Estados Unidos geram mais lixo plástico que qualquer outro país, aponta estudo
Pequeno grupo de países asiáticos foi amplamente culpabilizado pela crise da poluição plástica, porém novos estudos mostram a contribuição dos EUA.
Sacolas plásticas dos supermercados Walmart de várias partes dos Estados Unidos aguardando processamento em uma usina de reciclagem que antes era uma unidade de processamento de alimentos abandonada, em Montezuma, estado da Geórgia.
Quando a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos divulgou seu plano para tratar os resíduos marinhos no início do mês de outubro, citou cinco países asiáticos — China, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã — como responsáveis por mais da metade dos resíduos plásticos despejados nos oceanos todos os anos.
“Os Estados Unidos têm algumas das mais bonitas praias e oceanos do mundo, e seu litoral é incrível”, escreve o Presidente Donald Trump em letras garrafais na primeira página do plano. “Como presidente, vou continuar fazendo tudo o que eu puder para impedir que outros países transformem nossos oceanos em lixões.”
O problema dessa declaração, afirmam os cientistas, é que distorce as complexidades de um desafio global e contribui para um sentimento de complacência nos Estados Unidos de que os resíduos marinhos são um problema causado pela Ásia. Agora, pesquisa publicada na revista científica Science Advances reanalisa o papel dos Estados Unidos como consumidor de plástico e conclui que o país ainda tem muito trabalho interno a fazer para controlar os seus resíduos.
A China pode ser o maior produtor de plástico do mundo, como mostra o estudo, mas os Estados Unidos são de longe o maior produtor de resíduo plástico do mundo — tendo produzido cerca de 42 milhões de toneladas métricas em 2016. O país norte-americano também ocupa o terceiro lugar entre os países costeiros em destinação de dejetos, lixo despejado ilegalmente e outros resíduos irregulares para sua costa.
Enquanto isso, menos de 10% dos resíduos plásticos dos Estados Unidos são reciclados, e o país envia há mais de 30 anos metade dos seus plásticos recicláveis para o exterior, principalmente para a China e outros países em desenvolvimento que não possuem infraestrutura para tratá-los. A prática sofreu drástica redução somente quando a China parou de comprar rejeitos de plástico em 2018, como parte de uma campanha ecológica para limpar o próprio país.
Os autores do estudo explicam que o fizeram, em parte, porque o “apontar de dedos” não tem ajudado a unir o mundo em prol de uma solução global.
“Precisamos reconhecer, possuímos uma grande população costeira [nos Estados Unidos]. Somos grandes consumidores e isso traz consequências. Precisamos deixar de ser tolos e deixar de acreditar que tudo que precisamos fazer é impedir que os asiáticos joguem lixo nos oceanos para que tudo fique bem”, declarou Ted Siegler, economista e parceiro da DSM Environmental Services, em Windsor, Vermont, e coautor do estudo.
A nova pesquisa não é a única análise de como os Estados Unidos tratam os resíduos plásticos. A Academia Nacional de Ciências realizou sua primeira reunião pública na semana passada para discutir uma avaliação de 18 meses sobre a parcela de contribuição dos Estados Unidos em termos de resíduos plásticos. A avaliação foi encomendada pelo Congresso e deve ser concluída no fim de 2021. Essa pesquisa está incluída na legislação que financia o programa de resíduos marinhos conduzido pela Agência Norte-Americana de Administração dos Oceanos e da Atmosfera (Noaa), que irá supervisionar o projeto. Na convocação para a reunião, Amy Uhrin, cientista-chefe do programa de resíduos marinhos da Noaa, lembrou à plateia, “não é um problema só do Sudeste Asiático”.
Narrativa da culpa
Ironicamente, a narrativa asiática se firmou depois que alguns dos mesmos autores do novo estudo publicado na revista científica Science Advances publicaram a primeira análise detalhada do problema global de resíduos em 2015. Utilizando dados do Banco Mundial de 192 países costeiros, concluiu-se que, em média, 8 milhões de toneladas métricas de lixo plástico produzidas na costa são despejadas nos oceanos todos os anos. Esse número vem sendo aceito como parâmetro de referência.
No estudo de 2015, os cientistas também publicaram uma tabela listando os 20 países que mais contribuem com resíduos plásticos, que foi amplamente divulgada desde então. Os cinco principais poluidores plásticos incluíam China, Indonésia, Filipinas, Vietnã e Tailândia. Os Estados Unidos ficaram em vigésimo, o único país desenvolvido a aparecer na lista.
Certamente, países asiáticos e africanos em desenvolvimento que são muito populosos, que têm uma classe média em expansão, um apetite crescente por bens de consumo e uma estrutura de gerenciamento de resíduos deficiente contribuem consideravelmente para o problema global.
Mas Dave Ford, ex-executivo de publicidade, acredita que essa narrativa seja displicente. Em 2019, ele utilizou a Soul Buffalo, uma rede de lideranças fundada por ele, para reunir gigantes da indústria e ambientalistas na busca por soluções para o problema do resíduo plástico.
“Contamos com a participação de 70 das maiores organizações do mundo e 25 marcas”, ele conta. “Mantemos um diálogo constante com os maiores líderes da indústria. Mas pelo menos uma dúzia de empresas dos Estados Unidos alegaram que não fazia sentido se juntar à iniciativa porque o problema é, em grande parte, da Ásia.”
Winnie Lau, cientista da Pew Charitable Trusts que não participou do estudo da revista científica Science Advances, afirma que o estudo “esclarece a dimensão das contribuições de países de maior renda per capita como os Estados Unidos para o problema global da poluição marinha por plástico”. Ela conta que os resultados reforçam as conclusões de uma pesquisa realizada pela própria Pew sobre o lixo plástico.
Em julho deste ano, em parceria com a SYSTEMIQ, uma assessoria ambiental sediada em Londres, a Pew projetou que a quantidade de resíduo plástico nos oceanos deve triplicar até 2040, a menos que o mundo tome medidas urgentes para reduzir o uso de plásticos e controlar o descarte.
O novo trabalho
O estudo pioneiro de 2015 sobre o plástico marinho não incluiu o descarte ilegal e a exportação de lixo plástico. Na nova análise, a equipe levou em consideração essas ações, mas somente para os Estados Unidos. Eles afirmam que dados de outros países eram inconsistentes ou inexistentes.
“Não estamos tentando refazer o estudo de 2015”, conta Kara Lavender Law, cientista marinha da Associação de Educação Marinha de Woods Hole, Massachusetts, e autora principal do novo estudo. “O objetivo principal era analisar os Estados Unidos.”
No entanto, os cientistas descobriram que muitos países em desenvolvimento que possuíam um gerenciamento de resíduos deficiente no estudo de 2015, que utilizou dados de 2010, apresentaram desde então melhorias no tratamento de resíduos e na infraestrutura. Os cinco principais países asiáticos também registraram progresso. A China, por exemplo, informou uma redução de 60% na produção de lixo e uma diminuição de 51% do lixo tratado inadequadamente, principalmente em razão da rápida construção de unidades de incineração.
Analisando dados de 2016, a equipe descobriu que 3% de todo o resíduo plástico gerado nos Estados Unidos foi descartado de forma inapropriada ou despejado ilegalmente na natureza. Esse percentual parece pequeno, mas considerando o volume de resíduos, soma cerca de 1,25 milhão de toneladas métricas.
Em 2016, mais da metade das 3,91 milhões de toneladas métricas de plásticos recolhidos nos Estados Unidos foram enviadas para o exterior. Desse total, 88% foram para países que não dispõem de recursos adequados para tratar e processar esse plástico. A equipe calculou que um milhão de toneladas métricas de lixo exportadas dos Estados Unidos acabaram poluindo a natureza fora de suas fronteiras.
O Conselho Americano de Química, um grupo comercial do setor, contesta o uso de números de 2016, que não refletem mudanças recentes e significativas no mercado de resíduos plásticos global. Desde 2018, quando a China deixou de comprar lixo plástico importado, as exportações de resíduos plásticos dos Estados Unidos diminuíram em 66%. A ONU também buscou, através da Convenção de Basileia, controlar o comércio de resíduos plásticos, mesmo não tendo os Estados Unidos como país signatário.
Os autores do novo estudo afirmam que apesar de o mercado de resíduos plásticos ter sido abalado, a razão principal para os Estados Unidos exportarem tanto lixo não mudou: a reciclagem no país continua sendo disfuncional e precisa de uma reestruturação urgente, uma condição observada pela Academia Nacional de Ciências na reunião da semana passada.
No total, os Estados Unidos despejaram 2,24 milhões de toneladas métricas na natureza em 2016, e dessa cifra, mais da metade — 1,5 milhão de toneladas métricas — foram para o litoral, representando boas chances de despejo nos oceanos.
Essas 2,24 milhões de toneladas métricas seriam suficientes para cobrir o gramado da Casa Branca até a altura do Empire State Building, conta Jenna Jambeck, professora de engenharia ambiental da Universidade da Geórgia e uma das autoras do estudo.
Ainda que isso seja uma fração do que foi produzido pelos países em desenvolvimento, Law sugere uma outra maneira de observar os números: ainda que sejam responsáveis por apenas 4% da população mundial, os Estados Unidos geraram 17% de todo o resíduo plástico. O que podemos aprender com o novo estudo, ela explica, é muito simples: “devemos olhar para o nosso próprio quintal para ver o que está acontecendo com o nosso lixo plástico”.