Revolucionário catálogo de terremotos pode ter resolvido um mistério sísmico

Tremores criados em laboratório já sugeriram a necessidade de nos atentarmos a indícios de atividade antes de um grande evento, mas esse padrão é indefinido por natureza — até agora.

Por Jenny Howard
Publicado 24 de ago. de 2019, 09:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma rachadura na rodovia 178 apareceu depois que um terremoto de magnitude 6,4 atingiu Ridgecrest, Califórnia, ...
Uma rachadura na rodovia 178 apareceu depois que um terremoto de magnitude 6,4 atingiu Ridgecrest, Califórnia, em 4 de julho de 2019. Um catálogo altamente detalhado de terremotos no sul da Califórnia está ajudando os geólogos a resolverem um mistério de longa data sobre a sequência de eventos que precede um terremoto.
Foto de Frederic J. Brown, AFP, Getty

HÁ DÉCADAS, OS CIENTISTAS buscam pistas que indiquem um terremoto iminente. Equipes já analisaram atividade eletromagnética, padrões climáticos e outros recursos apenas para descartá-los como possíveis indicativos desses eventos de destruição rochosa.

Os únicos possíveis precursores de destaque foram os antechoques, discretos tremores que podem ocorrer antes de um evento principal maior. Em experimentos de laboratório, foram observados antechoques antes de quase todos os terremotos simulados. Mas esse padrão não é observado nos dados reais referentes a terremotos, o que incomoda os sismólogos.

Agora, porém, um catálogo de alta resolução de milhões de terremotos no sul da Califórnia pode ter desvendado o mistério.

Em um recente estudo publicado na revista científica Geophysical Research Letters, os cientistas examinaram um enorme conjunto de dados referente a grandes e pequenos abalos sísmicos na região, e relataram um aumento diferente na atividade sísmica nas semanas e dias que antecederam a maioria dos terremotos. As descobertas não apenas estabelecem relações entre os estudos em laboratório e os terremotos do mundo real, como também reforçam a ideia de que os antechoques possam, um dia, ser usados como sinais de alerta, aumentando a nossa capacidade de prever terremotos no futuro.

“É um primeiro passo e um grande avanço no que diz respeito ao nosso conhecimento sobre processos sísmicos”, diz Wendy Bohon, geóloga do Incorporated Research Institutions for Seismology, que não participou do estudo.

Prevendo tremores

A maioria dos terremotos ocorre ao longo de falhas ou profundas rachaduras na crosta, onde blocos deslizam um contra o outro e criam atrito. Esse processo cria tensão na crosta, que é posteriormente liberada de forma repentina como energia sísmica, produzindo um terremoto. Bohon compara um terremoto ao ato de quebrar um lápis: é possível ver o lápis se curvar um pouco conforme aplica mais pressão, mas em determinado ponto, tensão suficiente se acumula e o lápis quebra.

Quase 75% dos terremotos ocorrem ao longo dos limites de placas tectônicas, que cobrem milhares de quilômetros da superfície da Terra. Sabemos que os terremotos estão constantemente abalando o nosso planeta, tanto que os geólogos podem afirmar com confiança que há 100% de chance de terremotos acontecerem todos os dias em algum lugar da Terra. Somente no sul da Califórnia, os dados demonstram que um terremoto ocorre quase a cada três minutos, em média.

No entanto é muito mais difícil saber exatamente onde e quando ele irá ocorrer. Isso se deve em parte porque os terremotos são difíceis de serem observados diretamente, uma vez que são desencadeados muitos quilômetros abaixo da superfície da Terra. Dessa forma, os cientistas normalmente utilizam experimentos em laboratório para simular terremotos e desvendar seus segredos.

Dados de tais experimentos sugerem que é possível que os principais terremotos sejam precedidos por antechoques, sendo que pequenas rachaduras se alastram ao longo da falha quando a tensão acumulada atinge um nível crítico.

Mas "terremotos reais são um sistema muito mais complexo do que os nossos simples experimentos de laboratório", diz o autor Daniel Trugman, sismólogo do Laboratório Nacional Los Alamos.

Além disso, espera-se que os antechoques sejam relativamente fracos e, há muito tempo, distinguir ruídos do ambiente desses tipos de ruídos rochosos representa um grande desafio. Dispositivos projetados para “ouvir” terremotos, chamados sismógrafos, também captam uma cacofonia da atividade na superfície, de furacões a carros e alces em movimento, o que dificulta o isolamento de tremores tão discretos.

“Até agora, tem sido discutido se todos os choques principais apresentam antechoques”, diz David “Chas” Bolton, candidato ao programa de doutorado em geociências da Universidade Estadual da Pensilvânia, que não participou do estudo.

E na impossibilidade de detectar antechoques de maneira confiável e observar os padrões, os cientistas somente conseguem prever a ocorrência de terremotos ao longo de extensos períodos de tempo, com base na probabilidade estatística.

Perguntas perturbadoras

É por isso que o novo catálogo de terremotos apresenta uma oportunidade tão tentadora. Publicado no início deste ano no periódico Science, esse esforço colossal apontou 1,81 milhão de terremotos que abalaram o sul da Califórnia entre 2008 e 2017, desde a magnitude 0,3.

“É basicamente como ter um novo microscópio: você pode ver mais coisas acontecendo”, diz o outro autor do estudo, Zachary Ross, sismólogo do Instituto de Tecnologia da Califórnia.

Na última análise, a equipe usou o catálogo e identificou sequências de antechoque em 72% dos terremotos que examinaram.

O desafio, no entanto, é que os padrões de ocorrência e força do antechoque foram únicos para cada choque principal. E a falta de um modelo padronizado dificulta a distinção entre sequências de antechoque e conjuntos de terremotos que não foram acompanhados por um grande tremor.

“Não sabemos se há uma impressão digital do antechoque por aí para ser encontrada, que nos permita um diagnóstico”, diz Susan Hough, sismóloga do Centro de Terremotos da Agência de Pesquisa Geológica dos EUA, que não fez parte da equipe do estudo. É possível que mais dados obtidos com ferramentas cada vez mais avançadas revelem antechoques que estavam “desaparecidos” — ou é possível que os dados revelem algo ainda mais complexo.

“É interessante refletir sobre o fato de os resultados obtidos no estudo indicarem que ainda não possuímos capacidade de detecção para ver os outros 20% ausentes”, diz Bohon. “Talvez nem todo terremoto tenha uma sequência de antechoque, e o que isso significa?”

O primeiro passo para melhorar as previsões

Ainda assim, a capacidade de observar padrões em tantos eventos oferece esperança para futuros catálogos de terremotos com foco em outras zonas de falhas ao redor do mundo. Quase todos os países sismicamente ativos possuem programas de monitoramento de terremotos, então, esse tipo de análise pode ser repetido em outros lugares — especialmente no Japão, onde os dados sísmicos são da mesma qualidade que os do sul da Califórnia.

“É possível começar a imaginar uma situação em que talvez [os antechoques] estejam acontecendo a todo o momento, em toda a Terra”, diz Ross. “É o tipo de coisa que fará as pessoas pensarem muito”.

Por enquanto, os geólogos são cautelosos em observar que esse resultado é apenas um primeiro passo, e ainda estamos longe de prever terremotos com algum grau de confiança.

“O que realmente gostaríamos de dizer seria: Olha, há 50% de chance de ser um [de magnitude] 6 ou 50% de ser um 7. Estamos nos aproximando do que acontece na previsão do tempo e da obtenção de algo significativo”, Hough diz. “Contudo, nesse momento, ainda não chegamos lá”.

Bohon concorda, acrescentando: “Até entendermos completamente todas as nuances de como os terremotos começam, precisamos aprender a conviver com os terremotos para que as comunidades e as pessoas que vivem em países afetados não apenas sobrevivam aos eventos, como também prosperem em meio às consequências”.

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