Brasil reduz financiamento para cientistas – e o planeta pode sofrer as consequências

O presidente Jair Bolsonaro está cortando a verba para a pesquisa e a academia, colocando em risco os recursos naturais, como a Amazônia, dizem os críticos.

Por Shannon Sims
Publicado 22 de abr. de 2019, 11:20 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pesquisadores em São Paulo protestam contra os cortes.
Pesquisadores em São Paulo protestam contra os cortes.
Foto de Cris Faga, NurPhoto via Getty Images

Quando Jair Bolsonaro começou seu mandato, em janeiro, rapidamente iniciou a cumprir suas promessas de campanha de reverter as proteções à floresta amazônica e os direitos indígenas, priorizando a expansão da agricultura e dos interesses comerciais, desencadeando o alarme entre os conservacionistas. E, mais recentemente, ele vem promovendo profundos cortes nos programas de pesquisa científica.

Ainda assim, ninguém esperava que suas políticas teriam um impacto tão dramático na carreira da cientista Alessandra Camelo, de 25 anos.

"Tudo o que eu sempre quis foi ser uma cientista", conta Camelo.

Depois de obter seu diploma de graduação em engenharia agrícola e ambiental, ela fez parte do programa de mestrado em energia na Universidade de São Paulo (Usp), uma das principais universidades de pesquisa do Brasil. Desde então, ela passou um ano estudando engenharia ambiental na Universidade de Chicago e trabalhou como acadêmica visitante no programa de testes de bioenergia da Texas A & M.

Seu foco tem sido encontrar uma maneira de tornar a produção de etanol mais eficiente. Seu objetivo de carreira? "Quero usar a ciência para trazer sustentabilidade e valor estratégico em grande escala para o Brasil".

A única coisa que está em seu caminho é o próprio Brasil.

No início deste mês, Bolsonaro anunciou que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação seria cortado pela metade e que os programas de bolsas para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, chamados CNPq, a principal agência de pesquisa científica do Brasil, seriam cortadas também.

O orçamento do CNPq, que sustenta as bolsas de 80 mil brasileiros, já havia sido drasticamente reduzido no começo deste ano, pouco depois da posse de Bolsonaro.


Agora, a situação para esses estudantes é dramática: a expectativa é de que todo o financiamento acabe até julho deste ano, sem planos para novos financiamentos no futuro.

Os brasileiros anteciparam que Bolsonaro iria reprimir o financiamento cultural e acadêmico apoiado por seus antecessores de esquerda, mas até o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, disse que ficou surpreso com as novas reduções. Ele diz que Bolsonaro prometeu em uma carta à academia antes de sua eleição quase triplicar o investimento do governo em pesquisa e desenvolvimento. "Este corte vai contra sua promessa", alerta Davidovich.

"Pessoalmente, estou muito preocupado com a situação que temos em ciência e inovação no Brasil agora", comenta. "Os estudantes perderão suas bolsas para estudar, e aqueles que ainda puderem estudar serão forçados a usar equipamentos obsoletos ou interromper a pesquisa que estão conduzindo."

Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB), especializada em estudos sobre ecossistemas, observa que os pesquisadores no Brasil já estão sob pressão para ajudar o mundo a entender os impactos das mudanças climáticas e do aquecimento global. Ela observa que, embora a comunidade de pesquisa ambiental no Brasil tenha se fortalecido nas últimas duas décadas, "agora eles enfrentam grandes desafios para continuar suas pesquisas, especialmente os que envolvem pesquisa de campo em locais remotos, manutenção de equipamentos de pesquisa de campo e análises laboratoriais mais sofisticadas".

"Vinte por cento da biodiversidade do mundo está aqui no Brasil", aponta Davidovich. "Nossa pesquisa é o que protege essa biodiversidade; é como encontramos medicamentos mais baratos e tecnologia para reduzir o desmatamento. Esse corte não apenas prejudica o Brasil, mas prejudica o mundo".

Estudantes esforçados

Por meio do programa de bolsas do CNPq, estudantes de mestrado de todo o país recebem 1,5 mil reais por mês para frequentar universidades públicas; estudantes de doutorado recebem um pouco mais de 2,2 mil reais por mês.

Muitos estudantes, como Mariana Ciotta, de 23 anos, co0ntam com o apoio familiar para continuar seus estudos. Ciotta estuda na Usp, onde se concentra na identificação de rochas que possam auxiliar na captura de carbono. Ela fala que não é apenas o financiamento individual que está em risco com os cortes, mas também o corpo de pesquisa científica do Brasil como um todo.

"Acho que um grande problema é a incerteza da continuidade de nossa pesquisa. Se você acredita na mudança climática, deveria ideologicamente querer que esse trabalho continue com os pesquisadores que vêm em seguida e, a longo prazo, com projetos que complementam e contribuem para a minha pesquisa. Em vez disso, vai acabar ".

Thiago Gonçalves, professor de astronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), compartilha sua perspectiva. "Na ciência, você não termina os projetos em alguns meses. A ciência leva anos de trabalho e planejamento a longo prazo. Para mim, a pior parte é como a ciência no Brasil está sujeita aos caprichos do governo a qualquer momento. Um dia, temos financiamento e, no dia seguinte, não temos. "

Gonçalves explica que enquanto na Europa e nos EUA os pesquisadores podem recorrer a financiamentos de entidades não-governamentais, "no Brasil, o acesso a fontes privadas de financiamento para a ciência é praticamente zero, então nós realmente dependemos do governo daqui".

"Se perdermos os bolsistas, perderemos a força de trabalho que precisamos para fazer nossa pesquisa".

Camelo, a estudante de bioenergia, é um exemplo de alguém que será profundamente impactada pelos cortes. Ao contrário de Ciotta, a família de Camelo não pode apoiar seu trabalho. Camelo é de uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, onde, diz ela, sua família mal tem dinheiro para manter as luzes acesas, muito menos para financiar suas contas na universidade. Então, ela se vira como garçonete e acelerou o ensino médio, e hoje está orgulhosa por ser o primeiro membro de sua família a frequentar uma universidade pública (na verdade, ela é a primeira integrante de sua família a morar fora do estado). Os 1,5 mil reais que ela recebe todo mês se destinam a cobrir todos os custos acadêmicos e de vida em São Paulo, que é uma das cidades mais caras do Brasil.

Agora, com os cortes propostos, ela espera que todo o financiamento de sua universidade se esgote até julho, deixando-a sem um caminho, apesar de seu excelente currículo. "Há a percepção de que nós [estudantes bolsistas] estamos de alguma forma voando alto com este financiamento, vivendo a vida", diz ela. "Na realidade, estamos trabalhando duro e mal podemos comprar nossa comida".

Escolhas difíceis


Para as pessoas na posição de Camelo, tudo o que trabalharam desaparecerá de repente sem financiamento, efetivamente terminando carreiras promissoras. A recessão econômica que o Brasil atravessa há alguns anos não ajuda; esses alunos serão jogados de volta a um mercado de trabalho deprimido, com currículos que impressionam nos laboratórios, mas são inadequados para a maioria dos empregos. Como resultado, os cortes poderiam criar um efeito cascata em toda a economia brasileira.

Mas alguns alunos têm outra opção: sair do Brasil. Estudantes como Camelo, cuja capacidade acadêmica supera seu apoio financeiro, agora estão olhando para o exterior - para a Europa, para os EUA - para continuar sua pesquisa de mestrado e doutorado.

Bustamante acrescenta que essa migração de pesquisadores brasileiros para o exterior "compromete a renovação dentro das fileiras dos cientistas ambientais no Brasil".


Camelo é uma das sortudas. Seu currículo garantiu a ela um lugar em um instituto de pesquisa na Alemanha por três meses este ano, tempo suficiente, ela espera, para ajudá-la até o Natal. Ela espera enfiar a agulha: brilhar mais do que todos os outros candidatos nacionais e globais na Alemanha - muitos que, ao contrário dela, falam alemão fluentemente - e de alguma forma ganham um lugar em um programa de doutorado alemão. Ela prontamente admite que está relutantemente sendo forçada a se tornar parte de uma fuga científica de cérebros brasileiros.

"Eu me sinto tão mal agora, me sinto um lixo quando olho para o meu futuro", desabafa Camelo. "É como tudo o que tenho trabalhado não importa mais."

"Mas sei quem sou e sei que trabalho muito. Vou continuar em direção ao meu sonho de me tornar cientista. Já tive esse sonho desde muito antes dessa administração".

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