A vez dos carros elétricos finalmente chegou?

Estamos prestes a fazer a transição para o uso de veículos elétricos — se Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e o Congresso dos Estados Unidos derem os passos certos.

Por Craig Welch
Publicado 22 de fev. de 2021, 07:00 BRT
A falta de pontos de recarga de carros elétricos é um dos obstáculos enfrentados por esses ...

A falta de pontos de recarga de carros elétricos é um dos obstáculos enfrentados por esses veículos na corrida para se manter à frente dos veículos movidos a combustível. Uma ação rápida de incentivo aos veículos elétricos é considerada fundamental na luta contra o aquecimento global.

Foto de Justin Sullivan, Getty

O pai de Joe Biden vendia carros usados, atraindo o atual presidente dos Estados Unidos ao mundo dos motores de combustão. Quando pequeno, Biden lavava veículos aos fins de semana, uma vez pegou emprestado um carro da marca Chrysler que estava no estacionamento para ir ao baile de formatura e ia a leilões de automóveis para ajudar a abastecer a concessionária de seu pai. O presidente Biden ainda possui o Corvette verde ano 1967 presenteado por seu pai em seu casamento, que, segundo comentário dele à revista Car and Driver, tem “um torque ainda bastante forte”.

Mas se a força motriz residente na Casa Branca conseguir o que almeja — e essa é uma grande incerteza — talvez algum dia a presidência de Biden seja considerada o começo do fim dos carros e caminhões movidos a combustível nos Estados Unidos.

Biden está propondo reformas abrangentes no sistema energético do país para enfrentar as mudanças climáticas. Mas as reformas não se limitam apenas a tornar a rede elétrica mais ecológica ou extinguir o uso do carvão e do gás natural pela nação. O transporte representa mais de um quarto das emissões de gases de efeito estufa dos Estados Unidos, cuja redução se revelou especialmente difícil diante da quantidade de veículos nas estradas. Por isso, Biden está promovendo uma infinidade de propostas para mudar o rumo do país em direção ao uso de veículos elétricos.

De acordo com a maioria das avaliações, a popularidade dos veículos elétricos e híbridos já está em ascensão. Contudo, apesar da avalanche de notícias promissoras, as trocas dos carros movidos a combustível continuam resistentemente irrisórias em comparação com a escala do problema, até mesmo quando as temperaturas globais quebram recordes ano após ano devido ao uso de combustíveis fósseis. Os veículos limpos ainda representam apenas 2% dos carros vendidos nos Estados Unidos, 5% na China e 10% na Europa — e esses são os maiores mercados do mundo.

“Essa transição não é inevitável de modo algum”, afirmou Nic Lutsey, do Conselho Internacional sobre Transporte Limpo, organização de pesquisa independente que trabalha com legisladores de todo o mundo.

Ainda assim, analistas, ambientalistas, especialistas em tecnologias limpas e pesquisadores financiados pela indústria automotiva afirmam que a combinação certa de regulamentação, incentivos ao consumidor e apoio à pesquisa pode ser suficiente para promover uma expansão drástica. E, até o momento, há um consenso entre esses especialistas de que Biden parece decidido a tomar as medidas certas.

“O problema está chegando ao ápice, então este é um momento crítico”, afirma Sam Ricketts, membro da equipe que desenvolveu o plano de ações climáticas de Jay Inslee, governador de Washington, durante a eleição presidencial. Muitas das ideias de Inslee, desde então, foram incorporadas aos planos de Biden. “A questão é a velocidade de adaptação da indústria automobilística”, conta Ricketts, “será rápida o suficiente para enfrentar a crise climática?”

Isso dependerá, em grande parte, dos próximos acontecimentos em Washington, D.C. — e se Biden e os democratas, que detêm a Casa Branca e uma maioria tênue no Congresso, conseguirão aprovar seus projetos.

Este carro elétrico mostrado na imagem no Monte Rainier, foi produzido pela Anderson Electric Car Co. entre 1910 e 1920.

Foto de Cress-Dale Photo Co., Library of Congress

A primeira geração do Prius, veículo híbrido da Toyota Motor Co, foi apresentada em 14 de outubro de 1997 em Nagoya, Japão.

Foto de The Asahi Shimbun, Getty Images

Tão perto, mas ao mesmo tempo tão longe

Os veículos movidos a eletricidade existem desde o advento da indústria automobilística — diversos dos primeiros carros do século 19 eram movidos a elétrons. Mas seu potencial real não ficou evidente até o início da produção global em massa do híbrido Prius pela Toyota, há 20 anos. Menos de uma década depois, a Tesla lançou o Roadster, seu carro esportivo totalmente elétrico, e conseguiu um empréstimo de US$ 465 milhões do Departamento de Energia dos Estados Unidos, dando início à produção de seus sedãs totalmente elétricos. Atualmente, o empréstimo já foi quitado e a Tesla vale sete vezes mais do que a General Motors.

Hoje, é impossível não notar a tendência. Desde 2016, as vendas de veículos elétricos e híbridos quase dobraram na América do Norte e, em 2018, pela primeira vez, as vendas aumentaram até mesmo com a queda dos preços da gasolina. No ano passado, com a economia destruída pela covid-19, as compras de veículos elétricos ou parcialmente elétricos aumentaram quase 5% em relação a 2019, ante uma queda de 15% nas vendas de automóveis em geral.

Já existem Hummers elétricos, um Mustang elétrico e uma motocicleta Harley-Davidson elétrica, e os fabricantes de automóveis norte-americanos planejam triplicar a quantidade de modelos não movidos a combustívelpara 203 até 2024.

Os preços das baterias e dos motores estão cada vez menores e provavelmente reduzirão ainda mais devido à inovação e às economias de escala que surgem quando empresas como a Amazon, que planeja comprar 100 mil veículos elétricos de entregas nos próximos anos, aumentam sua demanda por esses veículos produzidos em massa. Assim como a produção atual de energia solar e energia eólica custa somente centavos, o preço de um carro ou caminhão não movido a combustíveis fósseis, segundo algumas estimativas, poderá se equiparar aos preços dos veículos tradicionais em no máximo cinco anos. A Ford acredita que, com o tempo, uma versão elétrica futura de sua popular picape F150 se tornará muito mais barata do que a original movida a gasolina.

Ao todo, mais de sete milhões de veículos elétricos atualmente circulam pelas ruas do planeta. A Tesla sozinha já produziu mais de um milhão. A BMW já vendeu meio milhão e acredita que dobrará essa cifra neste ano. A Volkswagen, a maior montadora do mundo, desenvolveu dezenas de modelos elétricos.

“O transporte eletrificado é o futuro”, afirma Kristin Dziczek, economista do Centro de Pesquisa Automotiva de Ann Arbor, Michigan, financiado por fabricantes de automóveis. “Acredito que é um caminho sem volta. A decisão já foi tomada.”

Mas é difícil calcular o quanto falta avançar ainda. Aproximadamente 1,5 bilhão de carros e caminhões movidos a combustível ainda estão em uso. Existem seis vezes mais SUVs movidos a combustível no mundo do que em 2010: cerca de 200 milhões. Uma reportagem do jornal Wall Street Journal publicada nesta semana revelou que a Volkswagen está enfrentando dificuldades com o software de seus novos modelos. Existem menos pontos públicos de recarga rápida em todos os Estados Unidos do que postos de gasolina no Alabama.

A maioria das pessoas não comprará um veículo elétrico até que o preço e a praticidade sejam equiparáveis às alternativas existentes, e “não há mercado no mundo que possa alcançar isso sem algum tipo de investimento público”, ressalta Dziczek.

Na Noruega, onde aproximadamente metade de todos os carros nas estradas não são mais movidos a combustível, há descontos em impostos, isenções de pedágios e uma infinidade de outros incentivos, observa ela.

E embora as montadoras não queiram ser informadas sobre como administrar seus negócios, a maioria dos especialistas concorda que a regulamentação é essencial.

Diante das declarações dos cientistas de que as emissões líquidas de combustíveis fósseis devem ser zeradas até meados do século para evitar o pior agravamento das mudanças climáticas, a China, o Japão e grande parte da Europa estão avançando nas medidas para proibir as vendas de novos veículos movidos a combustível até 2035, ou talvez até antes. A Califórnia, a quinta maior economia do mundo, também está se preparando para proibir as vendas de novos veículos movidos a gasolina não híbridos até 2035, assim como alguns outros estados dos Estados Unidos.

Mas o governo Trump contestou essa autoridade dos estados. Em 2020, o governo Trump afrouxou as normas de economia de combustível dos Estados Unidos, medida que dividiu a indústria e talvez até tenha induzido algumas montadoras a abandonar os planos de produção de carros limpos para se manterem competitivas.

“As montadoras não revelam, mas apreciam uma padronização em todo o mundo”, afirma Alan Baum, analista e pesquisador da indústria automotiva, também de Michigan. A maioria das grandes montadoras deseja produzir o mesmo modelo de cada carro para venda em diversos continentes, o que lhes permite distribuir os custos globalmente.

Normas mais rígidas de eficiência de combustível conferem às empresas liberdade para encontrar seus próprios meios de atingir as metas — seja por meio de modelos totalmente elétricos ou uma mistura de veículos híbridos e econômicos. Mas ao menos obrigam todos os envolvidos a tomarem uma atitude.

Fotos aéreas, tiradas em 24 de outubro de 2020, mostram a superfábrica da Tesla em Xangai, repleta de carros recém-produzidos.

Foto de Costfoto, Barcroft Media, Getty

Mudanças grandes e desafiadoras

É por todos esses motivos que os planos de Biden estão adotando o que Baum denomina abordagem “com o empenho de todos”.

Nesta semana, Biden determinou que o governo comece a estudar se é possível restaurar as normas mais rígidas de economia de combustível afrouxadas por Trump. Mas também busca políticas de compras que requeiram a aquisição exclusiva de veículos elétricos por órgãos públicos federais. Estão em elaboração incentivos à compra de carros e caminhões com combustíveis limpos por consumidores e está sendo cogitada até mesmo a oferta de remuneração para tirar de circulação previamente os veículos de alto consumo de combustível. Biden também planeja expandir em meio milhão a rede nacional de pontos de recarga, ao mesmo tempo em que investirá uma fortuna em pesquisa e inovação.

Biden ainda deseja ajudar a reformular a indústria automotiva e seus fornecedores para transformar os Estados Unidos em um centro global de produção de veículos, evitando assim a dependência da China ou de outros países para a produção de peças como baterias. “Acredito que os Estados Unidos possam recuperar o mercado do século 21 passando por uma transição aos veículos elétricos”, disse ele do banco de seu Corvette verde-metálico em um anúncio da campanha eleitoral divulgado em agosto.

Mas embora Biden possa tomar algumas medidas por conta própria, a maioria precisará passar pela aprovação do Congresso. E embora ele ainda não tenha apresentado propostas detalhadas para a maioria dessas medidas, juntas, elas poderiam custar centenas de bilhões de dólares, o que significa que os democratas no Senado precisarão convencer os republicanos para alcançar os votos necessários, ou terão que enfrentar um processo orçamentário complexo para aprovar as medidas por maioria simples dos votos.

Não será uma tarefa fácil, mas diante dos pedidos de investimentos em “infraestrutura” por diversos anos — e da provável necessidade de programas de recuperação econômica sustentada em resposta à covid-19 — o apoio em muitas regiões pode ser maior do que o esperado, segundo analistas.

Estados e cidades terão que encontrar maneiras de promover o desenvolvimento de uma infraestrutura de recarga em áreas rurais e complexos habitacionais. Parte da infraestrutura necessitará de atualizações na rede elétrica, o que pode atrair apoio bipartidário por ser uma causa possivelmente defendida por todos. Joe Manchin, senador democrata da Virgínia Ocidental, tem solicitado mais investimentos em infraestrutura, assim como Lisa Murkowski, senadora do Alasca, e Marco Rubio, senador da Flórida, ambos republicanos.

“Há um mau pressentimento entre as concessionárias de energia e a indústria automobilística, que gostariam de se posicionar melhor para ter sucesso”, afirma Bracken Hendricks, que também atuou no plano climático de Inslee. Assim como Ricketts, ele agora integra a Evergreen Action, organização que defende aos membros do legislativo a adoção de respostas específicas às mudanças climáticas. “Aliados surpreendentes podem encontrar uma causa comum.”

Ainda assim, para zerar as emissões de carbono até 2050, como Biden se comprometeu a fazer, os novos carros e caminhões movidos a gasolina teriam que ser eliminados em um ritmo acelerado, provavelmente até 2035 ou mesmo antes, o que requer que se prossiga com medidas agressivas. As normas de emissões de combustíveis teriam que ser reduzidas ainda mais a cada quatro ou cinco anos. Será uma meta possível de ser alcançada?

“É uma meta bastante ambiciosa”, afirma Dziczek. O crescimento de veículos elétricos precisaria ser exponencial. “Acredito que algumas grandes empresas estão comprometidas em eletrificar toda a frota, mas terão de manter os motores de combustão interna disponíveis até o momento certo.”

O governo federal dos Estados Unidos é o único que realmente tem capacidade para concretizar tal feito. De certa maneira, isso já foi realizado durante as décadas de 1930 e 1940, quando o presidente Franklin Roosevelt livrou a nação da Grande Depressão e durante a Segunda Guerra Mundial. “Franklin D. Roosevelt transformou uma economia agrária em uma sofisticada economia industrial líder mundial em uma década”, destaca Hendricks. O fato de ter havido uma transformação tão rápida da infraestrutura do país no passado não significa que acontecerá novamente — significa apenas que é algo possível de ser feito.

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