Campo magnético da Terra muda com muito mais frequência do que imaginávamos

Cerca de 500 milhões de anos atrás, os polos magnéticos do planeta trocavam de lugar a uma frequência impressionante. Isso oferece pistas sobre a formação do núcleo e os efeitos do fenômeno nas primeiras formas de vida.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 10 de out. de 2019, 12:04 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A interação dos ventos solares com o campo magnético do nosso planeta produz impressionantes espetáculos de ...
A interação dos ventos solares com o campo magnético do nosso planeta produz impressionantes espetáculos de luzes, como essas auroras boreais que parecem dançar no norte do Canadá. As luzes vibrantes lembram a importância do escudo magnético da Terra, que protege o nosso planeta da radiação.
Foto de Esa, NASA

YVES GALLET SE EQUILIBRAVA na costa íngreme e rochosa de uma montanha no nordeste da Sibéria, com um rio azul-turquesa abaixo, que recortava calmamente a paisagem. Mas Gallet, do Instituto de Física do Globo de Paris, na França, voltou seu rosto para as rochas com um único objetivo em mente: decifrar a história do campo magnético da Terra.

Esse campo atua como um escudo e protege a Terra da radiação emitida constantemente pelo Sol. Ao longo dos 4,6 bilhões de anos do planeta, o campo mudou com frequência, invertendo o norte e o sul magnéticos, e algumas pesquisas sugerem que outra inversão possa acontecer. Embora seja exagerado o medo de um apocalipse geomagnético iminente, uma inversão magnética pode causar inúmeros impactos nocivos, desde o aumento da exposição à radiação até interrupções tecnológicas, o que faz com que o entendimento dessas trocas históricas seja mais do que apenas uma curiosidade científica.

Agora, Gallet e seus colegas descobriram evidências de uma das mais altas taxas de inversão de campo já registradas. Durante esse período incrivelmente caótico, detalhado em uma recente publicação na revista científica Earth and Planetary Science Letters, o planeta sofreu 26 inversões de polos magnéticos a cada um milhão de anos — mais de cinco vezes o índice observado nos últimos 10 milhões de anos.se

O resultado integra um conjunto crescente de evidências que sugerem que o campo magnético do planeta pode mudar com mais frequência do que se pensava possível, afirma Joseph Meert, paleomagnetista da Universidade da Flórida, que não participou do estudo. Essa pesquisa vem preenchendo aos poucos o inconsistente registro magnético da Terra, o que pode ajudar os cientistas a entenderem melhor o momento e a razão por trás dessa ginástica geológica — e até obter pistas dos efeitos que os antigos períodos de hiperatividade tiveram sobre as primeiras formas de vida.

Cientistas coletaram amostras de rochas dos penhascos da seção Khorbusuonka, na Sibéria. Os minerais ricos em ferro dessas rochas registram assinaturas magnéticas de uma parte da história da Terra, há cerca de três milhões de anos.
Foto de Yves Gallet

A Terra e seus polos inquietos

O campo magnético da Terra é gerado pela movimentação do ferro e níquel liquefeitos presentes no núcleo externo do nosso planeta, cerca de 2,8 mil quilômetros abaixo da superfície. Ao longo dos anos, as inquietações do campo magnético foram capturadas por minerais ricos em ferro sensíveis a influências magnéticas, que podem ficar presos à medida que rochas sedimentares se formam ou a lava esfria, como pequenas agulhas de uma bússola congeladas no tempo.

Com base nesse registro rochoso, os nossos polos não se invertem há cerca de 780 mil anos, mas já foram bastante inquietos no passado, com inversões a cada 200 mil anos, mais ou menos. Houve também longos períodos em que os polos permaneceram imóveis, como um intervalo de 40 milhões de anos durante o período Cretáceo, há cerca de 100 milhões de anos.

Com que frequência ocorrem essas inversões? Para obter respostas, Gallet e seus colegas se aventuraram a pé, de helicóptero e bote inflável por penhascos acidentados que datam de um período do Cambriano Médio que conta com amostragem escassa, de cerca de 500 milhões de anos atrás. As areias que construíram essa região foram depositadas no que antes era um mar quente e raso, com minerais magnéticos que ficaram presos pelo acúmulo de sedimentos no tranquilo leito oceânico, compactados para formar novas camadas rochosas.

Gallet e seus colegas visitaram o local pela primeira vez no início dos anos 2000, coletando cerca de 119 amostras da face quase vertical da rocha. O trabalho revelou um período durante o Cambriano Médio em que ocorreram pelo menos seis a oito inversões de campo a cada um milhão de anos.

“Não esperávamos uma frequência de inversão tão alta”, escreve Gallet por e-mail, enfatizando que, na época, mais de quatro ou cinco inversões seriam consideradas uma frequência alta. Esse ritmo acelerado deixou Gallet e seus colegas desconfiados, indicando a necessidade de coletar mais amostras. No verão de 2016, eles retornaram para fazer exatamente isso, cortando cerca de 550 pequenos blocos de rocha a cada 10 a 20 centímetros. A análise das assinaturas magnéticas confirmou a suspeita: nos três milhões de anos capturados em suas amostras, eles detectaram impressionantes 78 inversões de campo.

“Esperávamos uma frequência de inversão magnética muito alta, mas obviamente não tão alta assim”, afirma Gallet. E 22 das amostras registram uma única inversão, ele observa, sugerindo que talvez o índice verdadeiro seja ainda mais alto.

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    Por enquanto, o novo estudo oferece mais perguntas do que respostas. Não está claro por que o campo era tão hiperativo naquela época e, o que é ainda mais intrigante, por que ele se acalmou repentinamente.

    Uma possibilidade é que as inversões iniciais estivessem relacionadas ao resfriamento e à cristalização do sólido núcleo interno da Terra. Embora muitos estudos indiquem que isso provavelmente tenha começado 600 ou 700 milhões de anos atrás, talvez as intensas inversões durante o Cambriano Médio tenham vindo de um período tardio de formação do núcleo interno. Mas ainda há muita incerteza.

    “É muito difícil saber algo sobre o núcleo e seu comportamento", diz a geóloga Annique Van der Boon, da Universidade de Liverpool, que não participou do estudo. “Não podemos vê-lo, não conseguimos chegar até ele.”

    O único outro período com inversões comparativamente altas, conhecido como Ediacarano, ocorreu entre 550 e 560 milhões de anos atrás, período que estranhamente se alinha a um evento de extinção em massa da vida, observa Meert. Estudos sugerem que o campo magnético invertido constantemente durante o período Ediacarano era extremamente fraco, o que poderia ter exposto as formas iniciais de vida na Terra a severas condições na superfície.

    “Usando a linguagem de Star Trek, nossos escudos caíram e permitiram o bombardeio de radiação cósmica e outros tipos de radiação na superfície da Terra”, diz Meert. Talvez esse excesso de exposição tenha matado as criaturas do período Ediacarano, que eram moles e esponjosas e que, em sua maioria, não conseguiam se proteger do Sol.

    Mas nenhuma extinção em massa coincide com a recém-proposta hiperatividade ocorrida no Cambriano Médio, quando a vida prosperava em grande variedade de formas. Talvez a evolução tenha ajudado essas criaturas, sugere ele, resultando em uma explosão de animais que viviam em tocas e de outros animais capazes de procurar abrigo contra raios solares nocivos. Mas nesse momento, ele diz, é tudo suposição.

    Perguntas magnéticas

    Um padrão curioso é que parece haver certa ciclicidade nas mudanças, com períodos prolongados sem a ocorrência de inversões aproximadamente a cada 150 milhões de anos. Entre um intervalo e outro, o campo parece se inverter com uma frequência cinco vezes mais alta a cada um milhão de anos, sendo esses períodos pontuados por surtos de hiperatividade.

    Tendo em conta esses ciclos aproximados, parece que o campo magnético da Terra pode estar caminhando para outro período de hiperatividade, diz Meert, embora alerte que ainda há muita incerteza. E, mesmo que haja a possibilidade de uma inversão, percebemos cada uma delas em câmera lenta, com a troca dos polos ocorrendo ao longo de vários milhares de anos.

    “Não é como num filme em que sua bússola aponta para o norte e quando você acorda no dia seguinte ela aponta para o sul”, diz Meert.

    Uma das grandes dificuldades de decifrar esses padrões é a inconsistência do registro. Rochas tão antigas geralmente são esmagadas e se transformam à medida que os continentes colidem, apagando muitos registros antigos, explica Van der Boon, que estuda registros de rochas muito mais esparsos que indicam um possível período de altas inversões cerca de 400 milhões de anos atrás.

    “Estou com uma certa inveja dos dados que eles obtiveram porque parecem realmente bons”, brinca ela.

    Embora os pesquisadores tenham feito o melhor que puderam em condições desafiadoras, o resultado ainda precisa ser verificado em outras partes do mundo para confirmar que realmente se trata de um caso global, explica Florian Lhuillier, geomagnetista da Universidade Ludwig Maximilian de Munique. Ele também gostaria de ver a confirmação do registro em rochas vulcânicas. Da mesma forma, os minerais presentes nessas rochas podem registrar o campo magnético à medida que a lava esfria e vira pedra. Os sedimentos, no entanto, são esmagados e compactados conforme se transformam em rochas, podendo sofrer alterações químicas, o que poderia mudar nossa perspectiva sobre as posições do campo.

    Ainda assim, o último estudo oferece informações intrigantes sobre o intenso passado do nosso planeta e fornece uma imensidão de novos dados a serem analisados. Uma das próximas etapas é alinhar os dados com modelos computacionais, diz Courtney Jean Sprain, geocientista da Universidade de Liverpool: “Agora podemos começar a executar alguns de nossos modelos e dizer 'certo, o que isso pode significar?'”.

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