Esta destemida pulga d’água está afetando os Grandes Lagos

A pulga d’água espinhosa, uma minúscula espécie invasora, está exterminando os plânctons nos lagos, enfraquecendo um ecossistema de peixes importantes.

Por Tim Folger
Publicado 7 de dez. de 2020, 11:50 BRT
Pulga d’água espinhosa no dedo indicador de um pesquisador.

Pulga d’água espinhosa no dedo indicador de um pesquisador.

Foto de Minnesota Aquatic Invasive Species Research Center

DULUTH, MINNESOTA, EUA — Em uma manhã tranquila de setembro, na popa da embarcação de pesquisa Blue HeronDonn Branstrator cheirou o conteúdo de uma amostra que alguns pós-graduandos coletaram das profundezas do lago Superior. “É por isso que os peixes têm esse cheiro”, disse Branstrator, ecologista da Universidade de Minnesota, em Duluth. O odor dos peixes resulta de crustáceos planctônicos de apenas alguns milímetros de comprimento, uma fonte primária de alimento para todos os peixes do lago.

Os mais importantes são os crustáceos Daphnia — um gênero que compreende cerca de 100 espécies de água doce. Esses pequenos animais são essenciais para a saúde do lago: além de fornecerem alimento para os peixes, eles ingerem algas flutuantes, batendo as pernas constantemente para criar microcorrentes que atraem as algas até suas pequenas bocas. Ao se alimentarem das algas, as criaturas do gênero Daphnia ajudam a manter o sistema em equilíbrio.

Mas a espécie está diminuindo no lago Superior e em quase todos os outros corpos d’água na região dos Grandes Lagos. Sua população foi reduzida por um predador invasor e destemido, a pulga d’água espinhosa.

Bythotrephes longimanus é um crustáceo bem maior que os do gênero Daphnia — com cerca de 13 milímetros de comprimento, o que o torna um gigante do mundo plâncton. Ele é um predador visual, com apenas um globo ocular preto, mandíbulas proeminentes e uma cauda farpada responsável por cerca de 70% de seu comprimento. Nativo do lago Ladoga, próximo ao mar Báltico na Rússia, chegou ao lago Ontário no início da década de 1980, após navios de portos europeus despejarem água de lastro no rio São Lourenço. Em 1987, chegou ao lago Superior. Atualmente a espécie está estabelecida em dezenas de lagos menores por toda a região, onde se alimenta de Daphnia e outros zooplânctons, despedaçando-os com suas mandíbulas.

Bythotrephes, pulga d’água com cauda longa e espinhosa que se alimenta de outros zooplânctons e compete com os peixes por comida, se disseminou nos lagos.

Foto de Illustration by Fiorella Ikeue

Estudos recentes descobriram que populações de plânctons nativos em alguns dos lagos de Minnesota foram reduzidas em até 60% desde a chegada da pulga d’água espinhosa. A extinção dos plânctons, por sua vez, afetou a perca-amarela, o picão-verde e outros peixes nativos. Em lagos invadidos pela pulga d’água espinhosa, os peixes crescem mais lentamente durante o primeiro ano de vida, o que os torna mais vulneráveis a predadores. “A pulga d’água espinhosa é realmente uma predadora voraz de plânctons”, disse Branstrator. “Portanto, gera um impacto direto na energia e nutrição que sustentam os peixes. Todos os peixes jovens se alimentam de plânctons.”

Em um pequeno laboratório no convés superior do Blue Heron, Megan Corum, uma das alunas de Branstrator, utilizou um microscópio conectado a um monitor panorâmico para me mostrar algumas dessas criaturas em imagens capturadas nas águas do lago Superior. Não havia pulgas d’água espinhosas à vista, mas Corum mostrou um indivíduo do gênero Daphnia, com suas antenas eriçadas e olhos pretos. Ela focou em um por um tempo. Através de sua carapaça vítrea, pudemos ver seu delicado coração tubular castanho-avermelhado batendo suavemente.

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    Os plânctons no lago Superior estão sendo vítimas da pulga d’água espinhosa, o que consequentemente ameaça os peixes do lago. Os peixes não podem comer a pulga d’água espinhosa devido a sua cauda repleta de farpas que fica presa na garganta.

    Foto de Keith Ladzinski, National Geographic

    As espécies do gênero Daphnia, que compõem o plâncton ameaçado pela pulga d’água espinhosa, se alimentam das algas dos Grandes Lagos, o que ajuda a manter o sistema em equilíbrio.

     

    Foto de Keith Ladzinski, National Geographic

    Uma praga entre muitas

    A pulga devoradora de plânctons é apenas um dos muitos intrusos nos Grandes Lagos, que abrigam mais espécies invasoras — um número que ultrapassa 180 — do que qualquer outro sistema de água doce do planeta. As lampreias navegaram do Atlântico por canais de navegação recém-construídos, chegando ao lago Ontário em meados da década de 1800. Essas predadoras de longa data capturam trutas com suas bocas redondas repletas de dentes, drenando os fluidos corporais das presas. Barreiras, venenos e armadilhas impediram que as lampreias prejudicassem a pesca, atividade que movimenta bilhões de dólares nos Grandes Lagos.

    Outros invasores também foram trazidos nos tanques de lastro de navios cargueiros, assim como a pulga d’água espinhosa. Os mexilhões quagga, outro intruso do Báltico, transformaram completamente a ecologia dos lagos Michigan e Huron nos últimos 30 anos. Atualmente somando trilhões apenas no Lago Michigan, os mexilhões filtram cerca de metade da água do lago a cada poucos dias, sugando algas microscópicas. Ao contrário das espécies do gênero Daphnia e de outros herbívoros nativos, os mexilhões filtram quase tudo da coluna de água.

    “O lago Michigan está se parecendo com as águas abertas do Caribe”, conta Hugh MacIsaac, biólogo especializado em espécies invasoras da Universidade de Windsor, em Ontário. Há apenas duas décadas, suas águas eram acastanhadas e repletas de plânctons. Atualmente, as águas límpidas do lago parecem convidativas, mas essa limpidez é um sinal de que não há vida — os efeitos da redução na população de plânctons se espalharam pela cadeia alimentar.

    O estado agora abastece o lago com menos salmão — uma espécie não nativa propositalmente introduzida que se tornou o principal propulsor da pesca esportiva, que movimenta US$ 7 bilhões — porque a população de presas do salmão que se alimentam de algas reduziu. “Algumas das principais espécies de presas do salmão crescem na metade do ritmo em comparação ao período anterior aos mexilhões”, explica Edward Rutherford, biólogo de pesca do Laboratório de Pesquisa Ambiental dos Grandes Lagos em Ann Arbor, Michigan.

    A boa notícia com relação a espécies invasoras é que novas leis foram estabelecidas para controlar o derramamento de água de lastro nos rios. Desde 2008, todos os navios que entram no rio São Lourenço vindos do Atlântico são obrigados a lavar seus tanques de água de lastro com água salgada, o que mata qualquer criatura de água doce que possa estar nos tanques. E em 2017, um regulamento das Nações Unidas determinou que todos os novos navios fossem equipados com sistemas de tratamento de água de lastro. Os resultados foram surpreendentes.

    “Passamos de quase duas espécies invasoras por ano [na água de lastro] para zero na última década”, disse Rochelle Sturtevant, ecologista da Agência Norte-Americana de Administração dos Oceanos e da Atmosfera.

    Pulgas d’água espinhosa presas juntas em uma linha de pesca.

    Foto de Minnesota Sea Grant

    Avisos com dicas para reduzir a propagação de pulgas d’água espinhosas.

    Foto de Minnesota Aquatic Invasive Species Research Center

    Tarde demais

    Contudo em muitos casos o dano já foi feito. Não existem maneiras eficazes de controlar mexilhões invasores ou pulgas d’água espinhosas. Os peixes não comem as pulgas, pois sua cauda farpada fica presa na garganta dos peixes, então eles as cospem. As populações de pulgas d’água espinhosas podem se tornar tão densas que chegam a atrapalhar os pescadores, obstruindo as linhas de pesca com bolhas pegajosas e impedindo sua passagem pelos ilhoses da vara de pescar.

    Criaturas pequenas como as do gênero Daphnia passam despercebidas pela maioria de nós. No entanto, a alteração em massa das comunidades de plânctons em lagos de água doce pode ter mais impactos negativos sobre a biodiversidade do que a extinção de espécies mais icônicas já ameaçadas. Estamos observando um experimento ecológico não intencional desordenado, com resultados desconhecidos. Embora seja improvável que a pulga d’água espinhosa elimine completamente as espécies do gênero Daphnia e outros plânctons dos Grandes Lagos, o minúsculo invasor já alterou permanentemente a base da cadeia alimentar da qual todos os peixes dos lagos dependem. Ainda não se sabe o que isso significa para o futuro dos Grandes Lagos.

    “Gostamos de elefantes e de girafas”, disse MacIsaac. “Não queremos que os rinocerontes sejam extintos. Mas o que acontecerá se começarmos a perder nossas espécies nativas de plânctons? A maioria das pessoas não se importa.” Um estudo recente descobriu que a pulga d’água espinhosa exterminou três espécies de plânctons em um único lago no norte de Ontário.

    “Pensem nisso”, disse MacIsaac. “Se 150 lagos forem colonizados por pulgas d’água espinhosas — esse número pode ser bem mais alto — e multiplicarmos por três espécies por lago, seriam 450 populações de zooplânctons exterminadas por um invasor.”

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