Comunidade amazônica tenta superar o turismo de vida selvagem ilegal

Cidade peruana era conhecida por oferecer encontros ilegais com animais. Ao substituírem tamanduás por artefatos culturais, moradores estão enfrentando dificuldades para atrair turistas.

Por Natasha Daly
fotos de Kirsten Luce
Publicado 7 de out. de 2019, 11:16 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um menino e um gato param em um caminho em Puerto Alegría, uma pequena comunidade peruana ...
Um menino e um gato param em um caminho em Puerto Alegría, uma pequena comunidade peruana no rio Amazonas. A cidade era um destino para contato com animais exóticos até a polícia intervir em dezembro de 2018. Agora, muitos na comunidade estão determinados a criar um novo futuro.
Foto de Kirsten Luce, National Geographic

ATÉ DEZEMBRO DO ANO PASSADO, antes de tudo mudar, Jorge Chavez mantinha animais selvagens em casa.

“Nós tínhamos araras, papagaios, um bicho-preguiça e jiboias”, diz ele.

“Nós” não se refere apenas a Chavez e sua família — mas também a toda uma cidade. Puerto Alegría, uma pequena comunidade peruana situada às margens do rio Amazonas, foi, por muito tempo, um destino turístico para contato com animais selvagens exóticos. Os moradores forneciam os animais, capturados na floresta; os turistas davam gorjetas.

Foi então que, em dezembro, a polícia confiscou os animais selvagens. Eles foram levados de avião para centros de resgate. E várias pessoas na cidade ficaram perdidas sem sua principal fonte de renda.

“Hoje oferecemos observação de pássaros”, diz Chavez, sete meses após a deflagração da polícia. Agora, ele está tentando reverter a silenciosa investida realizada em Puerto Alegría em experiências éticas de turismo: um museu cultural, caminhadas pela natureza, uma oficina de medicina tradicional. Mesmo com pouca esperança, eles trabalham para que os turistas ainda fiquem satisfeitos com uma experiência mais sutil — porém legalizada e autêntica — da cultura local.

Turistas observam o recinto de um peixe-boi em Puerto Alegría, em agosto de 2017. O peixe-boi ...
Turistas observam o recinto de um peixe-boi em Puerto Alegría, em agosto de 2017. O peixe-boi foi um dos 22 animais resgatados pelas autoridades ambientais em dezembro. Agora, ele está se recuperando em um centro de reabilitação.
Foto de Kirsten Luce, National Geographic

Extremamente lucrativa

Puerto Alegría está localizada nas Três Fronteiras, região no rio Amazonas onde as fronteiras do Peru, Colômbia e Brasil se encontram. É facilmente acessível de barco pelo lado colombiano, onde se hospeda a maioria dos turistas.

Por cerca de 10 anos, os moradores da cidade atenderam às demandas dos inúmeros turistas trazidos do outro lado do rio por agências de turismo e hotéis, que prometiam uma experiência única na vida: segurar, acariciar e pendurar animais selvagens no pescoço. Era a oportunidade perfeita para selfies — uma lembrança digital produzida para gerar curtidas no Instagram.

O negócio, no entanto, era ilegal. No Peru, as leis sobre a retirada de animais selvagens da floresta são um tanto obscuras, mas é expressamente proibido obter renda com animais selvagens em cativeiro. E os animais — selvagens, desorientados, frequentemente alimentados com dietas inadequadas — estavam morrendo. Em uma investigação realizada em 2017, a National Geographic encontrou um tamanduá tomando iogurte de morango, um peixe-boi abaixo do peso sendo alimentado com leite de soja em uma mamadeira e bichos-preguiça — que dormem 22 horas por dia na natureza — à mercê de turistas animados.

Em dezembro de 2018, as autoridades peruanas realizaram uma operação na cidade e resgataram 22 animais, levando-os em seguida para centros de reabilitação rio abaixo, em Iquitos. (Embora alguns dos animais, como os bichos-preguiça, tenham morrido após o resgate, a maioria está bem, incluindo um maracajá e um peixe-boi, que estão sob os cuidados do Centro de Resgate Amazônico. Javier Velásquez Varela, diretor do centro, espera que o peixe-boi esteja pronto para soltura no próximo ano).

A polícia advertiu os moradores da cidade que, se mais atividades ilegais com animais fossem detectadas, haveria multas.

Em janeiro de 2019, novas fotos surgiram no Instagram de grupos de turistas segurando bichos-preguiça. As autoridades ambientais perceberam e deram o último o aviso: parem de uma vez por todas ou os responsáveis serão presos.

Eles pararam. Mas perder o negócio com os animais — e os turistas atraídos por ele — significava perder renda. O dinheiro de turistas em pequenas cidades da Amazônia pode fazer a diferença, para os moradores, entre conseguir permanecer nas comunidades em que cresceram e ter que partir. O turismo garante a sobrevivência das comunidades e pode protegê-las contra o aumento do custo de vida, o esgotamento de recursos e outros desafios que forçam as pessoas a migrarem para cidades próximas, como Iquitos, no Peru, ou Letícia, na Colômbia.

“Conseguíamos nos sustentar quando trabalhávamos [com os animais]”, diz Chavez.

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    Na presença de um tucano em cativeiro, os visitantes compram lanches e passeiam no centro de Puerto Alegría, em junho de 2017. Além de pássaros exóticos, os visitantes seguravam bichos-preguiça, tartarugas, sucuris, um tamanduá e outros animais. Todos foram capturados na floresta.
    Foto de Kirsten Luce, National Geographic

    Uma alternativa

    A comunidade de 650 habitantes não está desistindo do turismo — está apenas se reorganizando. Em janeiro, a Entropika, organização de conservação sem fins lucrativos sediada em Letícia, que havia trabalhado com as autoridades peruanas para organizar a deflagração de dezembro, interveio para ajudar Puerto Alegría. O grupo ajudou os membros da comunidade a estabelecer uma nova organização de turismo chamada Associação de Turismo Comunitário de Puerto Alegría, que declarou Chavez como o primeiro presidente.

    A cidade pode não ter mais animais, mas é um lugar único. Puerto Alegría oferece uma amostra do Peru a visitantes que desejam ter uma breve experiência no país — atravesse o rio vindo da Colômbia e é possível dizer que visitou o Peru.

    Com o objetivo de ajudar a comunidade a destacar a cultura peruana, a equipe da Entropika levou Chavez a Iquitos para visitar vários projetos que oferecem atividades de turismo sustentável, incluindo um museu cultural. Chavez decidiu construir um museu cultural em Puerto Alegría para que os visitantes soubessem mais sobre os povos indígenas Cocama, Tikuna e Yagua, dos quais muitos moradores descendem. Entropika levou o operador do museu de Iquitos, Kevin Huaymana, para passar duas semanas em Puerto Alegría, ajudando a comunidade a estabelecer seu próprio museu. Eles reuniram artefatos locais e fizeram cartazes para exibição e organizaram oficinas sobre horticultura e medicamentos locais.

    “Acho que eles foram muito corajosos em dizer que não teriam mais animais e em tentar fazer algo produtivo”, diz Angela Maldonado, conservacionista da Entropika, sobre Chavez e os outros membros da associação de turismo.

    “Agora, a nossa percepção sobre como o turismo deve funcionar mudou”, conta Chavez. “Mas, ao mesmo tempo, as coisas ficaram mais difíceis para nós financeiramente”.

    Apesar de todo o trabalho duro dele e de outros para preparar o museu e as ofertas culturais, os turistas não demonstraram interesse.

    Muitas agências de turismo da Colômbia ganhavam dinheiro levando turistas para ver os animais em Puerto Alegría, diz Maldonado. (Os próprios tratadores dos animais trabalhavam para receber gorjetas.) Mas assim que os animais foram embora, “eles simplesmente deixaram a comunidade de lado”, afirma ela. “Acho isso vergonhoso.”

    Hóspedes nadam no On Vacation Amazon, um resort colombiano do outro lado do rio de Puerto ...
    Hóspedes nadam no On Vacation Amazon, um resort colombiano do outro lado do rio de Puerto Alegría. Até dezembro de 2018, o resort levava até 150 turistas a Puerto Alegría todos os dias para contato com os animais em cativeiro. Depois que a polícia confiscou os animais, barcos com turistas do On Vacation deixaram de visitar o local.
    Foto de Kirsten Luce, National Geographic

    Manejo de animais selvagens

    Os passeios, diz Maldonado, ainda estão centrados em experiências ilícitas envolvendo o manejo de animais. O On Vacation Amazon, resort que costumava enviar em média 150 hóspedes por dia para tirar selfies com os animais de Puerto Alegría, não enviou nenhum grupo de excursão ao museu. E alguns em Puerto Alegría, incluindo aqueles que são fiéis ao On Vacation, não apoiam o novo empreendimento, diz Maldonado, dificultando o fornecimento de uma experiência turística holística na comunidade, incluindo ofertas de restaurantes e acomodações.

    Resorts e empresas de turismo redirecionaram os visitantes a outros pontos próximos que oferecem as mesmas atividades e que entraram em cena para atender a demanda. Por exemplo, a agência de turismo Amazonas Extremo, sediada em Letícia, levou turistas a uma comunidade chamada Aldea, onde os moradores ofereceram experiências com animais selvagens aos grupos, confirmou um dos viajantes. E o On Vacation Amazon leva grupos de hóspedes do resort a uma comunidade chamada Zacambú para tirarem selfies com os animais. Vários hóspedes, que confirmaram que o On Vacation havia organizado os passeios, postaram selfies com animais no Instagram entre fevereiro e junho de 2019.

    O On Vacation Amazon e a Amazonas Extremo não haviam respondido ao pedido de comentário da National Geographic até o momento desta publicação.

    Alberto Yusen Caraza Atoche, promotor ambiental de Loreto, província peruana onde Puerto Alegría está localizada, diz que está ciente da continuidade do problema. “Para nós, é difícil detectar quantas dessas empresas de turismo estão por trás dessa conduta ilegal”, diz ele. “Sabemos que o On Vacation é uma das grandes empresas colombianas que atua nesse mercado ilegal”.

    Uma longa passarela conecta Puerto Alegría ao rio Amazonas. Do outro lado do rio fica a ...
    Uma longa passarela conecta Puerto Alegría ao rio Amazonas. Do outro lado do rio fica a Colômbia, onde a maioria dos turistas se hospeda. Muitos em Puerto Alegría esperam que o turismo ético ainda atraia visitantes. Até agora, poucos vieram.
    Foto de Kirsten Luce, National Geographic

    É difícil fiscalizar a área, “primeiro, devido à distância; segundo, devido à logística”, afirma Caraza Atoche. Terceiro, devido à emaranhada teia de leis e jurisdições penais em um local onde três países se encontram. O departamento peruano de Caraza Atoche, por exemplo, não pode fazer muito a respeito dos operadores de viagens colombianos que alimentam o problema.

    Maldonado espera que os turistas voltem a Puerto Alegría, para que os membros da comunidade “possam ver uma luz no fim do túnel”, diz ela, “porque estão passando por um momento econômico muito ruim”. Contudo um novo projeto, o Innative Amazon, ainda dá alguma esperança. Esse projeto trabalha com a Entropika para oferecer excursões turísticas de baixo impacto, amigas do meio-ambiente e dos animais na região. O grupo está tentando incluir excursões para a cidade.

    Enquanto isso, Chavez e outros esperam que seus esforços sejam recompensados para que possam voltar a ganhar a vida — e um pouco de compaixão. “Precisamos reabilitar o nome de Puerto Alegría”, diz ele. “Precisamos recuperar a nossa boa reputação”.

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