Algumas árvores praticam “distanciamento social” para evitar doenças

Muitos dosséis de florestas apresentam misteriosos espaços vazios, fenômeno chamado “timidez entre árvores”, que pode ajudar as árvores a compartilhar recursos e permanecer saudáveis.

Por Katherine J. Wu
Publicado 10 de jul. de 2020, 07:45 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Árvores como a cânfora-de-bornéu (Dryobalanops aromatica) exibem a timidez entre árvores no Instituto de Pesquisa Florestal da ...

Árvores como a cânfora-de-bornéu (Dryobalanops aromatica) exibem a timidez entre árvores no Instituto de Pesquisa Florestal da Malásia. O fenômeno ocorre em algumas espécies de árvores com espaços vazios no dossel que impedem que os galhos se toquem, formando lacunas semelhantes a canais.

Foto de Ian Teh, National Geographic

Em um dia quente de março de 1982, o biólogo Francis “Jack” Putz resolveu descansar sob um bosque de siriúbas para fugir do calor da tarde. Sonolento, após o almoço e horas de pesquisa de campo no Parque Nacional Guanacaste, na Costa Rica, Putz decidiu se deitar para uma breve soneca.

Ao olhar para o alto, o vento agitou as copas das siriúbas sobre ele, fazendo com que os ramos das árvores vizinhas roçassem e arrancassem partes de suas folhas e galhos mais expostos. Putz notou que essa poda recíproca havia deixado brechas de espaço vazio por todo dossel.

Essa rede de espaços entre as copas das árvores, denominada “timidez entre árvores”, foi documentada em florestas em todo o mundo. São abundantes esses vazios na vegetação em manguezais da Costa Rica e até nas imponentes cânforas-de-bornéu na Malásia. Mas os cientistas ainda não sabem ao certo por que é comum as copas das árvores evitarem o contato.

Sob as siriúbas, há 40 anos, prestes a cochilar após o almoço, Putz presumiu que as árvores também precisam de seu espaço individual — uma noção importante para desvendar a origem da timidez dos ramos.

“Eu sempre faço grandes descobertas na hora da soneca”, conta ele.

Hoje, cada vez mais estudos confirmam as observações iniciais de Putz e seus colegas. O vento, ao que parece, desempenha um papel crucial ao ajudar muitas árvores a manter distância. Os limites esculpidos pelos galhos batendo podem aumentar o acesso das plantas a recursos como a luz. Os espaços entre as copas das árvores podem até impedir a propagação de insetos que mastigam folhas, trepadeiras parasitas ou fitopatologias.

De certa forma, a timidez entre árvores é a versão arbórea do distanciamento social, afirma Meg Lowman, bióloga especializada em dosséis florestais e diretora da Fundação TREE. “Assim que o contato físico entre as plantas é limitado, é possível aumentar sua produtividade”, conta ela. “Essa é a beleza do isolamento (...): a árvore protege sua própria saúde.”

Rusgas nas copas das árvores

Embora descrições sobre a timidez entre árvores tenham surgido na literatura científica desde a década de 1920, várias décadas transcorreram até que os pesquisadores começassem a investigar sistematicamente a causa do fenômeno. Alguns cientistas inicialmente formularam a hipótese de que as árvores simplesmente não estavam preenchendo os espaços entre os dosséis devido à falta de luz — recurso crucial à fotossíntese — nos pontos em que a folhagem se sobrepunha.

Mas a equipe de Putz publicou uma pesquisa em 1984 demonstrando que, em alguns casos, a timidez entre árvores pode ser simplesmente resultado de uma batalha entre árvores com o balanço do vento, cada uma correndo para produzir novos ramos e conter ataques das vizinhas. Em suas pesquisas, quanto mais as siriúbas balançavam com o vento, mais afastados dos vizinhos ficavam os dosséis — esses foram alguns dos primeiros resultados que confirmam essa hipótese de atrito a explicar as disposições das copas das árvores.

Cerca de duas décadas depois, uma equipe liderada por Mark Rudnicki, biólogo da Universidade Tecnológica de Michigan, mediu a força das colisões entre pinheiros da espécie Pinus contorta em Alberta, Canadá. Eles descobriram que florestas expostas ao vento repletas de troncos altos e estreitos de estatura semelhante eram especialmente propensas à timidez entre árvores. E quando Rudnicki e sua equipe utilizaram cordas de náilon para impedir os choques entre pinheiros vizinhos, as plantas entrelaçaram suas copas, preenchendo os espaços entre as copas adjacentes.

Outros cientistas encontraram indícios de que provavelmente existem diversas causas para a timidez entre árvores, algumas talvez menos agressivas do que essas rusgas ao vento. Por exemplo, Rudnicki afirma que algumas árvores podem ter aprendido a interromper o desenvolvimento de suas extremidades por completo, cientes de que qualquer nova folhagem seria arrancada.

As árvores poderiam, assim, evitar danos desnecessários, afirma Inés Ibáñez, ecologista florestal da Universidade de Michigan. “O desenvolvimento de novos tecidos é muito custoso às plantas (...). É como se as árvores se precavessem: não vale a pena desenvolver as extremidades.”

Algumas árvores podem ser capazes de levar essa cautela um passo adiante utilizando um sistema sensorial especializado para detectar substâncias químicas emitidas por plantas próximas. “Há um número cada vez maior de estudos científicos que trata da consciência vegetal”, afirma Marlyse Duguid, silvicultora e horticultora da Universidade de Yale. Os dados sobre a comunicação química em plantas lenhosas são escassos, mas se as árvores podem perceber a presença umas das outras, podem ser capazes de interromper o crescimento do dossel antes de serem forçadas a lutar.

As vantagens do espaço individual

Qualquer que seja a origem da timidez entre árvores, a separação provavelmente traz benefícios. “As folhas são como os diamantes mais caros de uma árvore — é preciso protegê-las a todo custo”, afirma Lowman. “Se um grupo inteiro for eliminado, é um grande baque para a árvore.”

Folhagens mais esparsas também podem ajudar a luz solar a chegar ao chão da floresta, nutrindo as plantas e animais que, por sua vez, sustentam a vida arbórea. Putz acredita que as lacunas podem até ajudar as árvores a evitar trepadeiras lenhosas invasoras conhecidas como cipós —comuns em florestas tropicais e temperadas em todo o mundo — ou a proteger a vegetação contra micróbios causadores de doenças e insetos que não voam que usam as copas para passar para outras árvores (alguns germes e insetos ainda conseguem teoricamente pular para outras árvores quando a brisa as faz se tocarem).

Entretanto ainda não existem provas definitivas de que a timidez entre árvores oferece muitas dessas possíveis vantagens. Os dosséis florestais — as copas de algumas das árvores mais altas do mundo — não são fáceis de estudar, afirma Lowman, uma autoproclamada “arbonauta” e uma das raras cientistas dedicada ao estudo das copas. Examinar as copas das árvores requer uma certa medida de escalada, equilíbrio e coragem. “A maior dificuldade é enfrentar a gravidade para alcançar essas alturas”, afirma ela.

Ainda assim, desprezar o dossel de uma árvore é como tentar entender o corpo humano apenas da cintura para baixo, explica Lowman. As coroas das árvores são repletas de vida — e grande parte dessa biodiversidade ainda pode permanecer desconhecida, sobretudo nos trópicos.

Felizmente, a timidez entre árvores “não requer pegar um avião”, brinca Putz. “Acontece por toda parte — e olhar para o alto e observar as árvores é uma sensação enriquecedora.”

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