Prospecção de petróleo pode começar em refúgio ambiental no Alasca em breve

O governo federal deve permitir que um comboio de “caminhões-pipa” gigantesco cruze a planície costeira do Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico.

Por Joel K. Bourne, Jr.
Publicado 26 de dez. de 2018, 20:45 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A planície costeira do Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca, abriga o caribu ...
A planície costeira do Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca, abriga o caribu na primavera e no verão, e a criação de tocas de ursos polares no inverno. Ela pode também esconder bilhões de barris de petróleo.
Foto de Florian Schulz

Ursos polares são os maiores carnívoros terrestres da Terra. Três metros do focinho à cauda, pesando até 590 quilos, eles têm reflexos de cobra, dez foices como garras e podem correr no gelo quase tão rápido quanto Usain Bolt em uma pista. Em seu reino escuro e nevado, eles são os reis da vida selvagem do Ártico.

Mas eles não podem competir com um Inova AHV-IV Commander – um caminhão-pipa de 40 mil quilos e 500 cavalos de potência que pode invadir o seu habitat no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico (ANWR) ainda neste mês de dezembro.

Um urso polar e seus filhotes exploram uma parte da terra que se projeta no Mar de Beaufort, esperando que a água congele o suficiente para que possam caçar focas –sua principal fonte de alimento. A perda de gelo do mar causada por um aquecimento climático rápido forçou os ursos polares a buscarem migalhas em terra e reduziu a população do Sul de Beaufort em 40%.
Foto de Florian Schulz, Nat Geo Image Collection

Se o Escritório de Gestão de Terras (BLM) aprovar o pedido de permissão feito pela SAExploration em julho, duas dúzias dos enormes veículos de 9 metros podem lentamente começar a cruzar as planícies costeiras por agora, emitindo vibrações poderosas de baixa frequência para o chão e registrando o reflexo das camadas profundas de rocha – tudo na esperança de encontrar ouro negro. O Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) estima que a área possa conter mais de dez bilhões de barris de óleo recuperável.

Os caminhões serão acompanhados por mais de 150 veículos de suporte, incluindo acomodações para 300 pessoas, tanques de combustível, tratores, escavadeiras – um exército de equipamentos pesados atravessando a frágil tundra. A prospecção sísmica tem que acontecer no inverno, quando a tundra está congelada, para os veículos não afundarem.

O problema é que no inverno no hemisfério norte é quando as fêmeas dos ursos polares vão à terra para cavar tocas profundas na neve para dar luz aos seus filhotes.

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    O campo de petróleo de Prudhoe Bay, a oeste do refúgio do Ártico, mostra como é a produção de petróleo na encosta Norte do Alasca. É o maior campo de petróleo da América do Norte, cobrindo 86.417 hectares e originalmente contendo aproximadamente 25 bilhões de barris de petróleo. O Brooks Range está no horizonte.
    Foto de Florian Schulz

    A pressão para perfurar

    A pesquisa é o próximo passo da pressão controversa do governo Trump para arrendar rapidamente grandes áreas de terras federais na encosta Norte do Alasca, ricas em petróleo e gás, em águas ao largo da costa. Em dezembro passado, o governo realizou a maior operação de arrendamento de todos os tempos na Reserva Nacional de Petróleo do Alasca (NPRA). No início deste mês, aprovou o Liberty Project, que envolve a construção de uma ilha de cascalho artificial a cerca de seis milhas da costa para apoiar a primeira instalação de produção de petróleo e gás em águas federais no Alasca.

    A planície costeira do Refúgio Ártico cobre cerca de 600 mil hectares de tundra plana e ondulada entre o Mar Chukchi e o sopé da Cordilheira Brooks. A área foi designada pelo Congresso para um possível desenvolvimento futuro de petróleo na seção 1002 do Ato de Conservação de Terras de Interesse Nacional do Alasca de 1980 (ANILCA), que expandiu o refúgio.

    Depois de décadas de batalhas no Congresso, os defensores da perfuração, liderados pela senadora Lisa Murkowsi (R-AK) do Alasca, finalmente conseguiram acesso ao refúgio, incluindo uma cláusula de perfuração na lei de corte de impostos do ano passado.

    Ela exigia duas operações de arrendamento na ANWR, de não menos que 160 mil hectares cada, na próxima década. A pesquisa sísmica é um prelúdio e um atrativo para as companhias de petróleo. Seus resultados devem indicar quais regiões são os lugares mais promissores para arrendar e perfurar poços exploratórios.

    Na primavera, o caribu migra para a planície costeira do refúgio do Ártico. Lá eles passam semanas pastando na tundra, dando à luz e fugindo de mosquitos e predadores - incluindo caçadores nativos do Alasca, para os quais os caribus são um recurso crucial.
    Foto de Florian Schulz, Nat Geo Image Collection

    Duas empresas Inupiat que possuem 37 mil hectares dentro da planície costeira - a Arctic Slope Regional Corporation e a Kaktovik Inupiat Corporation – firmaram parceria para a pesquisa sísmica, na esperança de que ela inspire o desenvolvimento do petróleo que tornará suas próprias propriedades mais valiosas.

    Mas a planície costeira também é um ponto de encontro para a vida selvagem que o refúgio foi criado para proteger. É o local de nascimento do rebanho de porcos caribu na primavera e no verão – do qual depende a tribo de Gwich'in – e o local de reprodução de centenas de milhares de aves migratórias.

    E no inverno, torna-se o habitat crítico para a população de ursos polares do Mar do Sul de Beaufort, que diminuiu em mais de 40% na última década, para aproximadamente 900 animais. Os ursos são protegidos pela Lei de Espécies Ameaçadas de 2008.

    A ameaça aos ursos

    Biólogos do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, a agência que administra o refúgio, emitiram uma crítica severa à pesquisa proposta neste verão, obtida pelo Washington Post. Eles citaram preocupações com ursos polares, caribus e aves aquáticas migratórias.


    “A pesquisa representa uma ameaça direta aos ursos polares”, diz Steven Amstrup, cientista-chefe da Polar Bears International e ex-chefe de pesquisa de ursos polares do Serviço Geológico dos Estados Unidos. Amstrup calcula uma probabilidade de 25% de uma ou mais tocas serem esmagadas por um veículo durante a pesquisa.

    Os filhotes de urso polar, segundo ele, estão em maior risco, porque seriam menos capazes de escapar de um veículo que se aproxima ou de sobreviver à longa exposição às temperaturas de inverno fora de uma toca esmagada.

    A SAExploration propôs o uso de câmeras de infravermelho voltadas para a frente (FLIR) colocadas em caminhões e aviões para localizar tocas de ursos antes da pesquisa e manter todo o equipamento a uma milha de distância de qualquer toca. Mas Amstrup, que ajudou a desenvolver a técnica FLIR para detecção de tocas, diz que a técnica pode deixar de localizar até metade das tocas ocupadas.

    SAExploration não respondeu a vários pedidos de comentários.

    No rápido aquecimento do Ártico, observa Amstrup, o gelo do mar está ficando mais fino e menos estável, forçando cada vez mais ursos a fazer suas tocas na terra. "É realmente um golpe duplo para os ursos", diz Amstrup. "A mudança climática está tornando menos adequado para eles fazerem tocas no gelo, e as atividades em terra podem dificultar as tocas na terra."

    Ainda com cicatrizes

    Os caminhões já cruzaram a planície costeira antes, nos invernos de 1984 e 1985. Apesar de passar sobre uma camada protetora de neve e gelo, os veículos pesados ​​deixaram uma trilha de 4 mil quilômetros na frágil tundra. De acordo com um estudo do U.S. Fish and Wildlife, cinco por cento dessas trilhas, ou 200 quilômetros, ainda eram cicatrizes visíveis na paisagem 25 anos depois.

    A pesquisa proposta pelo SAExploration é muito mais intensiva, cobrindo mais de 46 mil quilômetros – 31.440 quilômetros cobertas pela fila de caminhões, que viajam um atrás do outro, e 15.720 quilômetros percorridos por veículos definindo e recuperando os “geofones”, que escutam o reflexo das vibrações. Se o estudo do USFWS for um indicador, a nova pesquisa deixará quase 2.400 quilômetros de tundra permanentemente marcada por cicatrizes.


    A recompensa das companhias petrolíferas pode ser enorme, diz Kenneth Bird, um geólogo aposentado da USGS que estudou o refúgio durante anos e agora leciona em Stanford. Ele diz que a parte ocidental da planície costeira do refúgio provavelmente conterá armadilhas estratigráficas semelhantes às recentemente descobertas por uma pesquisa sísmica na Reserva Nacional de Petróleo do Alasca. Uma dessas descobertas, o depósito Horshoe/Pikka, contém cerca de 1,2 bilhão de barris de petróleo.

    "Estes são acúmulos surpreendentemente grandes que estavam na frente dos nossos olhos há muito tempo", diz Bird. "Eles foram descobertos recentemente em armadilhas estratigráficas - exatamente como aquelas que estão procurando no refúgio".

    "Tenho certeza que eles encontrarão alguma coisa", acrescenta ele. "Se será grande o suficiente para justificar o desenvolvimento, não sei."

    “Nenhum impacto significativo”


    Antes de emitir uma licença para a SAE, a BLM deve, por lei, completar uma avaliação ambiental oficial para determinar se a pesquisa sísmica tem o potencial de causar efeitos ambientais significativos. Se a resposta for não, a agência pode dispensar a declaração de impacto ambiental muito mais onerosa e demorada. Em vez disso, pode simplesmente emitir uma “descoberta de nenhum impacto significativo” - e, em seguida, iniciar o projeto.

    A BLM parece já ter decidido.

    "A avaliação ambiental e um esboço preliminar de impacto não significativo (FONSI) serão disponibilizados para consideração pública", disse Joe Balash, secretário-assistente do interior, em uma resposta por e-mail à National Geographic. Um ex-comissário do Departamento de Recursos Naturais do Alasca, Balash buscou por estudos sísmicos e arrendamentos de petróleo na ANWR por anos. Ele agora supervisiona a gestão de todos os minerais e a BLM em terras federais.

    "A BLM está trabalhando rapidamente para concluir o processamento do pedido de exploração sísmica", escreve Balash, "no entanto, não emitiremos uma licença até que toda a análise ambiental apropriada e necessária seja feita". Quando a decisão for tomada, o público terá 30 dias para comentar a ação proposta.

    Não surpreendentemente, os conservacionistas se opõem ao cronograma apressado e ao resultado aparentemente pré-determinado da avaliação ambiental da BLM.

    "A BLM não está cumprindo seu dever com o público", diz Bridget Psarianos, uma ex-advogada da BLM que trabalhou na Reserva Nacional de Petróleo, mas agora está com Trustees for Alaska, um escritório de advocacia sem fins lucrativos que representa grupos conservacionistas. "Eles não responderam a perguntas básicas sobre este projeto e estão dando declarações conflitantes. O Interior está tentando se apressar e tomar atalhos em cada passo do caminho."

    Para Amstrup, permitir que uma frota de caminhões entre no habitat mais denso de ursos na encosta norte colocaria a população ameaçada em um risco inaceitável.

    “É um refúgio. É um habitat crítico para a sobrevivência dos ursos. E a população está em declínio", diz Amstrup. "Isso parece ser uma consideração muito importante para qualquer tipo de atividade lá."

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