A medicina pode existir sem plástico?
Os hospitais estão repletos de plástico estéril descartável. Defensores do meio ambiente procuram formas de manter a higiene do setor de saúde sem tanto desperdício.
RECUSAR UM canudo em um restaurante é uma coisa, mas fica difícil reduzir o uso do plástico quando se está inconsciente sobre uma mesa de operação. O plástico descartável está enfrentando mais escrutínio do que nunca e a indústria médica pode ser a área na qual os consumidores têm menos voz.
A Practice Greenhealth, organização sem fins lucrativos que trabalha para tornar os hospitais mais sustentáveis, estima que 25% dos resíduos gerados por um hospital sejam de plásticos. Um estudo sobre uma única histerectomia constatou que o procedimento pode produzir até nove quilos de resíduos, sendo a maioria deles de plástico.
O plástico de uso único pode ser uma opção atraente para os hospitais — é barato, durável e facilmente descartável — e cada novo recipiente ou cobertura de plástico oferece um novo ambiente estéril. É por isso que os médicos utilizam plásticos para se protegerem e protegerem tudo que utilizam.
No entanto, apesar de o plástico ter revolucionado a indústria médica de diversas formas ao longo do século passado, agora ele está sendo perseguido pelo o que acontece após o seu descarte. O plástico pode facilmente acabar em ambientes marinhos, onde se decompõe em pequenas partículas chamadas microplásticos, com consequências ainda desconhecidas à saúde. E os combustíveis fósseis necessários para a produção desses plásticos podem contaminar o ar e a água.
De acordo com os profissionais da saúde, o uso irrestrito de plástico está cada vez mais em conflito com a promessa do médico de não causar danos, mas em ambientes médicos repletos de sangue e patógenos, é possível evitar o plástico?
Plástico limpo e novo
“Os plásticos para aplicações biomédicas têm muitas propriedades desejáveis, incluindo baixo custo, facilidade de processamento e [possibilidade] de serem facilmente esterilizados”, diz Bridgette Budhlall, engenheira da Universidade de Massachusetts Lowell.
Ela observa que os plásticos podem até ser modificados com revestimentos que os tornam particularmente resistentes a micróbios.
Um informativo publicado pelo Conselho Norte-Americano de Química, grupo que representa empresas que comercializam plásticos, afirma que “os plásticos descartáveis são a maneira mais limpa e eficiente” de promover a saúde e a higiene em hospitais.
Mas aqueles que trabalham para tornar os hospitais mais sustentáveis dizem que o plástico é utilizado em excesso.
Em uma pesquisa ainda não publicada, realizada em 332 hospitais, a Practice Greenhealth analisou itens de plástico descartáveis comumente encontrados em salas de cirurgia que haviam sido substituídos com sucesso por itens reutilizáveis. Objetos como bacias cirúrgicas e invólucros para esterilização poderiam ser reutilizados e reduziriam o desperdício em diversas toneladas por ano. Dependendo de como os hospitais evitam o desperdício, eles também conseguem economizar milhares de dólares por ano, afirma a Practice Greenhealth.
O pesadelo da reciclagem
“Funcionou por um tempo quando a China levava tudo”, diz Janet Howard, diretora de engajamento da Practice Greenhealth, sobre resíduos plásticos hospitalares. Mas agora, “estamos retrocedendo”, comenta ela sobre os esforços de reciclagem dos hospitais.
Em 2018, a China anunciou que deixaria de comprar dois terços do lixo mundial. Com isso, as instituições médicas ficam com poucas opções, tendo que descartar resíduos plásticos com o restante do lixo em aterros ou incineradores. O PVC descartado em incineradores pode liberar substâncias químicas tóxicas.
“Certamente ainda existem diferentes tipos de plásticos que poderiam ser recuperados e que não o são hoje por vários motivos”, diz Kim Holmes, vice-presidente de sustentabilidade da Associação das Indústrias de Plástico.
“Alguns itens usados no tratamento não entram em contato com os pacientes, então não apresentam riscos biológicos e podem ser reciclados”, acrescenta ela, se referindo a itens como embalagens e recipientes de armazenamento.
Nos hospitais que tentam separar o plástico para reciclagem, Holmes diz que produzir material suficiente a ponto de ser atraente para recicladores é um desafio para qualquer hospital e o processo seria mais eficaz se o lixo de vários locais fosse combinado. O Healthcare Plastics Recycling Council oferece recursos para hospitais que desejam fazer parte de uma rede de reciclagem.
O 'fator repulsa'
Um dos itens de plástico mais comuns descartados nas salas de cirurgia é o “invólucro azul”, uma película de polipropileno que reveste instrumentos esterilizados e que é removida e descartada antes das cirurgias.
Sua natureza de uso único elimina o que Howard chama de 'fator repulsa', mas também deixa uma pequena montanha de lixo para trás.
“É como no dia seguinte após o Natal, quando se fica com uma pilha de papel de presente no chão”, diz ela. “É o invólucro azul na sala de cirurgia todos os dias.”
De acordo com Howard, alguns hospitais estão experimentando substituir o invólucro azul por recipientes de esterilização reutilizáveis, que podem ser limpos assim como os instrumentos que eles armazenam.
Outro item abundante em instituições médicas é a bolsa de esterilização — uma pequena bolsa selável utilizada para manter o item esterilizado livre de germes.
Foi o desejo de garantir que seus instrumentos estivessem livres de patógenos que levou dois irmãos dentistas, David e James Stoddard, a criarem uma bolsa de tecido para armazenar seus instrumentos esterilizados. A empresa deles, a EnviroPouch, foi criada em 1993 e comprada por Barbara Knight em 2001.
Os Centros de Controle de Doenças definem padrões rígidos para a higienização de instrumentos médicos, e as bolsas que os contêm devem ser registradas na Agência Norte-Americana de Administração de Alimentos e Medicamentos, a FDA, exigência que a EnviroPouch cumpre.
Knight afirma que o produto vendido por ela é mais eficaz do que as bolsas plásticas porque forma uma barreira mais espessa em torno de instrumentos afiados. Cada bolsa elimina cerca de 200 bolsas de plástico descartáveis, afirma ela.
“A trama do tecido dificulta a penetração por perfurocortantes [termo médico que se refere a qualquer instrumento com ponta afiada]”, diz ela, ao contrário do filme em uma bolsa plástica.
Knight diz que os dentistas que criaram a bolsa se inspiraram na história de Kimberly Ann Bergalis, falecida em 1991 após contrair HIV em um consultório odontológico. Outros seis casos como o dela foram registrados nos Estados Unidos na época.
A mesma preocupação com a disseminação do HIV, acredita Gary Cohen, presidente da Practice Greenhealth e da Health Care Without Harm, organização sem fins lucrativos, foi responsável por impulsionar a indústria de embalagens descartáveis.
“Foi um dos fatores que ajudou a impulsionar o uso de dispositivos descartáveis e embalagens em excesso no setor de saúde porque havia uma enorme preocupação com a contaminação”, diz Cohen sobre a paranoia testemunhada durante a crise da Aids. “Foi uma reação exagerada.”
Além de sua abundância, Cohen ressalta que certos tipos de plásticos, como o policloreto de vinila (PVC), podem conter substâncias químicas tóxicas. Um estudo realizado em 2016 descobriu que pacientes jovens expostos a um aditivo comum do PVC chamado DEHP — um tipo de ftalato — durante tratamento intensivo demonstraram sinais de declínio neurocognitivo manifestados posteriormente na vida.
Em seu site, a Associação das Indústrias de Plástico afirma que o PVC é um material eficaz porque é resistente a germes e fácil de ser higienizado.
De olho no futuro
A Health Care Without Harm, organização ambiental sem fins lucrativos, estima que o setor de saúde em todo o mundo contribua com pouco mais de 4% das emissões mundiais, grande parte proveniente de atividades de aquecimento e resfriamento realizadas 24 horas por dia. Esse é o mesmo nível de emissões produzido durante um ano por mais de cinco usinas termoelétricas a carvão.
Apesar de muitos hospitais estarem implementando departamentos de sustentabilidade, eles nunca poderão verdadeiramente levantar a bandeira de “desperdício zero”, conta Howard, porque “sempre haverá algum tipo de risco biológico” que precisa ser mitigado.
Mas ela diz que, para serem melhores gestores ambientais, hospitais e instituições de saúde precisam reduzir seus resíduos plásticos. Ao contrário das emissões de carbono, o lixo plástico é notavelmente visível e é algo que pacientes e médicos desejam reduzir.
“Estamos olhando para o problema a partir de um panorama geral. 'O que é bem-estar e como chegamos lá?'”, pergunta ela de forma retórica. “Precisamos nos alimentar bem e ter contato com a natureza, e isso faz com que pensemos em hospitais como instituições que promovem a cura”.
Não como poluidores, acrescenta ela.