China legaliza chifres de rinocerontes e ossos de tigres para fins medicinais

Os materiais não possuem valor medicinal comprovado para humanos e conservacionistas consideram essa medida um grande retrocesso para as populações selvagens.

Por Dina Fine Maron
Publicado 3 de nov. de 2018, 08:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A utilização de chifres de rinocerontes e ossos de tigres na medicina tradicional chinesa ameaça esses ...
A utilização de chifres de rinocerontes e ossos de tigres na medicina tradicional chinesa ameaça esses animais em risco de extinção, dizem especialistas.
Foto de Frans Lanting, Nat Geo Image Collection

Na China, chifres de rinocerontes e ossos de tigres agora podem ser utilizados legalmente em pesquisas médicas ou na medicina tradicional, após uma controversa declaração do governo feita na última terça-feira (31/10). De acordo com a declaração, os espécimes animais podem ser adquiridos apenas em fazendas, mas conservacionistas afirmam que essa surpreendente medida pode abrir as portas para uma onda de atividades ilegais e ameaçar populações vulneráveis de animais.

Essa medida é “muito preocupante,” conta Leigh Henry, diretora da política de vida selvagem da organização WWF (World Wildlife Fund). Distinguir quais animais foram adquiridos legalmente nas fazendas em vez de ilegalmente, na natureza, será imensamente difícil. Portanto, essa decisão poderá dar cobertura aos traficantes, diz ela.

Rinocerontes e tigres estão em risco de extinção na natureza e seu comércio é proibido. “A WWF pede, com urgência, que a China mantenha a proibição do comércio de ossos de tigres e chifres de rinocerontes, um fator crítico para a conservação dessas espécies icônicas. A proibição deveria ser ampliada para impedir o comércio de todas as partes e produtos provenientes de tigres”, declara.

A ação da China vai de encontro à medida do país de combater a caça ilegal nesses últimos anos. O país teve uma proibição de 25 anos em vigor para proibir a importação ou exportação desses produtos. E a Federação Mundial das Sociedades de Medicina Chinesa — grupo oficial que regulamenta o que pode ser utilizado na medicina tradicional — também removeu chifres de rinocerontes e ossos de tigres de sua lista de produtos aprovados para uso em pacientes (embora ainda exista mercado para esses itens).

Há menos de quatro mil tigres na natureza, enquanto a quantidade em cativeiro na Ásia chega ...
Há menos de quatro mil tigres na natureza, enquanto a quantidade em cativeiro na Ásia chega a mais de oito mil. Investigações mostram que muitos desses estabelecimentos criam e abatem tigres para o comércio ilegal.
Foto de Dario Pignatelli, Getty

Há dois anos, a China também declarou que encerraria seu mercado doméstico de marfim até o final de 2017 e foi muito elogiada por isso. Os grupos de conservação defenderam a ação como uma medida necessária para reduzir a demanda de marfim e diminuir a caça ilegal de elefantes africanos.

Debbie Banks, Chefe da Campanha de Tigres na Agência de Investigação Ambiental, uma organização sem fins lucrativos com sedes em Londres e Washington, D.C., afirma que a declaração de hoje derruba a posição da China com relação à proteção da vida selvagem. “A reputação adquirida pela China como líder de conservação após a proibição nacional de venda de marfim foi, agora, arruinada,” ela explica por e-mail. “Essa notícia”, diz ela, “compromete seriamente a futura sobrevivência de tigres na natureza ao incentivar a procura por partes de seus corpos em vez de eliminar essa demanda”. acrescentando que isso também coloca os rinocerontes em risco nos países do continente africano e asiático onde vivem. “Essa notícia demonstra uma assombrosa desconsideração pela opinião mundial”.

O motivo pelo qual a China adotou essa atitude não está claro. Oficiais chineses não responderam imediatamente aos pedidos de comentários. Mas o número crescente de fazendas de tigres na China e as tentativas de criação de rinocerontes podem ser um fator importante, dizem grupos de ambientalistas. “Faz muito tempo que estamos preocupados com as fazendas de tigres na China e o número crescente de fazendas de criação no país”, conta Henry. “É incrivelmente caro alimentar e cuidar de tigres em cativeiro, então, à medida que esses números aumentaram, também aumentou a pressão sobre o governo chinês para permitir o comércio regulamentado de produtos derivados de tigres. A decisão da China é algo que muitos de nós temíamos há mais de uma década”.

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    Em 2013, a Agência de Investigação Ambiental relatou que milhares de tigres estavam sendo mantidos em centenas de fazendas em todo o país. Além disso, a China também começou, supostamente, a importar rinocerontes para possível criação.

    Susan Lieberman, vice-presidente de política internacional na Wildlife Conservation Society, uma organização sem fins lucrativos de Nova York que atua na conservação global, também acredita que o número crescente de tigres de criação pode ser um fator importante por trás da decisão da China. A nova legalização para o uso de ossos de tigres e chifres de rinocerontes será uma grande vitória para os traficantes, diz ela. “É óbvio que eles queiram um mercado legal para servir de fachada,” conta. Sem exames de DNA desses produtos, não tem como saber se eles provêm de uma fazenda de criação ou da natureza.

    O chifre de rinoceronte é feito de queratina—uma proteína encontrada nas unhas e nos cabelos—e dizem, falsamente, que o produto ajuda a tratar de tudo, desde câncer até gota, quando consumido na forma de pó. Não há benefícios médicos comprovados para humanos de nenhum desses dois produtos. Poucas evidências foram utilizadas alegando que o chifre de rinoceronte pode, de alguma forma, ajudar a baixar a febre, pelo menos em roedores.

    Certamente, remédios mais baratos e prontamente disponíveis, como acetaminofeno ou aspirina, são muito mais eficazes, diz Lieberman. Dizem que ossos de tigre triturados e transformados em uma pasta podem ser utilizados para tratar diversas doenças, inclusive reumatismo e dores nas costas. Contudo Lieberman afirma: “Não conheço evidências sobre isso”.

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