O norte magnético acabou de mudar — veja o que isso significa
Base de muitos sistemas de navegação, o Modelo Magnético Mundial finalmente recebeu uma atualização mais do que necessária.
O norte magnético nunca deixou de se movimentar. Nos últimos cem anos ou mais, a direção para a qual as nossas bússolas resolutamente apontam passou a ser mais para o norte, impulsionada pelo núcleo externo líquido da Terra a cerca de 2.896 quilômetros de profundidade. Recentemente, cientistas observaram algo incomum: A movimentação de sempre do norte magnético ganhou novo ritmo, agora em alta velocidade no hemisfério norte — e ninguém sabe explicar exatamente o motivo.
As alterações foram tão grandes que os cientistas começaram a trabalhar em uma atualização de emergência do Modelo Magnético Mundial, sistema que serve de base para a navegação, de celulares e navios a companhias aéreas. Mas, então, o governo dos EUA anunciou sua paralisação, colocando o lançamento oficial do modelo em espera, conforme relatado em primeira mão pela Nature News no início deste ano.
Agora, a espera por um novo norte acabou. A atualização do Modelo Magnético Mundial foi oficialmente lançada na segunda-feira (4/01), e o norte magnético pode novamente ser localizado com precisão por pessoas ao redor do mundo.
Porém muitas perguntas ainda estão no ar: Por que o norte magnético está mudando tão rápido? Quais são os impactos de um atraso na atualização? Há realmente uma justificativa geológica para o Google Maps ter me mandado para o lugar errado? Temos as respostas.
O que é o norte magnético?
O norte magnético é um dos três "polos norte" do globo terrestre. Primeiro, há o verdadeiro norte, que é a extremidade ao norte do eixo em torno do qual gira o nosso planeta.
Mas a bolha magnética que protege o nosso planeta, ou a magnetosfera, não está perfeitamente alinhada com essa rotação. Em vez disso, o dínamo do centro da Terra cria um campo magnético que é discretamente inclinado em relação ao eixo rotacional da Terra. A extremidade norte dessa barra de ímã de proporções gigantescas é conhecida como norte geomagnético — um ponto ao lado da costa noroeste da Groenlândia, cuja posição foi pouco alterada ao longo do último século.
Também há o norte magnético, localizado pelas nossas bússolas, que é definido como o ponto para o qual as linhas do campo magnético que envolvem o planeta verticalmente apontam. Diferentemente do norte geomagnético, essa posição é mais susceptível à movimentação do ferro líquido presente no centro da Terra. Essas correntes puxam o campo magnético, fazendo com o que norte magnético se movimente bastante pelo globo.
"O polo norte magnético é um local bem sensível", diz Phil Livermore, geofísico da Universidade de Leeds.
O que é o Modelo Magnético Mundial?
James Clark Ross localizou o norte magnético pela primeira vez no ano de 1831, nas difusas ilhas do território Nunavut canadense. Desde então, o polo avançou de forma significativa para o norte, atravessando centenas de quilômetros nas últimas décadas. (Curiosamente, seu polo oposto, o sul magnético, se moveu pouco durante esse período).
Para acompanhar todas essas alterações, a Agência Norte-Americana de Administração dos Oceanos e da Atmosfera (NOAA) e a British Geological Survey (BGS) desenvolveram o que ficou conhecido como o Modelo Magnético Mundial, "para que todos pudessem ter o mesmo mapa, basicamente", diz Ciaran Beggan, geofísico da BGS.
O modelo é atualizado a cada cinco anos, sendo que a última atualização havia ocorrido em 2015. Entre cada nova versão, os cientistas verificam a precisão do modelo com base em dados obtidos de observatórios magnéticos em terra e da missão Swarm da Agência Espacial Europeia—um trio de satélites que mapeiam o campo magnético e percorrem a órbita da Terra de 15 a 16 vezes por dia. Até agora, isso pareceu ser suficiente para acompanhar o deslocamento do norte magnético em direção à Sibéria.
Em meados da década de 1900, o polo norte magnético se movia menos de 30 metros por dia, totalizando menos de 11 quilômetros de diferença por ano. Mas na década de 1990, isso começou a mudar. No início dessa década, o norte magnético percorria cerca de 54 quilômetros por ano.
"Temos observado um comportamento estranho em alta latitude", diz Livermore, que nota que esse aumento parece ter coincidido com a existência de um jato mais intenso no núcleo externo líquido da Terra. Embora os eventos possam estar relacionados, não é possível afirmar com certeza.
No início de 2018, os cientistas perceberam que o modelo logo excederia os limites aceitáveis para a navegação magnética. Algo deveria ser feito antes da próxima atualização programada do modelo, prevista para 2020.
A paralisação do governo prejudicou a navegação?
Para corrigir o modelo, os cientistas da NOAA e BGS fizeram ajustes utilizando dados recentes coletados ao longo dos últimos três anos. Houve um pré-lançamento online da versão atualizada em outubro de 2018. Como Beggan explica, esse pré-lançamento incluiu os principais usuários do modelo no setor militar e de defesa—o Departamento de Defesa dos EUA, o Ministério da Defesa do Reino Unido e a Organização do Tratado do Atlântico Norte.
A paralisação do governo atrasou a divulgação das informações ao público em geral, o que inclui calculadoras online, softwares e uma nota técnica descrevendo as alterações. A princípio, todos que utilizam navegação magnética poderiam se beneficiar dessa atualização, afirmam Arnaud Chulliat, especialista em magnetismo geológico da Universidade do Colorado, em Boulder, e um afiliado da NOAA que trabalhou na atualização.
O modelo é encontrado em muitos de nossos modernos sistemas de mapeamento, incluindo os do Google e da Apple, conta Beggan. Mas a diferença é pequena para a maioria dos propósitos civis, e as alterações se limitam principalmente a latitudes acima de 55 graus.
"O usuário médio não será significantemente afetado pelas alterações, a menos que esteja explorando partes mais extremas do Ártico", afirma Beggan.
O que causou tudo isso?
O interesse nesses deslocamentos inesperados vai além da questão de mapeamento. A dança das linhas magnéticas da Terra representa uma das poucas oportunidades que os cientistas têm de analisar processos que ocorrem a milhares de quilômetros abaixo de nossos pés.
No encontro de outono da União Geofísica Norte-Americana de 2018, Livermore apresentou o que ele chama de "cabo de guerra" do campo magnético, que pode oferecer uma explicação para o estranho e recente comportamento. O polo norte magnético parece ser controlado por duas porções de campo magnético, explica ele, uma sob o norte do Canadá e outra sob a Sibéria. Historicamente, a porção sob o norte do Canadá parece ser mais forte, mantendo o polo magnético parado. Mas recentemente, isso parece ter mudado.
"A porção da Sibéria parece estar vencendo a batalha", ele observa. "Ela está puxando o campo magnético para o seu lado do polo geográfico".
Isso pode ter sido causado por um jato de líquido no núcleo da Terra, que enfraqueceu o campo magnético sob o Canadá, afirma ele. O aumento da velocidade do jato parece ter coincidido com o fato de o polo magnético ter se movido mais para o norte durante as últimas décadas. Mas ele pede cautela para evitar conclusões definitivas antecipadamente.
"Pode muito bem haver uma ligação nisso", afirma ele. "Não temos certeza, mas poderia haver".
O que acontecerá com o norte magnético agora?
É difícil prever o que irá acontecer com o polo norte magnético — ou se ele manterá a sua velocidade conforme se direciona à Sibéria, observa Robyn Fiori, cientista e pesquisadora do Ministério dos Recursos Naturais do Canadá. A única coisa que podemos afirmar sobre o norte magnético é a sua imprevisibilidade.
Rochas abrigam mapas geológicos que exibem movimentos ainda mais estranhos dos polos magnéticos, sugerindo que nos últimos 20 milhões de anos, o norte e sul magnético trocaram de lugar diversas vezes. Isso parece acontecer a cada 200 mil ou 300 mil anos, mais ou menos. As causas exatas dessas inversões continuam incertas. Porém não fique com medo de uma inversão iminente em vista dessas últimas movimentações.
"Não há nenhuma indicação de que haverá uma inversão", afirma Beggan. "E mesmo se houver uma inversão, os registros geológicos mostram que essas coisas normalmente levam milhares de anos para acontecer, pelo menos".
Modelos do norte magnético sugerem que essa última movimentação não seja nem mesmo a coisa mais estranha que o polo já fez recentemente, complementa Fiori. Antes de 1900, seus deslocamentos eram mais intensos e podem ter incluído diversas curvas acentuadas no norte do Canadá, que poderiam ter forçado o polo a um breve período mais ao sul.
"Tudo está relacionado a mudanças na movimentação do líquido presente no núcleo externo", afirma ela. Portanto, é difícil dizer se a nova velocidade do norte magnético é o novo padrão.
"Sabemos que agora o polo está se movendo mais rápido do que ele já se moveu por décadas, mas com que frequência isso ocorre no extenso registro histórico?" pergunta Geoff Reeves, cientista espacial do Los Alamos National Lab.
“Não temos ideia. Sabemos que o que ele está fazendo atualmente é diferente, e isso sempre é interessante e animador do ponto de vista científico".