Casas com painéis solares e baterias podem ajudar a evitar colapsos na rede elétrica

Até mesmo sistemas pequenos como os que mantêm as luzes acesas em algumas residências nos EUA podem desempenhar um papel importante na proteção do sistema elétrico em geral, segundo especialistas.

Por Alejandra Borunda
Publicado 28 de mar. de 2021, 08:00 BRT
Mike Renner sobe no telhado de sua casa em Weatherford, Texas, para fazer a manutenção de ...

Mike Renner sobe no telhado de sua casa em Weatherford, Texas, para fazer a manutenção de seu aquecedor solar de água e painéis de energia solar. A implementação de uma bateria no sistema pode ajudá-lo em caso de apagão e também pode ajudar a rede elétrica a ser mais resiliente.

Foto de Ron T. Ennis, Fort Worth Star-Telegram/Getty Images

O bairro em que Mauricio Montoya mora estava coberto de neve e ficou sem energia às 5h30 da tarde de uma segunda-feira de fevereiro, durante a onda de frio que devastou o estado do Texas. A noite caiu rapidamente, mergulhando seu bairro, na cidade de Pearland, em um breu assustador e quase completo — à exceção de sua casa. As luzes dele permaneceram acesas graças a um módulo de painéis solares e um conjunto de baterias que mantiveram sua casa aquecida e iluminada até quinta-feira, quando a energia voltou de vez.

A casa de Montoya se transformou em refúgio durante o desastre: vizinhos chegaram para se aquecer, sua família inteira que estava sem energia se mudou para lá. Seus filhos continuaram dormindo nas próprias camas, seguros e aquecidos.

“Foi um alívio ter os painéis e as baterias”, conta ele. “Poderíamos ter continuado assim, utilizando apenas o nosso sistema.”

A complexa infraestrutura de energia nos Estados Unidos fica sobrecarregada com frequência cada vez maior devido a condições climáticas extremas causadas pelas mudanças climáticas e pela demanda maior em geral, problemas que só tendem a aumentar devido ao aquecimento contínuo do planeta e eletrificação dos sistemas em uma tentativa do país em abandonar os combustíveis fósseis.

Projetos de energia solar em menor escala, associados a baterias capazes de armazenar a energia captada no telhado de residências, podem manter as luzes de uma casa acesas até mesmo em casos de queda de energia em toda a rede elétrica, como aconteceu com Montoya. Mas esses projetos também estão começando a desempenhar uma função coadjuvante valiosa para essa rede maior, se conectados à rede elétrica e utilizados corretamente em uma espécie de “usina de energia virtual”, estabilizando os picos e reduções na demanda de energia de forma que poderiam até mesmo evitar alguns tipos de apagões.

Na Califórnia, em Vermont e em alguns outros estados, a teoria — que há anos é um conceito intrigante nos círculos de discussão sobre energias — já vem sendo testada. O Texas, entretanto, ainda não emprega essa estratégia.

“Supriria toda a falta de energia causada pelo congelamento dos diversos compressores e usinas de gás natural? Não, claro que não, mas não teria havido tanto déficit de energia quanto ocorreu” no Texas, afirma Christopher Clack, modelador de energia e presidente da Vibrant Clean Energy, grupo analítico de energia.

O pequeno pode ser belo

Algumas fontes de energia renovável, como a solar e a eólica, sempre enfrentaram um grande problema: são transitórias. O sol nasce e se põe. Os ventos sopram forte e enfraquecem. Por isso, há muito tempo o enfoque passou a ser a busca de um modo eficaz de armazenar a energia excedente, o que tem se revelado um problema complexo, ao menos em grande escala.

Os avanços tecnológicos das baterias vêm mudando esse cenário. Baterias capazes de armazenar a eletricidade produzida por energia solar (ou qualquer outra) se tornaram muito mais eficientes e muito mais baratas na última década. O custo das baterias em grande escala caiu 70%.

Como consequência dessa redução, seu uso disparou. Desde 2010, a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos relata que a capacidade de armazenamento no país aumentou mais de 10 vezes, chegando a dobrar em 2020. A Wood Mackenzie, empresa que atua na análise energética, acredita que triplicará em 2021 e aumentará seis vezes mais até 2025.

A maior parte desse crescimento ocorre nos chamados sistemas “à frente do medidor”, como o enorme sistema Moss Landing de 300 megawatts em Monterey, Califórnia, atualmente o maior do mundo. Mas uma grande parcela do crescimento é proveniente dos tipos de sistemas de bateria instalados em residências pelos próprios moradores, geralmente em conjunto com um pequeno módulo de painéis solares no telhado (por exemplo, Montoya tem três baterias Powerwalls da Tesla e um módulo de painéis solares).

“O potencial é gigantesco”, afirma Chloe Holden, especialista em armazenamento residencial da Wood Mackenzie. “Depende da quantidade de casas que podem ter um sistema de armazenamento solar e de baterias e esse número é altíssimo.”

Após os apagões da Califórnia ocorridos em 2019 e 2020, muitas famílias no estado começaram a buscar meios para enfrentar esses desafios. Muitas compraram geradores a diesel, mas a Sunrun, firma de instalação de energia solar, informou um aumento nas vendas de instalações solares e de baterias de pequena escala, o tipo que poderia abastecer residências durante uma curta interrupção na energia e recarregar com o sol no dia seguinte. Em 2019, cerca de 20 mil residências na Califórnia contavam com sistemas de armazenamento residencial instalados; em meados de 2020, eram cerca de 30 mil, afirma Bernadette del Chiaro, diretora da Associação de Armazenamento e Energia Solar da Califórnia. Em meados de 2021, ela acredita que serão 60 mil.

Segundo ela, existe uma grande oportunidade diante de um crescimento como esse: aproveitar todas as pequenas frações de energia armazenada “distribuída” como uma espécie de fonte gigante em rede à qual a rede elétrica principal poderia recorrer em caso de sobrecarga.

Testando a viabilidade elétrica

Somente nos últimos três anos os sistemas de baterias se tornaram amplamente disponíveis e grandes o suficiente para começar a testar o sistema de distribuição. Algumas empresas e concessionárias de energia vêm instalando sistemas de armazenamento a um custo bastante reduzido em residências em troca de controle ocasional sobre a capacidade das baterias. Muitas vezes, as empresas também possuem algum controle sobre a carga elétrica de seus consumidores, ajustando sutilmente seu termostato e refrigerador de modo a reduzir o gasto energético total sem afetar o conforto. Normalmente, os clientes recebem uma remuneração pela energia fornecida.

Em Vermont, a Green Mountain Power, concessionária local, possui mais de 2,5 mil consumidores com baterias conectadas à rede elétrica geral e que aceitaram o controle da concessionária algumas vezes por ano durante picos na demanda. O sistema evita sobrecargas e barateia a eletricidade.

Projetos-piloto semelhantes conduzidos por concessionárias de energia estão em andamento em Portland, Oregon e no Colorado, além de muitos outros menores. Em setembro, a Comissão Federal Regulatória de Energia, órgão supervisor dos sistemas elétricos nos Estados Unidos, mandou as concessionárias de energia de todo o país descobrirem como implementar o conceito: uma decisão que, segundo Holden, provavelmente promoverá uma grande inovação e desenvolvimento desses tipos de sistemas nos próximos anos.

Esse avanço poderia até mesmo dissuadir as concessionárias de energia de construir novas usinas movidas a combustíveis fósseis e talvez até aposentar antecipadamente algumas usinas mais antigas, afirma Jeremiah Johnson, pesquisador de energias da Universidade Estadual da Carolina do Norte. “Se houver um número suficiente a que se possa recorrer quando necessário, será possível mostrar que novas usinas a gás são desnecessárias”, explica ele.

Uma forma de prevenção de apagões

Muitos apagões acontecem por um motivo simples: a demanda por energia é maior do que o sistema pode fornecer.

Isso geralmente acontece durante o verão, quando está muito quente e aparelhos de ar-condicionado são ligados, consumindo muita energia e disparando sua demanda. A demanda acentuada durante ondas de calor extremas contribuíram para os apagões ocorridos no norte da Califórnia no verão passado no país.

Mas a demanda elevada também pode ocorrer durante o inverno, um dos motivos do desastre recente no Texas, explica Ryan Hledik, analista de energia da empresa Brattle Group. Apenas utilizando as leis da física é possível perceber que é preciso mais energia para aquecer uma casa de -12°C a 18°C do que para resfriá-la de 37°C a 21°C e, no Texas, grande parte dessa energia tem origem elétrica. Cerca de 60% das residências do estado são aquecidas por energia elétrica (o restante é aquecido por gás natural).

Seja a falta de energia causada pelo calor ou pelo frio, os gestores de energia geralmente notam o problema e tentam “estabilizar” a demanda em suas complexas infraestruturas — às vezes pedindo às pessoas que desliguem equipamentos elétricos não essenciais, às vezes pedindo às centrais elétricas que operam exclusivamente em períodos de alta demanda para iniciar as operações e queimar gás, combustível de aviação ou outros combustíveis fósseis a fim de produzir energia, ou comprando eletricidade sobressalente de outras regiões para compensar o déficit.

Contudo, algumas vezes, essas estratégias não funcionam e simplesmente não há energia suficiente para atender à demanda. É quando as luzes se apagam: a concessionária de energia desliga os sistemas para evitar panes catastróficas ou ocorrem sobrecargas e, com elas, desligamentos dos sistemas.

As redes de distribuição de baterias — tanto de porte industrial quanto residencial — poderiam ajudar simultaneamente moradores em busca de abastecimento contínuo de energia e a rede elétrica em geral.

O primeiro efeito dessas redes, explica Hledik, é uma redução na demanda: residências com abastecimento próprio não aumentam a carga de uma rede elétrica já próxima de seu limite. Somente essa “redução na demanda” já pode ser fundamental em momentos críticos.

Além disso, é possível recorrer a todas as baterias dessa rede para obter energia suficiente de modo que as quedas de energia nem venham a acontecer.

Seja por reduzir a demanda ou oferecer mais uma fonte de energia, essas usinas de energia virtuais são “bastante úteis”, afirma Amy Heart, diretora de políticas da Sunrun, empresa nacional de energia solar e baterias.

Em agosto passado, na Califórnia, usinas de energia virtuais poderiam ter evitado apagões. Houve apenas algumas horas cruciais em que a demanda de fato superou a capacidade em cerca de 500 a 100 megawatts, conta del Chiaro (uma usina de gás natural de porte médio pode fornecer cerca de 500 megawatts de energia). Mas, por diversos motivos, foi solicitada a ajuda de apenas algumas das 30 mil baterias em todo o estado e a concessionária de energia não conseguiu compensar o déficit. Del Chiaro espera que alguns dos problemas logísticos e de políticas sejam resolvidos até a metade do ano — e que a capacidade crescente de armazenamento de baterias de residências aumentará esse potencial. A empresa OhmConnect está desenvolvendo uma usina de energia virtual de 550 megawatts e muitos outros projetos aguardam implantação.

“A situação da Califórnia poderia ter sido resolvida completamente com mais armazenamento”, afirma Clack.

No Texas, a situação foi muito pior e mais difícil de resolver, conta ele. O clima congelante derrubou muitas fontes de energia importantes justamente quando a demanda de energia disparou. Os déficits de energia alcançaram entre 20 e 25 gigawatts durante vários dias consecutivos no estado, mais de 10 vezes o que foi enfrentado pela Califórnia no ano passado.

E embora cerca de 50 mil residências no Texas estejam equipadas com baterias que, em tese, poderiam ser utilizadas como uma usina de energia virtual para estabilizar a carga, não há políticas e licenças em vigor para que sejam empregadas a fim de reforçar a rede — apenas para abastecer seus gratos proprietários, como Montoya. Mas, se estivessem disponíveis, Clack acredita que um conjunto considerável de usinas de energia virtuais poderia ter atenuado o desastre.

“Qualquer energia obtida pela rede elétrica do Texas durante aquele período foi útil, fosse pouca ou abundante, porque havia uma necessidade urgente de energia, de eletricidade”, afirma Joshua Rhodes, especialista em energias da Universidade do Texas em Austin.

Usinas de energia virtuais e redes de baterias não são uma solução mágica, adverte Holden. Mas ela acredita que, com o aumento da capacidade de armazenamento, haja uma expansão no aproveitamento desses sistemas. E existe procura por parte das residências: a Sunrun informou um aumento de 350% no tráfego de seu site e um aumento de 70% nos pedidos de baterias ligadas a sistemas solares no decorrer da semana posterior à tempestade no Texas.

“Este pode ser um momento parecido com o do surgimento das geladeiras em 1920, sabe?”, compara Jason Burwen, presidente da Associação de Armazenamento de Energia dos Estados Unidos. “Na época, as geladeiras eram consideradas um luxo de causar inveja e agora é impossível viver sem elas.”

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