Mudanças climáticas afetam produção de um querido alimento: o tomate
Onda de calor de 2021 teve grandes consequências: no final da temporada, produtores da Califórnia entregaram menos do que a safra esperada, o que impactou a produção de ketchup e molho de tomate nos EUA. Seca continua neste ano.
As mudanças climáticas estão intensificando os desafios que os agricultores enfrentam, dificultando o cultivo de alimentos amados, como os tomateiros, que não dão frutos em altas temperaturas no início de seu desenvolvimento.
Ficou muito quente no início do verão passado no Vale Central da Califórnia. Por dias, as temperaturas passaram dos 37ºC, bem acima da média de 30 anos.
No extremo sul do vale, muitos agricultores haviam acabado de plantar safra de tomates, e a onda de calor atingiu exatamente o pior momento. Os tomateiros não são particularmente delicados, mas há limites – especialmente em seus momentos jovens e macios, quando suas flores amarelas e pontiagudas florescem. O resultado? Muitas flores “abortaram” e murcharam. Aqueles que já haviam sido polinizados simplesmente caíram e não produziram tomates.
Problemas climáticos afetam a agricultura o tempo todo. Mas a mudança climática está intensificando os desafios, dificultando o cultivo de alimentos amados, como os tomates. Os efeitos, às vezes, são óbvios, como a onda de calor (150 vezes mais provável devido a mudanças climáticas), mas também se manifestam de forma mais sutil: a seca em curso exacerbada pelo clima deixou os produtores com muito pouca água, por exemplo. Invernos quentes estão permitindo que pragas e doenças se infiltrem cada vez mais ao norte, em direção a novos territórios dos tomateiros.
A mudança climática não é necessariamente a principal pressão para os produtores da Califórnia, mas está tornando tudo mais difícil para agricultores e especialistas em todo o mundo. “Geralmente estamos lidando com um problema de cada vez”, diz Mike Montna, presidente da Associação de Plantadores de Tomates da Califórnia. Mas agora, “parece que estamos todos lidando com muita coisa ao mesmo tempo”.
A onda de calor de 2021 teve grandes consequências: no final da temporada, os produtores de todo o estado entregaram cerca de 10% menos do que a safra esperada. Isso pode não parecer grande coisa, mas é, porque a Califórnia produz 90% dos tomates enlatados do país – o segundo produto mais valioso que o estado exporta. E mesmo uma queda de 10% na produção deixou os enlatados – que fornecem os tomates que se tornam molho de pizza, de macarrão e ketchup – em uma situação difícil. Portanto, Neste ano, em meio a uma seca contínua, todos esperam um sucesso em forma de tomate.
Reboques cheios de tomates maduros aguardam o processamento de suco de tomate, molho e purê, em Lemoore, Califórnia.
Um tomate por dia...
A escala da obsessão por tomates nos Estados Unidos, onde são o segundo vegetal mais consumido, depois das batatas, é enorme. O consumidor médio come mais de 30 kg deles, ou cerca de 20% da ingestão total de vegetais, por ano. O aparato agrícola que os mantém disponíveis durante todo o ano é impressionante.
“As pessoas adoram tomates”, resume Montna. Na maioria das vezes, as pessoas não estão comendo tomates frescos – estão usando enlatados ou pasta, ou os consomem em molho de macarrão, de pizza, sopa e todos os outros produtos feitos de tomate. E dentro dos EUA, quase todos os tomates enlatados – que correspondem a mais de 30% dos tomates enlatados do mundo – vêm de uma faixa de 480 km da Califórnia, de Bakersfield a Yolo County.
“A Califórnia é bastante singular em termos de clima”, explica Tapan Pathak, especialista em agricultura e clima da Universidade da Califórnia, em Davis (UC Davis). Verões longos e ensolarados com pouca ou nenhuma chuva são um “ambiente perfeito para o cultivo de tomates”, acrescenta.
Esse clima, juntamente com solos historicamente ricos, atraiu a indústria para a região no início do século 20, época em que a água era fornecida abundantemente aos agricultores de todo o estado, resultado de gigantescos projetos federais e estaduais de infraestrutura que transportavam água das regiões mais úmidas, da metade norte do estado em direção ao sul.
Mas essa água tem se tornado cada vez mais escassa, por razões tanto políticas – já que o estado (e todo o oeste dos EUA) enfrenta o contínuo saque a descoberto de seus inestimáveis recursos hídricos – quanto por motivos climáticos, pois um planeta em aquecimento “aridifica” a região, alterando as próprias expectativas sobre quanta água cairá do céu.
No ano passado, de fato, uma equipe de cientistas do clima determinou que a região estava presa em uma “megaseca” que continuava, com breves intervalos de umidade historicamente mais normal, desde 2000. Esse período, eles descobriram, foi o mais intenso nos últimos 1,2 mil anos. E a mudança climática, inegavelmente, a tornou mais intensa e duradoura.
Tomates sob pressão
O verão passado foi marcado não apenas por um calor recorde, mas também pela seca sem precedentes. Muitos agricultores obtiveram apenas uma fração, se é que alguma, da água a que estavam acostumados de fontes estaduais e federais.
Os produtores de tomate já reduziram o uso de água: desde o início dos anos 2000, a maior parte da indústria mudou para irrigação por gotejamento enterrado: pequenos tubos que distribuem água e fertilizante diretamente nas raízes das plantas. A nova estratégia, que utilizou menos água, fez com que os rendimentos disparassem 30%, comparado aos últimos 10 anos – um ganho incrível de “cultivo por gota”, diz Pathak.
Mas não há muita economia de água a ser encontrada. Agora, que há menos água disponível, os produtores enfrentam decisões difíceis sobre onde colocá-la. Aaron Barcellos enfrenta exatamente esse dilema. Sua família cultiva cerca de 3 mil hectares perto de Firebaugh, onde costumavam plantar cerca de 900 hectares de tomates por ano, com retalhos de algodão, aspargos, amêndoas e muitas outras frutas e vegetais.
Mas no ano passado, a escassez de água o assustou. A família cultivou apenas 364 hectares de tomates. E este ano não parecia que ia ser melhor. Então eles plantaram 214 hectares, apenas o suficiente para honrar seus contratos com empresas de enlatados.
Moose, o labrador chocolate do filho de Barcellos, cheira plantas jovens em um dos poucos campos de tomate recentemente plantados. “Não sei se farei mais no ano que vem”, revela o produtor. Entre a crise hídrica e o enorme aumento em outros custos agrícolas, como combustível para tratores e fertilizantes – sem mencionar a inflação geral –, a menos que os enlatados queiram pagar muito mais pelos tomates no próximo ano, ele não tem certeza de que valerá a pena cultivá-los.
“É definitivamente a situação da água que está em primeiro lugar”, resume o produtor. Barcellos tem muita concorrência. Em 2019 e 2020, os produtores colheram 92 mil hectares de tomates, cerca de 11 milhões de toneladas. No ano passado, a área plantada planejada era de 93 mil e 12 milhões de toneladas. Mas, à medida que a temporada avançava, as expectativas caíram para 11,6 milhões de toneladas e depois para apenas 10,7 milhões.
É muito cedo para saber exatamente como será esta temporada, mas R. Greg Pruett, gerente da Ingomar Packing Company, em Los Banos, é direto: “Nossa meta para este ano era correr com o contrato para tantos tomates quanto fizemos no ano passado, mas não vamos atingir essa meta”, revela. Ele estima que cerca de 82 a 87 mil hectares estão crescendo agora (que é aproximadamente a área da cidade de Nova York – mas longe de ser o suficiente).
As fábricas de Ingomar funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, por cerca de 100 dias, de julho a outubro, e precisam de cerca de 600 cargas no total – uma carga são dois reboques puxados atrás de um caminhão, 28 toneladas de tomates vermelhos brilhantes.
O plano de como obter esses tomates de produtores de todo o estado começa a ser desenvolvido assim que a temporada anterior termina; é uma dança delicada de adivinhar quem pode ser seduzido a cultivá-los a que preço, quando os tomates amadurecerão e quais das dezenas de variedades diferentes precisarão estar no local no momento certo para fazer dos tomates de cada cliente a mistura perfeita de doçura e acidez, suco e polpa rica.
Uma onda de calor como a do ano passado mexe com o plano. Uma seca tão intensa quanto a atual pode mudar ainda mais o cenário.
Pruett está em uma passarela de aço sob um tanque de vapor de aço inoxidável reluzente com cerca de quatro andares de altura, olhando para o vasto maquinário que pega tomates frescos do campo e os transforma em um dos vegetais em conserva mais populares do mundo. “O futuro desta safra pode, às vezes, parecer sombrio, especialmente quando você pensa na seca. Mas este ainda é o melhor lugar do mundo para cultivá-los", diz Pruett. "Não consigo ver a Califórnia não sendo a maior área de produção do mundo."
Não são apenas as mudanças climáticas que estão mudando o terreno sob os tomates. Questões de pandemia e cadeia de suprimentos relacionadas à guerra da Rússia contra a Ucrânia, inflação e restrições cada vez mais rígidas de água são tão grandes e muitas vezes parecem mais urgentes para os produtores.
Mas isso, diz Cassandra Swett, pesquisadora focada em tomate na UC Davis, geralmente é como a mudança climática se faz sentir – não apenas por meio de incêndios catastróficos ou furacões, mas de maneiras mais lentas. Os efeitos de uma única onda de calor ou de uma seca contínua se espalham da fazenda para o processador, do processador para os vendedores comerciais, dos vendedores comerciais para os pizzaiolos locais, e depois para o consumidor.
“Mas a implicação geral é que a saúde do tomate está sendo afetada não apenas pelo impacto direto das mudanças climáticas, como o calor, mas também por efeitos indiretos, como secas e doenças”, explica Montna. “Se não chover mais no próximo inverno, teremos ainda mais problemas."
Tomate como protagonista
Na Zachary's Pizza, uma mini-rede na Bay Area, em Chicago, os tomates são a estrela. Cada deep-dish pizza usa até 680 gramas de molho à base de tomate – o suficiente para encher três quartos de uma garrafa de um litro. Isso significa que a qualidade e a quantidade do tomate realmente importam. “Nossos tomates [da Califórnia] são os melhores do mundo”, destaca o proprietário, Kevin Suto.
Até agora, Suto ainda não sentiu o preço dos tomates mais caros, mas um futuro limitado o preocupa. “Não temos escolha. Vamos ter que sorrir e aguentar."
Rob DiNapoli, co-proprietário da Bianco DiNapoli, uma marca de tomate enlatado altamente valorizada na indústria de pizzas, concorda. “Tomates são como gás. Quando ficam mais caros, as pessoas sofrem e pagam mais, mas elas não param de usar.”
Tony Montagnaro é co-diretor do Pinyon, um pequeno restaurante em Ojai, Califórnia, especializado em pizza e ingredientes californianos. “Os grandes tomates são um alimento básico. Talvez a pizza esteja correndo o risco de se tornar um alimento sazonal, se não houver tomates suficientes no futuro."
Vai ter pizza
Nenhum produtor de tomate está se enganando: é quase certo que o cultivo da fruta vermelha será mais desafiador. Nos últimos 30 anos, em média, o Vale Central teria de cinco a sete dias com temperaturas acima de 37ºC, um limite fisiológico para os tomateiros, diz Pathak. Mas seu trabalho mostra que, até o final do século, pode haver 40 a 50 dias tão quentes quanto por ano.
E Sarah Smith, pesquisadora da Davis, descobriu que mesmo um dia muito quente acima de 43°C causa uma queda tanto no rendimento quanto na qualidade do tomate, custando ao produtor cerca de 1% de sua receita total.
“Não é como uma quebra de safra, não é um efeito enorme", diz Smith. "Mas quando você está na agricultura e operando com margens muito pequenas, cada perda se soma."
Está cada vez mais difícil encontrar soluções. Swett e Tom Turini, da UC Davis, estão trabalhando constantemente para ajudar os produtores a ficarem à frente dos problemas relacionados ao clima e às doenças. Uma ideia promissora era a “irrigação deficitária”.
Turini testou quanta água os produtores podem economizar reduzindo a quantidade ideal de água das plantas durante os últimos meses de crescimento, quando elas estão fortes e bem estabelecidas. Seus testes iniciais, realizados há cerca de uma década, pareciam promissores: os produtores poderiam dar a elas apenas metade do que davam antes e mantinham o rendimento geral quase o mesmo.
Ao longo dos anos, mais doenças e pragas se infiltraram nos campos de tomate, muitas vezes impulsionadas por invernos mais quentes. Agora, Turini está repetindo o experimento, já que os tomates estressados, com pouca água, parecem ser particularmente vulneráveis a pragas e doenças, assim como pessoas exaustas são mais suscetíveis a resfriados.
Ele se abaixa para examinar uma planta carregada de pequenos tomates verdes, duros como pedra. Eles foram plantados em julho, e Turini começará a cortar a água deles. Mas mesmo que ele descubra que o projeto de irrigação deficitário não funcionará, ainda haverá tomates crescendo em todo o Vale, só que em menor quantidade, conta o pesquisador. “A maneira como talvez tenhamos que economizar água agora significa crescer menos”, acrescenta.
É improvável que os cientistas encontrem novos avanços que tornem tomates totalmente à prova de clima e enviem os rendimentos às alturas – nada tão bem-sucedido a curto prazo quanto a mudança para a irrigação por gotejamento. Mas os geneticistas da UC Davis e de outros lugares estão trabalhando duro para criar um tomate mais resistente à seca, para combater doenças de forma mais eficaz e crescer com mais eficiência, obtendo mais ganhos. Enquanto isso, Swett acredita que “os agricultores são super criativos. Eles vão se adaptar. É apenas uma questão de saber se nós [o público] vamos pagar mais”, o suficiente para manter a indústria funcionando.
Suto, o pizzaiolo, está totalmente confiante. “As pessoas adoram pizza. Elas vão continuar comendo, não importa o que aconteça.”