Megasseca do passado cria drama no presente

Estamos vivendo na era Meghalaya. Mas houve uma grande discussão científica sobre o que marcou o início deste novo período geológico.

Por Erin Blakemore
Publicado 3 de out. de 2018, 15:20 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um monumento funerário do Primeiro Período Intermediário do Egito, ca. 2050 a.C.. Alguns pesquisadores acreditam que ...
Um monumento funerário do Primeiro Período Intermediário do Egito, ca. 2050 a.C.. Alguns pesquisadores acreditam que uma megasseca que ocorreu há 4,2 mil anos causou o colapso do Antigo Império, inaugurando o Primeiro Período Intermediário.
Photography by Prisma, Universal Images Group, Getty

Há cerca de 4,2 mil anos, uma seca catastrófica em todo o mundo causou o colapso das sociedades em todo o mundo. Essa é uma teoria arqueológica ligada a mais nova divisão do tempo geológico, apelidada de Idade Meghalayana.

Mas novo artigo da revista Science, escrito por Guy Middleton, pesquisador sênior do Instituto Tcheco de Egiptologia da Universidade Charles, joga água fria no conceito. De acordo com Middleton, a nova era não é tudo o que dizem ser. Veja o que você precisa saber.

O que é a Era Meghalaya?

Se o nome lhe parecer estranho, não é surpresa: a era só foi definida recentemente. A unidade mais nova da escala de tempo geológico foi adotada no início deste ano pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS), um subcomitê da União Internacional de Ciências Geográficas que se concentra na definição da escala de tempo geológico. Com a decisão, o ICS dividiu a atual era geológica, que começou há cerca de 11.650 anos - o Holoceno -, em três partes. A Era Meghalaya é a mais nova fatia dessa escala de tempo, que vai de 4,2 mil anos atrás até os dias atuais.

A escala de tempo geológica é refletida em camadas de rocha, ou estratos geológicos. Após anos de debate, os geólogos adotaram a era Meghalaya com base em evidências de um evento climático ocorrido há 4,2 mil anos. A melhor evidência do evento - uma megasseca global súbita (com duração de duas décadas ou mais) - pode ser encontrada em assinaturas químicas em uma estalagmite de uma caverna no estado indiano de Meghalaya: daí o nome.

Como a megasseca afetou os humanos?

“A seca afetou significativamente civilizações em todo o mundo”, diz o arqueólogo Harvey Weiss, professor de civilizações do Oriente Próximo no departamento de antropologia da Universidade de Yale e autor do documento do ICS de 2012 que inicialmente propôs o estabelecimento da Era Meghalaya. “A megasseca teve profundos efeitos sociais”, diz Weiss. Cidades e vilas foram abandonadas e as pessoas deixaram as áreas urbanas em busca de áreas rurais.

Algumas das civilizações que Weiss diz terem sido severamente afetadas pela megasseca incluem o Antigo Império do Egito e o Império Acádio na Mesopotâmia - ambos entraram em colapso - bem como o Vale do Indo do atual Paquistão e Índia, onde grandes cidades como Mohenjo Daro e Harappa foram abandonadas por volta dessa época.

Como isso causou um efeito tão grande?

Middleton não pensa assim. Em sua leitura das evidências arqueológicas, os colapsos sociais ocorreram em momentos distintos. Isso anularia a hipótese de um único evento climático global causando essas mudanças. “Eu não acho que tenhamos uma imagem regional real”, diz ele.

“No Egito, o ‘colapso’ do Antigo Império se deu por conta de uma lenta fragmentação do poder centralizado”, escreve Middleton em seu artigo na Science. “No Vale do Indo”, afirma ele, “a sociedade afastou-se dos centros urbanos, mas isso levou um longo período de tempo”.

“A ideia de que o colapso de uma sociedade pode ser atribuído a uma simples razão ignora a influência das pessoas”, diz ele. Middleton sequer gosta do termo. “'Colapso' é um termo que pode confundir as pessoas", explica ele. “As coisas geralmente não são tão simples quanto uma mudança climática vá gerar um colapso”. De acordo com Middleton, “As sociedades se reorganizaram”.

Middleton também lança dúvidas sobre as datas invocadas pelo grupo de trabalho, observando que sociedades como o Império acadiano, cuja capital nunca foi localizada, não podem ser precisamente datadas e, portanto, podem ter ocorrido durante a própria seca.

Mas no que concordam os pesquisadores?

O único ponto de concordância entre Weiss e Middleton parece ser a resiliência que faz com que os humanos se reagrupem - quer o façam em resposta a um colapso social ou não. Para Weiss, os colapsos da sociedade foram acompanhados por uma disputa para fugir da seca e buscar a reinvenção. E o que Middleton vê como reorganizações sociais, e não colapsos, foram impulsionadas pela resiliência humana, e não pelo “antigo apocalipse”.

Ambos insistem que seus pontos de vista são amplamente aceitos. “Os editores da revista Science, estranhamente, acham que isso é uma 'controvérsia científica'”, diz Weiss.

“Até onde eu sei”, diz Middleton, “meus pontos de vista não são nem um pouco controversos.”

Por que a megasseca foi escolhida para marcar o início da Era Meghalayan?

Eric Cline, arqueólogo da Universidade George Washington, faz a mesma pergunta. “Por que essa megasseca?”. “Temos outras megassecas”. Ele aponta para outra grande seca que ocorreu em 1200 a.C., levando ao colapso das civilizações do final da Idade do Bronze em todo o Egito, no mar Egeu e no Oriente Próximo. Por que não escolher essa seca? Seus questionamentos são repetidos por Middleton. “Qual é o sentido disso?”, Pergunta ele.

Mas quando o ICS fez seu anúncio este ano, sua resposta foi clara: os pesquisadores acreditavam que a mega seca teve um impacto significativo nas sociedades em todo o mundo. Ao menos foi isso que eles disseram em um comunicado enviado à imprensa que definiu a divisão e declarou que a era Meghalaya foi definida pelo “colapso das civilizações em todo o mundo”. “O anúncio foi feito com base em geologia e arqueologia”, disseram representantes do ICS.

Como o Comitê Internacional para Estratigrafia responde a esses questionamentos?

Agora, no entanto, eles mudaram o tom.

“Nós emitimos um comunicado à imprensa impreciso que deu às pessoas a impressão de que a divisão do Holoceno estava condicionada a eventos arqueológicos”, diz Philip Gibbard, secretário-geral do grupo. “Esse não é o caso e nunca foi”.

Gibbard, que diz ter tomado providências para corrigir a nota, diz que a Era Meghalaya não tem nada a ver com arqueologia. “As divisões do Holoceno são baseadas em eventos puramente climáticos”, diz ele. “Se houver uma correspondência arqueológica ao evento, isso só dá mais força ao que fizemos. É uma questão secundária, no que nos diz respeito. Nós não somos arqueólogos, sabe”.

Bem, mais ou menos. Pelo menos dois arqueólogos, incluindo Weiss, faziam parte do grupo de trabalho do ICS encarregado da subdivisão. Em 2012, o grupo publicou um artigo no Journal of Quaternary Science. Ele usa evidências arqueológicas, incluindo “agitação cultural no norte da África, no Oriente Médio e na Ásia”, em parte para justificar a divisão.

“O fato de [a mega seca] se manifestar em uma série de registros geomorfológicos, estratigráficos e arqueológicos de muitas partes do mundo significa que ela constitui um marcador temporal apropriado”, escreveu a equipe.

A imprecisão do comunicado de imprensa muda a perspectiva de Middleton? “O que eles estão tentando fazer é minar o propósito do meu artigo ao fazer uma retratação do anúncio público deles”, afirma Middleton. E não importa o que seja decidido pelo ICS, ele acrescenta: “Eu mantenho a minha convicção de que esse colapso global realmente não aconteceu”.

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