tempestades.”  

A garota correu para dentro. Assim que a porta de tela se fechou, a chuva de granizo começou a atingir o telhado. Por causa do barulho, Keele gritou para a mãe, que falava ao telefone com o marido, que estava em Oklahoma.  

“Vovó disse para irmos para o abrigo de tempestades!”, a garotinha gritou. A mãe dela ignorou. Tempestades de granizo são comuns no oeste do Texas.  

Então, uma pedra de granizo do tamanho de uma bola de softball quebrou a janela da cozinha. Outra pedra abriu um buraco no teto. Outras três atravessaram a parede dos fundos da casa.  

E logo veio o som: o rugido inconfundível e ensurdecedor de um tornado se aproximando. 

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    Lubbock tornado memorial

    Postes de luz retorcidos no Memorial do Tornado de Lubbock evocam os dois tornados que devastaram partes da cidade. Duas paredes de granito preto polido com quase sete metros de altura passam por um mapa da cidade que traça a trajetória percorrida pelos redemoinhos.

    Foto de Bill Newcott

    “Dizem que um tornado faz o mesmo barulho de um trem de carga”, Keele me conta, com a voz vacilante, 51 anos depois. “Mas eu discordo. Parece mil trens de carga. É um som que uma pessoa nunca esquece, mas não consegue descrever.” 

    O dia 11 de maio de 2021 marcou os 51 anos da ocorrência do tornado de Lubbock, em 1970, a primeira tempestade desse tipo classificada na categoria F5 — com ventos de pelo menos 320 quilômetros por hora, a maior intensidade possível na escala Fujita, que era nova naquela época. Até os dias atuais, ele continua sendo o último tornado de categoria F5 a arrasar o centro comercial de uma grande cidade norte-americana.   

    Cinco décadas depois, Lubbock ainda carrega as cicatrizes da tempestade que dilacerou um pedaço de 2,4 quilômetros em seu coração. O centro da cidade de Lubbock — onde 80% de todas as estruturas de vidro foram estilhaçadas, e ventos de 354 quilômetros por hora entortaram em 30 centímetros o edifício da empresa Great Plains Life, que tinha mais de 82 metros de altura — ainda se esforça bravamente para se reinventar como um centro com hotéis, restaurantes e artes.

    No terreno que foi devastado anos atrás, surgiu um novo e reluzente complexo de teatros, no valor de US$ 158 milhões. Além disso, na principal estrada de acesso à cidade, trabalhadores dão os retoques finais em um memorial em homenagem às vítimas do tornado, com custo de US$ 4,7 milhões, simultaneamente sombrio e esplêndido, com um ano de atraso devido à covid-19, mas um lembrete oportuno da natureza comunal dos desastres — e das recuperações que vêm depois.

    “Tudo simplesmente sumiu”

    Gritando com o marido por cima do barulho das pedras de granizo, a mãe de Cindy Keele de repente concordou com a filha. “Temos que ir para o abrigo!” ela exclamou antes de desligar. Mas colocar a si mesma, seus três filhos e sua mãe em segurança não era uma tarefa fácil — o abrigo ficava do outro lado do estacionamento de trailers. Se ela não soubesse dirigir, não teria conseguido.   

    Os cinco correram para o carro da família, esquivando-se dos destroços.  

    “Minha mãe tinha apenas 1,47 metro de altura, mas subitamente ganhou uma força sobre-humana”, conta Keele. “Ela jogou minha irmã de 4 anos no banco de trás. Depois ela voltou para casa e buscou meu irmão de 9 anos. Quando ela chegou no carro, ele simplesmente começou a voar. Minha mãe o agarrou pelas pernas, como se ele fosse uma pipa, e puxou-o de volta para baixo.” 

    Finalmente, todos estavam no carro.  

    “Minha bolsa!” A avó de Keele falou sem pensar. “Minha bolsa ainda está lá!”

    Com a impulsividade que apenas uma garota de 12 anos poderia ter, Keele saiu do carro e correu para dentro da casa. Ela pegou a bolsa e correu de volta para o turbilhão. Ela quase conseguiu. 

    “Enquanto eu corria até o carro”, ela conta, “fui atingida na nuca por uma pedra de granizo enorme. Disseram que era do tamanho de uma bola de futebol.” 

    A garota não se lembra direito dos minutos seguintes. Ela se recorda de estar deitada no banco de trás do carro e ver formas pretas passando pelas janelas. Os sons da chuva de granizo e do vento uivante se misturaram, formando uma trilha sonora surreal e assustadora.  

    A próxima memória clara que ela tem é de estar dentro do abrigo, um grande espaço subterrâneo, feito de concreto, que o proprietário do estacionamento de trailers havia construído recentemente.  

    “Acho que éramos 60 pessoas lá, além de cães e gatos”, relembra Keele. “O som do lado de fora era ensurdecedor. E então, de repente, tudo ficou quieto.” 

    Por um momento, parecia que a tempestade havia passado.   

    “Espere”, uma voz masculina alertou. E então o mundo veio abaixo novamente. 

    “A porta do abrigo era de metal, soldada em uma estrutura de metal”, lembra Keele. “Ela estava presa com firmeza, com duas travas deslizantes grandes, nas partes superior e inferior. Mas, mesmo assim, parecia que a sucção do tornado iria arrancá-la.  

    “Os homens nos pediram para ficar na parte de trás do abrigo, e oito deles puxaram uma corrente amarrada na porta, fazendo um esforço para evitar que ela se abrisse. Minha mãe gritava: ‘alguém vai ser sugado!’ Mas eram homens desafiadores. Eles resistiram. Estavam determinados a salvar suas famílias.”  

    Depois do que pareceu ser uma eternidade de caos estrondoso e agitado, tão repentinamente quanto havia começado, o tumulto lá fora parou. Com muito cuidado, o grupo emergiu do subsolo.  

    “Tudo simplesmente... sumiu”, conta Keele, o pavor terrível do momento transparecendo em sua voz. “Eu diria que a temperatura tinha caído 4,5 graus. Chovia forte e caíam raios. As casas sumiram. Os carros sumiram. Casas estavam de cabeça para baixo em cima do que restava de outras casas.  

    “Minha mãe começou a correr para a nossa rua. Um homem tentou impedi-la — ele tinha acabado de voltar de lá e sabia o que ela iria encontrar.”

    E o que ela encontrou foi — nada. 

    “No lugar onde era nossa casa, havia pedaços de casa lá, mas não pedaços da nossa casa. Acho que ela nunca foi encontrada. 

     “Eu nunca tinha visto minha mãe chorar”, relembra Keele, com delicadeza. “Mas ela estava de joelhos. Ficou arrasada naquela noite.” 

     Mais cedo, na mesma noite, outro tornado havia varrido a extremidade sudeste de Lubbock, mas sem causar grandes danos. A nuvem em funil do tornado de categoria F5 se formou perto do campus em expansão da atual Universidade de Tecnologia do Texas, destruindo seu estádio histórico. Ele devastou o centro da cidade, o estacionamento de trailers onde Cindy Keele morava, praticamente destruiu o bairro histórico de Guadalupe e, por fim, atingiu o aeroporto, destroçando 119 aeronaves. Um tanque de fertilizantes de quase 12 toneladas foi arremessado a uma altura de cerca de 1,5 quilômetro.

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      Ao todo, 8,8 mil domicílios foram danificados ou destruídos. Cerca de 26 pessoas morreram e 1,5 mil ficaram feridas.

      Longo caminho até a recuperação

      Houve tornados mais mortais do que o de Lubbock, mas a trajetória que a tempestade percorreu na cidade de 150 mil habitantes o transformou em um dos tornados mais estudados de todos os tempos. Ted Fujita, da Universidade de Chicago, precursor dos estudos sobre tornados, fez medições intensivas em campo que levaram ao aperfeiçoamento da revolucionária escala F. E um jovem professor de engenharia civil da Universidade de Tecnologia do Texas chamado Kishor Mehta, junto com alguns colegas, também começaram a analisar os danos, tentando aprender mais sobre tempestades de vento e seu poder.  

      “Não se sabia muito sobre tornados em 1970”, afirma Mehta, que ainda é professor na universidade. “Mas percebemos que, ao estudar os diferentes tipos de danos sofridos pela grande variedade de edifícios atingidos, poderíamos aprender muito.” 

      O trabalho deles levou à criação do Instituto Nacional do Vento da universidade, que atualmente está entre os centros de estudos eólicos mais importantes do mundo. Pesquisas feitas pelo instituto deram origem a projetos de última geração de edifícios resistentes ao vento. Mehta também dirigiu a equipe que desenvolveu a escala Fujita Melhorada, adotada em 2005, uma medida ainda mais precisa da força dos tornados.  

      “Tudo isso surgiu a partir do tornado que atingiu Lubbock em 1970”, ele afirma.  

       Após 51 anos, um memorial em homenagem às vítimas do tornado de Lubbock está sendo erguido no extremo norte da cidade. As duas paredes ondulantes de cerca de sete metros de altura, feitas com granito preto polido, são ao mesmo tempo supreendentemente belas e sombriamente ameaçadoras, assim como os redemoinhos calamitosos que elas representam.  

      Estendendo-se em rotas quase paralelas por uma extensão de mais de 1,6 hectare de terra, as paredes abrem caminho a nordeste, algumas centenas de metros através de um mapa de Lubbock. Com uma aleatoriedade terrível, elas traçam as rotas de devastação dos dois tornados.

      Há uma determinação teimosa, ao estilo do Texas, no esforço feito há cinco décadas para que Lubbock se recupere do desastre de 1970. No momento em que a cidade se empenhava para revitalizar seu centro após a tempestade, o surgimento de shopping centers em bairros distantes começou a abalar até mesmo os prósperos distritos comerciais centrais. Lubbock nunca teve chance. Agora, o centro de Lubbock se concentra em hotéis butique, um centro de artes em expansão e restaurantes gourmet, como The Nicolett — inaugurado recentemente em uma casa centenária pelo chef Finn Walter, nativo do oeste do Texas, que voltou de temporadas no Vale de Napa e Paris para introduzir o que ele chama de “Culinária da Planície”. 

      O caminho anteriormente nivelado do tornado agora está  coroado pelo recém-inaugurado Centro de Artes Buddy Holly, projetado pelo mesmo arquiteto que há pouco tempo criou a primeira grande casa de ópera da Rússia em 100 anos. O nome do complexo é uma homenagem a Buddy Holly, o pioneiro do rock ’n roll, nascido em Lubbock na década de 1950 e morto em um acidente de avião aos 22 anos. Como se quisesse combinar as duas perdas mais dolorosas da cidade, o logotipo do centro de artes, as letras “BH” escritas de forma estilizada, lembram uma nuvem em forma de funil rodopiante.   

      Da mesma forma, subindo pelo saguão da sala de concertos há uma escada de quatro lances, branca e em formato helicoidal, um eco sinuoso e surpreendentemente belo do horror que uma vez causou estragos naquele mesmo local.   

      “Eu estava aqui, na galeria, com o arquiteto antes da inauguração”, disse Tim Collins, presidente da associação sem fins lucrativos de Artes e Entretenimento de Lubbock. “Perguntei a ele por que havia lágrimas em seus olhos. 

      “Ele apontou para as escadas e disse: ‘Eu tinha certeza de que seria a primeira coisa a sair do orçamento.’” 

      Mas, às vezes, a melhor maneira de processar uma memória sombria é confrontando-a. Cindy Keele descobriu isso depois que seus pais a colocaram na terapia após o tornado. Na verdade, desde 1970, toda a sua vida parece ser uma saga de confrontamento com demônios relacionados ao tornado: ela se matriculou em aulas de meteorologia na Universidade de Tecnologia do Texas. Em seguida, passou cerca de cinco anos sendo caçadora de tempestades. Por fim, conseguiu um cargo administrativo no Instituto Nacional do Vento.  

      Ela me explica que é mais saudável perseguir tornados do que se sentir perseguida por eles.  

      Ao nos despedirmos, não posso deixar de trazer à tona um fato que assombrou minha infância: o tornado muito falso, mas mesmo assim assustador, de O Mágico de Oz. Certamente, eu sugiro, a transmissão anual daquele clássico de 1939 deve fazê-la sentir calafrios. 

      “É engraçado”, ela diz, “acho que me assustava mais com o tornado de O Mágico de Oz antes de 1970.” 

      É uma reviravolta final no tornado que quase arrasou Lubbock. 

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