Produção de carne provoca anualmente milhares de mortes devido à qualidade do ar

A agricultura é a principal fonte de poluição atmosférica, causando a morte de cerca de 17,9 mil pessoas nos Estados Unidos a cada ano, segundo novo estudo.

Por Sarah Gibbens
Publicado 13 de jun. de 2021, 07:00 BRT
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Trator ara a terra em Termal, no Vale Coachella. A poeira contribui expressivamente para a má qualidade do ar no vale, que está abaixo dos padrões estaduais e federais dos Estados Unidos. As taxas de internação hospitalar infantil por asma no condado são as mais altas da Califórnia.

Foto de David Bacon, Report Digital-REA, Redux

A poluição atmosférica continua sendo uma das principais causas de morte nos Estados Unidos, geralmente associada aos gases liberados por escapamentos de veículos, chaminés de fábricas e usinas de energia. Agora, uma nova pesquisa demonstrou que 16 mil mortes nos Estados Unidos são resultado da poluição atmosférica decorrente da agropecuária — e 80% dessa poluição resulta da produção de alimentos de origem animal como carne, laticínios e ovos.

Ainda mais mortes são atribuíveis a produtos que não nos servem de alimento, como etanol, couro ou lã, o que eleva o total de mortes por poluição atmosférica agrícola a 17,9 mil por ano.

“Passamos muito tempo refletindo sobre como alimentos que consumimos afetam nossa saúde, mas os alimentos ingeridos por nós também afetam outras pessoas”, afirma Nina Domingo, autora principal de um novo estudo publicado em maio na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, que analisa os principais produtos alimentícios cuja produção contribui para a qualidade letal do ar.

O impacto ambiental causado pela produção de certos alimentos — como a pegada de carbono e o uso do solo ou da água — é pesquisado há mais de uma década. Mas o novo estudo é o primeiro a identificar quais regimes alimentares e alimentos específicos provocam o maior efeito sobre a poluição atmosférica que causa a asma, ataques cardíacos e derrames.

“Os efeitos das mudanças climáticas em longo prazo são desencorajadores e bastante assustadores, mas agora também estão causando mortes”, conta Jason Hill, engenheiro de biossistemas da Universidade de Minnesota e autor sênior do estudo. “São emissões que ocorrem todos os anos, afetam as pessoas e prejudicam a qualidade de vida.”

Grupos do setor criticaram o estudo. A National Cattlemen’s Beef Association, associação comercial da indústria da carne que analisou os resultados, considerou o estudo “baseado em pressupostos equivocados e com insuficiência de dados”. A associação caracterizou o estudo como “enganoso” e afirma que colabora para “uma falsa narrativa em torno da agropecuária”. A American Farm Bureau Federation, federação do setor agropecuário dos Estados Unidos, emitiu declarações semelhantes, alegando que ampliava “a definição de causa e efeito”.

Em resposta a essa crítica, Hill explicou que seus dados correspondem a dados públicos do governo dos Estados Unidos, revisados por pares e provenientes da Agência de Proteção Ambiental (“EPA”, na sigla em inglês) e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

“Todos os modelos foram extensamente revisados por pares e amplamente utilizados por nosso grupo e por muitos outros”, observa Hill.

Identificando os alimentos mais letais

Para determinar o impacto da produção de produtos animais à saúde, os autores do estudo analisaram o que é necessário para produzi-los: a fertilização e aragem do solo, a queima de diesel utilizado por tratores e o manejo de resíduos produzidos pelo gado.

“Grande parte do setor agrícola é direcionado à pecuária. O impacto não se refere apenas ao próprio rebanho, mas também à sua alimentação”, explica Hill.

O cultivo de milho para alimentação, combustível e ração para gado, por exemplo, contribui para 3,7 mil mortes anuais como resultado da toxicidade do ar. Quando os autores do estudo calcularam as mortes devidas à qualidade do ar causadas pela agropecuária e por cultivos agrícolas destinados à alimentação animal, constataram que somente a carne bovina contribuía para quatro mil mortes a cada ano devido à poluição atmosférica. Quando a produção de laticínios e a suinocultura foram acrescidas ao cálculo, essa produção alcançou 9,1 mil mortes anuais.

Em contrapartida, eles concluíram que a agricultura, categoria que engloba o milho para consumo humano, causa apenas 100 mortes.

O impacto negativo sobre a qualidade do ar devido ao cultivo do milho para alimentação humana é “tão irrisório a ponto de quase ser imperceptível. Quase nenhum milho plantado nos Estados Unidos é milho-doce, bem menos de 1%”, conta Hill.

“Em um estudo, busca-se evitar noções pré-concebidas”, afirma Domingo, especialista em engenharia de biossistemas na Universidade de Minnesota. “Mas é impressionante como há uma concentração em determinados grupos de alimentos.”

Deveríamos todos nos tornar veganos?  

O estudo também descreve uma série de medidas que podem ser adotadas por proprietários rurais e consumidores para reduzir a poluição atmosférica proveniente da agropecuária. Melhor manejo dos resíduos da agropecuária e aplicação mais eficiente de fertilizantes estão entre as recomendações. Se todas as mudanças recomendadas fossem adotadas pelas propriedades rurais, os cientistas estimam que 7,9 mil vidas poderiam ser poupadas a cada ano.

Pessoas comuns também podem fazer a diferença. Uma alteração no regime alimentar nacional por parte dos consumidores norte-americanos produziria um grande impacto na qualidade do ar, afirmam os cientistas. Se as preferências alimentares fossem alteradas, por exemplo, de carne vermelha para o consumo de aves nos Estados Unidos, cerca de 6,3 mil mortes poderiam ser evitadas, de acordo com os cientistas. Ao se tornarem vegetarianos, veganos ou flexitarianos — aqueles que consomem carne com moderação — os consumidores poderiam evitar entre 10,7 mil e 13,1 mil mortes como resultado da poluição atmosférica, segundo estimativas.

“Um dos grandes conselhos que recebi no início da minha carreira é que, quando se aponta um problema, também é preciso apontar uma solução. Ao apontar 18 mil mortes anuais causadas pela toxicidade do ar, como oferecer uma solução a esse problema?”, indaga Hill.

Monitorando partículas mortais

O objetivo do estudo era identificar quais alimentos e regimes alimentares provocam uma redução da qualidade do ar por meio de sua produção. Os pesquisadores utilizaram dados do National Emissions Inventory, estimativa de emissões atmosféricas da Agência de Proteção Ambiental, que monitora a poluição atmosférica nos Estados Unidos.

“É um inventário extremamente detalhado de todas as fontes de emissão que contribuem para a poluição atmosférica, em especial o PM2,5, que produz o maior impacto dentre os poluentes atmosféricos”, afirma Hall.

Seus modelos foram baseados em pesquisas que estimam que, a cada ano, 100 mil pessoas morrem devido à poluição atmosférica nos Estados Unidos, embora esse número possa variar entre 60 mil e 200 mil.

O estudo apresenta modelos sobre o efeito do PM2,5, um tipo de poluente denominado material particulado fino. Essas partículas microscópicas, com 2,5 mícrons de diâmetro, são acima de 100 vezes mais finas do que um fio de cabelo humano. Esse material particulado possui centenas de origens diferentes, como incêndios florestais, gases do escapamento de automóveis e emissões de fábricas. São partículas pequenas o suficiente para se alojarem nos pulmões, podendo causar problemas respiratórios e cardíacos.

Na agricultura, o PM2,5 pode ser proveniente diretamente da poeira, da aragem do solo ou do escapamento de motores diesel de combustão utilizados por tratores. Também é originado a partir de poluentes como a amônia — encontrada em fertilizantes, estrume e lagoas anaeróbicas — e passa por alterações químicas na atmosfera que transformam o poluente gasoso em material particulado.

Os cientistas lançaram dados em três modelos complexos, observando como as emissões de PM2,5 se deslocam pela atmosfera e quantas pessoas podem respirá-las. Utilizando os dados do censo dos Estados Unidos, os pesquisadores conseguiram estimar quantas pessoas adoeceriam com o passar do tempo.

“Se uma população ficasse exposta a determinada quantidade de toxina, seria esperado que parte dessa população morresse em decorrência dessa toxina”, explica Hill.

A Cattlemen’s Association contestou os métodos de modelagem e os dados da EPA. Ethan Lane, vice-presidente do grupo para assuntos governamentais, declarou em um comunicado que a pesquisa “tenta manter uma narrativa enganosa de que as emissões de amônia oriundas de propriedades rurais são responsáveis por milhares de mortes. Não existem tais metodologias federais para a agricultura, o que nos faz duvidar de que essas conclusões estejam corretas”.

A American Farm Bureau, em comunicado, sugeriu que os cientistas “se precipitaram em suas conclusões de modo a ampliar a definição de causa e efeito. Não vamos esquecer que os produtores rurais e pecuaristas dos Estados Unidos são responsáveis por abastecer 330 milhões de norte-americanos, fornecendo os alimentos que sustentam a todos, além de combater a insegurança alimentar em todo o mundo”.

Como o ar poluído afeta o corpo humano?

Quando o PM2,5 é inalado, ele irrita o sistema respiratório e faz com que o sistema imune do organismo ataque o poluente. O corpo produz uma proteína chamada citocina “que informa que há um problema e é preciso iniciar uma resposta inflamatória”, explica Jack Harkema, toxicologista da Universidade Estadual de Michigan, que não participou do estudo.

Quando a poluição do ar é inalada regularmente ao longo do tempo, a resposta imune prolongada impacta outras partes do organismo além do sistema respiratório.

“Sabe-se que o efeito direto do PM2,5 no pulmão pode causar doenças e inflamações crônicas como a asma, mas o efeito cardiovascular é um pouco diferente”, conta Harkema.

“Acreditamos que as citocinas sejam transportadas ao coração e outras regiões e que possam gerar uma reação inflamatória nesses locais”, prossegue ele. O PM2,5 é conhecido por predispor ataques cardíacos ao interferir no sistema nervoso e aumentar a probabilidade de desenvolvimento de coágulos sanguíneos.

Harkema, que atuou no Comitê Consultivo de Ciência do Ar Limpo da EPA durante o governo Obama, afirma ter esperança de que essa nova pesquisa desfaça a concepção amplamente difundida de que a poluição atmosférica é basicamente um problema ocasionado pela grande densidade populacional.

“Muitas pessoas acreditam que a poluição atmosférica por material particulado esteja associada a áreas urbanas. E que não esteja muito presente em áreas rurais”, afirma ele. “Essa pesquisa destaca essas áreas rurais.”

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