Antes raros, raios no Ártico agora são frequentes e podem remodelar a região

Pesquisas recentes apontam que o número de raios na região do extremo norte do planeta pode duplicar até o ano de 2100, e que esse aumento já começou a acontecer.

Por Alejandra Borunda
Publicado 18 de abr. de 2021, 17:00 BRT
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Um raio ilumina o céu durante tempestade no território de Yukon, no Canadá.

Foto de Prisma by Dukas Presseagentur GmbH/Alamy Stock Photo

Raios na região do Ártico eram tão raros que algumas pessoas passavam a vida inteira sem presenciá-los. No entanto, à medida que a região aquece rapidamente, eles podem se tornar mais comuns — e seus efeitos têm o potencial de afetar outras regiões.

Em um estudo recente, uma projeção concluiu que a ocorrência de raios no Ártico pode dobrar até o final deste século. Outro estudo aponta que o número de raios no Ártico pode ter triplicado durante a última década — embora essa constatação seja questionada por alguns pesquisadores.

Cientistas afirmam que o aumento no número de raios é um sinal alarmante da aceleração das mudanças climáticas atuais, embora eles também tenham preocupações sobre o futuro: o aumento da ocorrência de raios pode provocar inúmeras mudanças ecológicas, resultando na liberação de enormes reservas de carbono do Ártico na atmosfera, acelerando ainda mais o aquecimento.

“A quantidade anterior de raios é baixa, mas pode causar um impacto grande no clima”, relata Yang Chen, pesquisador da Universidade da Califórnia em Irvine e o principal autor de um dos novos estudos publicado na revista científica Nature Climate Change.

Incêndios provocados por raios estão aumentando

No ano de 2002, quando pesquisadores entrevistaram indígenas idosos de uma comunidade ártica na região noroeste do Canadá, nenhum deles lembrou-se de ter presenciado mais do que algumas tempestades de raios durante suas vidas. Uma idosa lembrou-se de ter visto apenas uma tempestade na década de 1930, quando tinha apenas 5 anos de idade.

Naquela época, os raios na região do Ártico não significavam uma preocupação para os cientistas: era um evento tão raro que mesmo os cientistas que passaram vários verões na região talvez nunca o tenham presenciado.

“Quando comecei a visitar Fairbanks, ficava surpresa quando presenciava uma tempestade”, conta Uma Bhatt, meteorologista da Universidade do Alasca em Fairbanks, que mora no estado há 22 anos e estuda o aumento do número de raios no Ártico.

Nos anos de 2014 e 2015, os maiores incêndios já registrados na região queimaram faixas enormes do Alasca e dos Territórios do Noroeste do Canadá. Esses também foram causados por raios, assim como mais de 90% de todos os incêndios no Ártico.

À medida que a região do Ártico aquece e fica mais seca, as plantas tornam-se mais inflamáveis. Porém, após os incidentes de 2014 e 2015, Sander Veravebeke, cientista climático da Universidade Livre de Amsterdã e um dos autores dos estudos recentes mencionados, passou a questionar a existência de outros elementos nessa história: os raios que causam os incêndios também estavam acontecendo com mais frequência?

“Verifiquei os dados sobre os raios que caíram durante aqueles anos e percebi que não era uma coincidência”, conta Veravebeke. “Um aumento no número de raios imediatamente causa um aumento no número de incêndios.”

Em uma pesquisa realizada em 2017, ele e outros pesquisadores descobriram que o número de incêndios causados por raios na região do Alasca e Territórios do Noroeste tinha mais que dobrado desde 1975, resultando na quebra do recorde de incêndios nos dois locais durante as temporadas devastadoras de 2014 e 2015.

O número de raios aumentou?

Mas os raios realmente estavam atingindo o Ártico com mais frequência? Essa é uma questão complexa, já que não existem registros consistentes e continuamente analisados da ocorrência desse fenômeno abrangendo todo o território do Ártico.

Um satélite lançado em 1995 registrou a ocorrência de raios nos polos, mas ele foi aposentado no ano 2000. Satélites mais modernos e sensíveis aos raios conseguem detectá-los até as extremidades das latitudes médias, mas não abrangem a região dos polos.

Atualmente, redes terrestres que utilizam sensores para detectar as ondas de rádio produzidas pelos raios, conseguem registrar essas atividades no mundo inteiro. Bhatt usou uma rede regional no Alasca para detectar um aumento de 17% no número de raios entre os anos de 1986 e 2015.

No entanto registros que cobrem toda a extensão do Ártico são escassos, com dados de apenas 20 anos e que não são conclusivos o suficiente para documentar uma tendência consistente, explicam os cientistas climáticos.

Recentemente, uma equipe da Universidade de Washington analisou dados obtidos pela Rede Mundial de Localização de Raios, uma rede terrestre de sensores que está em operação desde 2004. Eles descobriram que o número de raios registrados ao norte da latitude de 65 graus, que era inferior a 50 mil em 2010, saltou para aproximadamente 250 mil em 2020. Os pesquisadores explicam que parte dessa diferença pode ser atribuída ao aumento no número de sensores em funcionamento, mas estimam que o número de raios que atingiu a região triplicou ao longo da última década.

Porém outra rede global de detecção de raios, administrada pela empresa Vaisala, não capturou esse aumento drástico. O Banco de Dados Global de Raios (GLD360) começou a operar em 2012, então o número de registros obtidos é menor se comparado à rede utilizada pela equipe da Universidade de Washington. Por outro lado, o GLD360 é mais sensível, conseguindo registrar raios mais fracos e com mais frequência.

Mas, entre os anos de 2012 e 2020, nenhum aumento claro na atividade de raios foi registrado, afirma Ryan Said, engenheiro de pesquisas da Vaisala. Isso não quer dizer que não exista uma tendência, ele explica. Apenas significa que mais anos de observação são necessários para realmente entender como os padrões estão mudando.

“Estamos apenas no início da jornada”, ele afirma.

A rede de raios da Vaisala vem detectando atividades anormais nos últimos anos. Durante o verão do hemisfério norte nos anos de 2019 e 2020, o GLD360 registrou mais de 100 raios ao norte da latitude de 85 graus — incluindo uma série incomum de raios que aconteceu a 555 quilômetros de distância do Polo Norte.

É provável que o número de raios aumente

Independentemente se as mudanças já estejam acontecendo ou não, é fato que as mudanças climáticas causarão um aumento no número de raios na região do Ártico, afirma Chen.

A formação de raios requer um conjunto de elementos bastante específicos que são raros no extremo norte, mas que estão se tornando comuns devido à mudança climática.

Em primeiro lugar, o ar na superfície deve estar quente e carregado de umidade, pronto para flutuar rapidamente. O ar acima da superfície deve estar frio o suficiente para congelar a umidade trazida pelo ar quente que subiu, formando partículas de gelo minúsculas. Todo o sistema tem que ser turbulento a ponto de o ar se movimentar formando redemoinhos, colidindo com as partículas de gelo com tanto vigor que os elétrons se chocam e criam uma carga elétrica. E, finamente, ocorre uma grande descarga, dentro da própria nuvem ou entre a nuvem e o chão.

A atmosfera fria e relativamente estável do Ártico não costumava ser um ambiente propício para tempestades. Mas a temperatura do ar na região aumentou entre um e dois graus Celsius somente nas últimas três décadas, mais rápido do que em qualquer outra região do planeta. 

Chen e os demais pesquisadores, incluindo Veravebeke, desejavam estimar o número de raios que poderiam ser induzidos pelas condições produzidas pelas mudanças climáticas até o fim do século. Eles compararam os dados sobre relâmpagos compilados através do satélite que registrou raios no Ártico na década de 1990 com os dados climáticos do mesmo período, para observar quais condições atmosféricas se apresentavam no momento em que aconteciam as raras ocorrências de raios na região.

Modelos climáticos foram utilizados para projetar condições específicas para a produção de raios e, por extensão, é provável que os raios— que são um pouco diferentes da probabilidade de tempestades em geral — ocorram cerca de uma vez e meia a mais nas regiões de tundra, no futuro, e quase o dobro nas florestas setentrionais. Trata-se de uma mudança relativa muito maior do que a projeção de 50% de aumento da ocorrência no território continental dos Estados Unidos. Algumas pesquisas em nível global apontam que, na verdade, poderia haver uma diminuição no número total de raios até o ano de 2100, em parte porque a região dos trópicos, com grande ocorrência de raios, tem um potencial de aquecimento maior e, consequentemente, menor formação de cristais de gelo.

Não é possível cruzar as informações obtidas pelo satélite que Chen e outros pesquisadores usaram para estimar os raios, com as obtidas pelas redes terrestres utilizadas para detectar o aumento recente na atividade, então os dois resultados não podem ser diretamente comparados ou integrados. Mas os dois estudos enfatizam que “a ocorrência de raios na região do Ártico está ganhando mais importância”, afirma Veravebeke.

No entanto a maior preocupação não é com os raios em si, mas com suas consequências. Em qualquer lugar do mundo, incêndios florestais podem liberar o carbono armazenado em florestas e solos. Por exemplo, os incêndios florestais que aconteceram na Austrália em 2020 emitiram mais de 800 milhões de toneladas de dióxido de carbono, um número aproximadamente uma vez e meia maior que o total anual de emissões do país.

Incêndios não queimam apenas a madeira que está na superfície do solo. “Queimadas são tridimensionais”, explica Michelle Mack, ecologista e especialista em Ártico da Universidade do Norte do Arizona. Elas queimam a matéria orgânica do solo que fica abaixo das chamas superficiais — e o solo do Ártico é muito mais rico em carbono em comparação com os solos de outras regiões do mundo. Ele contém carbono acumulado há décadas apenas nos primeiros metros de profundidade. Ao devastarem os solos na superfície, os incêndios no Ártico têm o potencial de emitir pelo menos o dobro de carbono, se comparados aos incêndios na Califórnia, conta Veravebeke.

Pesquisas apontam que até o fim do século, com o aumento do número de incêndios causados por raios, a área queimada e a quantidade de carbono emitida pelo Ártico podem aumentar mais de 150% em relação à média anual atual de emissões relacionadas ao fogo, que é de aproximadamente 3,4 milhões de toneladas.

Mas a situação ainda pode piorar. Incêndios alteram o ecossistema e abrem novas áreas de terra para as florestas crescerem em direção ao norte. Isso aumenta a probabilidade de ocorrência de incêndios, porque a madeira pega fogo com mais facilidade do que a tundra. 

Além disso, as florestas são mais quentes e propensas a incêndios se comparadas às tundras, porque são mais escuras e, desse modo, absorvem mais luz solar. Chen e outros pesquisadores constataram que, se os incêndios causados por raios aumentarem e acelerarem o deslocamento de florestas ao norte, as emissões de carbono podem aumentar em uma taxa de 570% se comparadas aos níveis atuais, adicionando aproximadamente 23 milhões de toneladas métricas de CO2 na atmosfera a cada ano — cerca de um quinto da situação catastrófica que aconteceu na Califórnia em 2020.

A equipe abordou mas não calculou uma questão ainda mais assustadora: os incêndios provocados por raios poderiam expor o permafrost rico em carbono que sustenta aproximadamente 13 milhões de quilômetros quadrados do Ártico, acelerando o ritmo do degelo e lançando seus imensos estoque de carbono na atmosfera. Em outras palavras, o que significa esse aumento de 570% nas emissões de carbono? “É apenas a estimativa mais baixa”, conclui Chen.  

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