Desastres climáticos em 2021 colocam realidade ambiental em evidência
Ondas de calor, enchentes e estiagens duradouras: o clima deste ano mostrou que as mudanças climáticas já estão presentes — e são fatais.
Membros das Forças Canadenses enchem sacos de areia para fazer um dique provisório atrás de residências em Abbotsford, na Colúmbia Britânica, no Canadá, onde o excesso de precipitação causou inundações catastróficas no mês passado.
Desde o calor intenso na América do Norte até as inundações recordistas na Europa e na Ásia, o clima deste ano nos mostrou como é viver em um mundo com um aquecimento de 1,1 grau Celsius acima das temperaturas do século passado.
“As mudanças climáticas perigosas já estão presentes. É a dura realidade que precisa ser reconhecida”, afirma Michael Wehner, pesquisador de climas extremos do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos.
O clima extremo já está destruindo casas, negócios e vidas. As enchentes recentes no Canadá podem ser as mais dispendiosas da história do país, podendo ter causado um prejuízo estimado de US$ 7,5 bilhões. Os 18 desastres climáticos que atingiram os Estados Unidos em 2021 juntos causaram um prejuízo acima de US$ 100 bilhões, de acordo com as últimas estimativas.
Em agosto, Wehner e outros cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas publicaram um relatório indicando um grau de confiança maior do que nunca de que as mudanças climáticas exercem influência sobre os piores fenômenos climáticos do mundo, incluindo os cinco apresentados abaixo.
Onda de calor no noroeste da América do Norte
Em 27 de junho, residentes de Portland, nos Estados Unidos, lotaram o Centro de Convenções de Oregon, que se transformou em um centro de resfriamento temporário quando uma onda de calor recordista atingiu o noroeste do país. Como as regiões não estão acostumadas ao calor intenso, muitas casas não contam com aparelhos de ar-condicionado, o que deixa as pessoas vulneráveis aos males causados pelo calor.
A região entre o noroeste dos Estados Unidos e o sudoeste do Canadá — uma região com cerca de 13 milhões de habitantes conhecida por seu clima ameno e chuvoso — enfrentou um calor brutal na metade deste ano. Cidades importantes como Portland, Seattle e Vancouver, onde muitos moradores não possuem aparelhos de ar-condicionado, alcançaram temperaturas históricas acima de 38°C.
O calor intenso foi resultado de um fenômeno climático denominado cúpula de calor, em que uma área de alta pressão atua como a tampa de uma panela e mantém o calor estagnado sobre uma determinada região.
Pesquisas sobre a onda de calor concluíram que sua intensidade seria “virtualmente impossível“ sem os gases de efeito estufa que aquecem o planeta que vêm sendo emitidos na atmosfera nos últimos 120 anos. Como resultado do calor, centenas de pessoas morreram na região. Um estudo publicado na metade deste ano concluiu que mais de um terço de todas as mortes em decorrência do calor em todo o mundo podem ser atribuídas às mudanças climáticas. E são os mais vulneráveis atualmente — devido à renda baixa, problemas de saúde ou idade avançada — os mais prejudicados pelo calor.
A flora e a fauna também são prejudicadas pelo calor extremo. No noroeste da América do Norte, milhões de animais marinhos morreram, além de muitos outros em terra. Produtores rurais testemunharam bagas de frutas silvestres assarem nos pés.
Megaestiagem no oeste dos Estados Unidos
Casas flutuantes em estreita faixa de água no lago Oroville, na Califórnia, esvaziado. Uma “megaestiagem” assola o oeste dos Estados Unidos desde o ano 2000 e, neste ano, as condições áridas impuseram restrições hídricas aos produtores rurais abastecidos pelo rio Colorado.
Em agosto, os Estados Unidos declararam falta de água no rio Colorado — algo inédito nesse curso de água. O lago Mead, um dos reservatórios mais importantes desse rio, caiu a níveis historicamente baixos. Embora a declaração tenha provocado cortes de água a produtores rurais no Arizona e na região de Nevada, onde cerca de 40 milhões de habitantes dependem ao menos parcialmente do rio para hidratação, secas futuras podem levar a reduções mais generalizadas de água.
Uma “megaestiagem“ tem assolado o oeste dos Estados Unidos desde o ano 2000. Embora estiagens provavelmente devastariam a região independentemente da influência humana, cientistas afirmam que as mudanças climáticas estão tornando a seca a pior em mais de mil anos.
A estiagem pode criar perigosos ciclos viciosos. À medida que o ar esquenta, evapora mais umidade de rios, lagos, plantas e até mesmo do solo, o que pode, por sua vez, tornar o solo ainda mais quente e árido.
E embora a seca no oeste dos Estados Unidos tenha sido histórica, as mudanças climáticas provavelmente agravarão a estiagem em todo o planeta, sendo regiões historicamente áridas na África e no Oriente Médio as mais afetadas.
Incêndios florestais no oeste dos Estados Unidos
Em 30 de agosto, o corpo de bombeiros de Santa Clara tentava proteger estruturas em Echo Summit, um desfiladeiro nas montanhas da Califórnia a leste de Sacramento. O calor intenso e a vegetação rasteira seca criam condições propícias para incêndios florestais maiores e mais frequentes.
Neste ano, o incêndio Dixie, ocorrido na Califórnia, foi o segundo maior da história do estado. Queimou mais de 200 mil hectares e cerca de 400 casas, contribuindo para uma série de temporadas intensas de incêndios que devastaram o oeste dos Estados Unidos. A América do Norte não foi a única. Grandes incêndios florestais irromperam na Turquia, na Grécia e — talvez o local mais surpreendente — na Sibéria, província da Rússia.
Quando o calor extremo e a seca ocorrem concomitantemente, eliminando a umidade do solo e criando campos de vegetação seca, basta uma pequena faísca para acender um incêndio fatal. À medida que as mudanças climáticas pioram o calor e a seca, são criadas as condições propícias para incêndios maiores e mais frequentes. Em algumas regiões do oeste dos Estados Unidos, a temporada de incêndios agora dura o ano todo.
Os incêndios florestais deste ano ameaçaram residências e negócios, mas também produziram poluição atmosférica insalubre e ameaçaram espécies em risco de extinção, como as famosas sequoias da Califórnia.
Enchentes extremas por toda parte
Em 16 de julho, a região alemã da Renânia do Norte-Vestfália foi tomada por enchentes resultantes da precipitação extrema.
Neste ano, as chuvas extremas e as enchentes provocadas por elas assolaram o Canadá, os Estados Unidos, a Alemanha e a China. Em cada um desses locais, o volume de precipitação foi histórico.
Na Colúmbia Britânica, 20 cidades registraram recordes de precipitação; Nashville teve o quarto dia mais chuvoso de todos os tempos; mais chuva caiu no Central Park, em Nova York, em uma única hora do que em qualquer outro período no mesmo intervalo; cidades alemãs foram inundadas com mais chuvas em dois dias do que a média mensal; em um único dia, a chuva em Zhengzhou, na China, ultrapassou a precipitação média de um ano.
Os temporais mais intensos resultam do aquecimento das temperaturas; para cada aumento de 1°C, a atmosfera pode reter 7% a mais de umidade. Com mais água à disposição, as tempestades podem provocar chuva suficiente para causar enchentes.
Muitas das enchentes deste ano mostraram como os centros populacionais e as vias de trânsito foram projetados para um clima que pode não preponderar por mais muito tempo. Por exemplo, o envio e recebimento de mercadorias da Ásia cessaram no porto de Vancouver, interrompidos pelas enchentes. Nas grandes cidades, túneis ferroviários subterrâneos foram inundados e as ruas se transformaram em rios.
Furacão Ida: de Nova Orleans a Nova York
Em 29 de agosto, grupo de pessoas caminha pelo Distrito Francês, em Nova Orleans, nos Estados Unidos, durante o furacão Ida. A tempestade de categoria 4 atingiu ventos acima de 240 quilômetros por hora. Foi a tempestade mais forte a atingir a Louisiana desde a década de 1850 e causou ampla destruição ao se deslocar para o leste, onde inundou a cidade de Nova York.
As chuvas extremas são uma das principais formas pelas quais as mudanças climáticas estão agravando os furacões. O furacão Harvey, que atingiu Houston em 2017, foi um dos exemplos mais extremos disso. A tempestade alcançou mais de 150 centímetros de precipitação em algumas regiões do Texas.
Mas foi o furacão Ida o maior exemplo de outra característica perigosa dos furacões impulsionados pelas mudanças climáticas: a rápida intensificação. O fenômeno ocorre quando a velocidade do vento de um furacão passa por aumentos mínimos superiores a 56 quilômetros por hora em menos de 24 horas. O Ida ultrapassou muito esse índice, apresentando um aumento de quase 100 quilômetros por hora em um dia ao passar de uma tempestade de categoria 1 para categoria 4 e registrar velocidades máximas do vento acima de 240 quilômetros por hora.
Embora o Ida tenha se deslocado relativamente rápido, cientistas acreditam que, em média, furacões futuros avancem mais lentamente, provocando mais chuvas em pontos únicos e causando inundações extremas. O furacão Harvey apresentou exatamente esse comportamento ao passar sobre Houston; em 2020, o furacão Sally ficou estagnado no Alabama. Segundo previsões de pesquisadores, tempestades intensas, chuvosas e lentas causarão mais destruição futuramente; conforme o nível do mar continua subindo, marés de tempestades fatais causadas por furacões também piorarão.
E é só o começo
Cientistas ainda pesquisam como as mudanças climáticas influenciarão o clima durante o inverno do Hemisfério Norte e cada vez mais têm certeza de que o aquecimento do Ártico está produzindo tempestades mais severas durante os invernos.
Um estudo publicado recentemente encontrou um possível elo entre o clima congelante no Texas em setembro e as mudanças climáticas, sugerindo que a barreira entre o ar frio do Ártico e o ar quente tropical está se tornando mais instável e que o vórtice polar — a circulação de ar que se desloca pela estratosfera — está cada vez mais propenso a produzir tempestades intensas durante os invernos nos Estados Unidos.
À medida que o clima mundial é cada vez mais alterado, as pessoas podem começar a perceber as mudanças climáticas de forma diferente.
Uma atualização recente de uma pesquisa dos Estados Unidos verificou que 70% dos norte-americanos questionados acreditavam que as mudanças climáticas influenciam o clima. Nos 14 anos da pesquisa, nunca o convencimento sobre as mudanças climáticas se revelou tão elevado: 76% dos norte-americanos pesquisados acreditavam que as mudanças climáticas já estavam acontecendo e 52% acreditavam que eram afetados pessoalmente por elas.
As temperaturas continuarão subindo e as condições meteorológicas extremas podem continuar afetando a visão sobre as mudanças climáticas, escreveu por e-mail Edward Maibach, um dos autores da pesquisa, especialista em comunicação sobre mudanças climáticas da Universidade George Mason.
“A dura verdade é que a maioria das comunidades norte-americanas quase certamente enfrentará fenômenos climáticos mais comuns e piores nas próximas décadas”, afirma ele.