Mata Atlântica

Bioma mais devastado, Mata Atlântica reduz desmatamento e volta a respirar

Com a menor cobertura de vegetação original, a região litorânea onde deu-se início a colonização portuguesa é mais estudada por cientistas que a Amazônia.

“A golpes de machado, derrubam a árvore, à qual, depois de estar no chão, lhe tiram todo o branco; porque no âmago dêle está o Brasil”. A cena, descrita no livro Diálogos das grandezas do Brasil (1618), retrata a processo de exploração do pau-brasil, árvore endêmica da Mata Atlântica que batizou o país. De certa forma, o trecho é também uma síntese do que aconteceu com a própria Mata Atlântica. Devastada à exaustão desde o início da colonização portuguesa, a floresta tem a menor cobertura original de vegetação entre todos os biomas brasileiros – algo em torno de 8%. Inúmeras espécies da flora e fauna estão em risco de extinção, entre elas o próprio pau-brasil.

Mapa do bioma Mata Atlântica.
Presente em quase todo o litoral brasileiro, a Mata Atlântica tem a menor cobertura original de vegetação entre todos os biomas brasileiros – cerca de 8%.

O bioma ocupa 13% do território do país e se distribuía originalmente por uma faixa litorânea que ia desde o Piauí até o Rio Grande do Sul, incluindo áreas interioranas de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Ainda que a fauna da Mata Atlântica não tenha sido tão devastada quanto à da Caatinga, a vida animal do bioma corre um sério risco, como explica Mauro Galetti, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro (SP). “Fiz um censo de 600 km na Mata Atlântica e vi apenas 11 vezes o mono-carvoeiro”, diz ele. O nome é comum a duas espécies consideradas os maiores macacos das Américas: o muriqui-do-norte e o muriqui-do-sul, ambos endêmicos do bioma.

Galetti divide a Mata Atlântica em algumas regiões para relatar o estado de conservação da fauna. Do norte do Espírito Santo ao sul da Bahia, segundo ele, é possível encontrar uma fauna completa. Dali até o estado de São Paulo, o cenário também não é tão ruim, com poucas extinções locais de espécies. Para baixo, até o Rio Grande do Sul, a situação piora – ver uma anta, por exemplo, é raríssimo. A situação fica ainda mais crítica entre o norte da Bahia e o Piauí, onde o bioma encontra-se bastante fragmentado e, segundo Galetti, restaram apenas animais de pequeno porte, principalmente passarinhos.

Mico-leão-dourado

Nome científico: Leontopithecus rosalia

Tamanho: 587 mm

Peso: 499 g


Risco de extinção (IUCN):

Em perigo

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Curiosidade:

O mico-leão-dourado quase foi extinto da natureza na década de 1980, mas, graças a iniciativas como a introdução na natureza de indivíduos criados em cativeiro, a espécie ganhou uma sobrevida.

O livro *Revisões em Zoologia - Mata *Atlântica, de 2018, traz o consenso de que a Mata Atlântica abriga o maior número de espécies endêmicas de aves no Brasil e é um dos ecossistemas mais diversos para este grupo em todo o planeta.Um dos valores oficiais utilizados pela ciência é de que o bioma apresenta 682 espécies de aves, sendo 199 delas endêmicas. No entanto, trabalhos de revisão científica divergem sobre o número. “Dentro desse cenário, as aves ilustram com notável precisão o fato de a Mata Atlântica ser apontada por diversas fontes e em diferentes contextos e escalas como um dos ecossistemas com a biodiversidade mais rica do mundo”, observa Galetti. Contudo, das 160 espécies de aves ameaçadas no Brasil, 98 vivem na Mata Atlântica.

“É o bioma com o maior número de espécies ameaçadas por área do mundo. Entre o norte do rio São Francisco, em Alagoas, e o Rio Grande do Norte, sobrou apenas 3% da área original”, explica o professor Luís Fábio Silveira, curador das Coleções Ornitológicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Silveira coordena um trabalho de pesquisa e conservação chamada de Centro de Endemismo Pernambuco. Por ali, são 38 espécies endêmicas, 12 delas ameaçadas de extinção. Uma chegou a ser extinta e só foi reintroduzida na natureza este ano: o mutum-de-alagoas, ave de penas pretas que pode ultrapassar os 90 cm de altura. “Se você entender o que acontece em Alagoas, é certamente o maior desastre ecológico que se viu no novo mundo”, diz ele.

Serpentes em risco

Uma das regiões mais afetadas é o entorno de Murici, cidade 53 km distante da capital Maceió, único local onde se encontra uma das cobras endêmicas mais ameaçadas da Mata Atlântica, a Bothrops muriciensis, uma espécie de jararaca. “Nós sabemos onde encontrar o bicho numa região menor que 15 km². Talvez seja a mais ameaçada do país por conta da intensa fragmentação do ambiente e da pressão muito grande”, detalha Otávio Marques, pesquisador do Instituto Butantan e um dos autores do guia ilustrado Serpentes da Mata Atlântica.

No livro, são descritas 142 espécies que ocorrem na faixa litorânea da Mata Atlântica. Dentro desse recorte, explica Marques, há um endemismo de 45%. Se considerados apenas os animais encontrados na Serra do Mar, a taxa sobe para 80%. “No norte, mais perto da Amazônia, há um compartilhamento maior de espécies. Aqui, nós temos particularidades como uma maior espécie de arborícolas, como cobras-cipó”, explica ele.

Tucano-de-bico-preto

Nome científico: Ramphastos vitellinus

Tamanho: 50 cm

Peso: 340 a 390 g


Risco de extinção (IUCN):

Vulnerável

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Curiosidade:

Também conhecida como canjo, tucano-de-peito-amarelo e tucano-pacova, a espécie, que vive em bandos de até dez indivíduos, se alimenta de frutos e pequenas aves e mamíferos.

Entre as serpentes ameaçadas de extinção, vale citar o curioso caso de quatro espécies de jararacas encontradas apenas em pequenas ilhas. No litoral do estado de São Paulo, a Bothrops alcatraz é exclusiva da Ilha de Alcatrazes; a B. insularis, da Ilha da Queimada Grande; e a B. otavioi, da Ilha da Vitória. Em 2016, foi descrita a B. sazimai na Ilha dos Franceses, no Espírito Santo. “Esta, ao lado da muriciensis, talvez seja a mais ameaçada. As outras ilhas estão bem longe do continente, mas a Ilha dos Franceses está a apenas 4 km, qualquer um pode pegar um barco e ir”, diz Marques.

A extinção animal é problemática sob diversos aspectos. No caso de uma espécie de jararaca-ilhoa, é possível ressaltar a perda de diversas substâncias cujas potenciais aplicações ainda são desconhecidas. Marques ressalta que o captopril, medicamento mais popular para controlar a hipertensão, foi desenvolvido a partir do veneno de um tipo de jararaca. “Recentemente, uma colega do Butantan fez uma análise de eletroforese [separação de diferentes proteínas pelo peso molecular] e encontrou três grupos de proteínas que apenas a jararaca-de-alcatrazes possui e que podem ter propriedades importantes”, diz o pesquisador. “Então, estamos preservando em uma ilha uma molécula que no futuro pode ajudar o próprio homem.”

Pequenos e grandes primatas

Na Mata Atlântica, um dos números de espécies de mamíferos considerados é 279, com pelo menos 73 delas endêmicas. Dentro do grupo, a variedade de primatas salta aos olhos, como nota Sérgio Lucena Mendes, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e diretor do Instituto Nacional da Mata Atlântica. “Para mamíferos do porte dos primatas, a diversidade é grande, mas mais importante ainda é o endemismo”, diz ele. “A grande maioria dos primatas da Mata Atlântica só são encontrados na Mata Atlântica, e grande parte está ameaçada de extinção”. Ao todo, são 23 espécies registradas no bioma, 18 delas endêmicas, das quais 12 estão ameaçadas de extinção.

A área da Mata Atlântica concentra 70% da população brasileira, um dos motivos de ter sobrado apenas 12,4% da floresta original. Mas há um lado positivo, a maioria dos insitutos de pesquisa estão lá, o que faz dela o bioma tropical melhor conhecido pela ciência.

Entre os endêmicos, há dois gêneros inteiros de macacos que são apenas da Mata Atlântica: os micos-leões e os muriquis. “[Os muriquis] são macacos grandes para o padrão neotropical, com mais de 10 kg”, detalha Mendes. Já entre os simpáticos e pequenos micos-leões, são quatro espécies. A mais famosa delas é o mico-leão-dourado. Já o mico-leão-preto é encontrado apenas no interior do estado de São Paulo. Originalmente, o primata vivia entre os rios Tietê, Paranapanema e Paraná. Hoje, a distribuição é muito fragmentada, com o maior grupo dentro do Parque Estadual Morro do Diabo, em Teodoro Sampaio. Por lá, vivem 1,2 mil animais, de um total estimado em 1,5 mil na natureza.

“Eles sobrevivem realmente em áreas muito pequenas, onde às vezes não há outros primatas”, afirma a professora Laurence Culot, da Unesp de Rio Claro, que pesquisa a espécie. “Na verdade, o mico-leão-preto foi considerado extinto durante 65 anos, até ser redescoberto na década de 1970.” Culot observa que há grupos que chegam a ocupar matas ciliares com apenas 30 metros de largura. Como se não bastasse a área restrita, a espécie ainda sofre com o rareamento do seu dormitório preferido: árvores grandes com ocos formados por outros animais, como peroba-rosa e ipês rosa e amarelo.

Além de afetados diretamente pelo intenso desmatamento, os primatas de maior porte, como bugios, foram caçados por conta da carne. Bichos menores, como micos-leões, sofrem até hoje com o tráfico de animais para serem mantidos em cativeiro – desde o século 16, eles já eram levados para a Europa. Para piorar, surtos de doenças como a febre amarela devastam grupos populacionais por onde passam. “Parece que a febre amarela já teve um impacto grande sobre algumas populações na primeira metade do século 20, era um fator que já não esperávamos mais”, explica Mendes. “Agora temos o bugio-marrom, uma espécie que ocorre ao longo de toda a Mata Atlântica, em uma situação crítica por causa do impacto da doença. A espécie era abundante e desapareceu.”

Tiê-sangue

Nome científico: Ramphocelus bresilius

Tamanho: 18 a 19 cm

Peso: 27,9 a 35,5 g


Risco de extinção (IUCN):

Pouco preocupante

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Curiosidade:

A soberba plumagem vermelha e preta só aparece entre os machos e serve, junto com a reluzente base branca da mandíbula, como atrativos para pontenciais parceiras fêmeas.

Gigantesco jardim tropical

Assim como o Cerrado, a Mata Atlântica é um hotspot de biodiversidade – ou seja, um bioma com quantidade notável de espécies e em estado crítico de conservação. Para a flora, são conhecidas cerca de 20 mil espécies, com uma taxa de endemismo que, a depender da fonte, varia entre 45% e 50%. Para se ter uma ideia, tal percentual é maior do que o da Amazônia, que tem pouco mais de 14 mil em uma área quatro vezes maior. Essa discrepância, no entanto, é explicada pela intensidade de estudos científicas conduzidas nos dois biomas. Enquanto na Amazônia há um vazio de conhecimento, a Mata Atlântica concentra 70% da população brasileira e uma parcela significativa das principais instituições de pesquisa do país.

“A Mata Atlântica é o bioma tropical mais conhecido do mundo em termos científicos”, diz Mauro Galetti, um dos responsáveis por disponibilizar uma série de bancos de dados sobre a biodiversidade do bioma de forma gratuita na revista Ecology. “E 95% desse conhecimento foi gerado por brasileiros com dinheiro do Brasil, principalmente da Fapesp e CNPq.”

A diferença entre as duas florestas, é claro, não fica restrita ao patamar de conhecimento científico. “A Mata Atlântica é um jardim tropical onde cada centímetro quadrado tem uma bromélia ou uma orquídea ou um musgo”, nota Galetti. Na Amazônia, por outro lado, a paisagem é menos colorida. Os dados do Flora do Brasil confirmam o cenário descrito. Na Mata Atlântica, são listadas 1,5 mil espécies de orquídeas e 920 de bromélias, respectivamente o dobro e o triplo dos números encontrados na Amazônia.

Pau-brasil

Nome científico: Paubrasilia echinata

Altura: Até 12 m

Curiosidade:

A exploração do pau-brasil foi a primeira grande atividade econômica dos portugueses em terras brasileiras. Sua madeira foi utilizada na fabricação de móveis e violinos e nas construções civil e naval.

“A Mata Atlântica tem um relevo mais heterogêneo e uma variabilidade maior. A questão do relevo é importante porque existem entradas de luz vindas de todos os lados, um prato cheio para epífitas [plantas como samambaias, bromélias e orquídeas], que conseguem captar luz e chuva mais facilmente”, explica Renato Lima, pesquisador do Centro de Biodiversidade Naturalis, em Leiden, na Holanda. Lima trabalha em uma lista atualizada das espécies arbóreas da Mata Atlântica, com ênfase em entender quantas delas são endêmicas e, mais importante, quantas estão ameaçadas de extinção. De acordo com ele, são cerca de cinco mil tipos diferentes de árvores encontradas no bioma, com endemismo em torno de 45%. O número de espécies ameaçadas, no entanto, ainda não foi determinado. Mas elas são muitas, sendo o pau-brasil o exemplo mais fácil. O palmito-juçara, apesar de não ser endêmico, é outra árvore comum de ser encontrada no bioma. O curioso é que mesmo capaz de tornar-se abundante de maneira rápida, ele também corre risco, assim como a araucária, um tipo de pinheiro encontrado no Sul do Brasil, e a samambaia-açu, mais conhecida como xaxim.

Desmatamento em queda

A boa notícia é que a destruição da Mata Atlântica tem desacelerado. O Atlas da Mata Atlântica, projeto da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostrou que, entre 2017 e 2018, o bioma atingiu o menor índice de desmatamento dos últimos 30 anos – 113 km, 9,3% a menos que no período anterior.

“Existem variações ao longo do gradiente Nordeste e Sul do Brasil, mas os próprios dados do Inpe indicam uma recuperação da Mata Atlântica maior que a perda nas últimas décadas”, diz Sérgio Lucena, da Ufes. “Claro que as matas que sobraram foram, em geral, bastante impactadas, mas nos últimos anos muitas terras foram abandonadas, então vivemos um processo diferente do passado, e diferente também do Cerrado e da Amazônia, fronteiras agrícolas que estão sendo desbravadas agora.”

Orquídea

Nome científico: Orchidaceae

Tamanho: 30 a 50 cm

Curiosidade:

No mundo todo, há cerca de 20 mil espécies de orquídeas na natureza e outras 30 mil criadas em laboratório. Das 2,5 mil que ocorrem naturalmente no Brasil, 1,5 mil estão na Mata Atlântica.

Essa boa notícia, contudo, vem com um asterisco. “Se fosse para ser bem pragmático, esperaria que tivesse desmatamento zero hoje”, defende Lima. Mesmo nas regiões em recuperação, explica o pesquisador, é difícil esperar que a complexidade de espécies volte ao patamar original. “Nem sempre a biodiversidade prévia se restabelece, nem a funcionalidade da floresta, com sua complexidade de interações, volta a ser como antes.”

Em resumo, cortar a floresta na expectativa de recuperá-la no futuro é um grande tiro no escuro. “A natureza não veio com manual de instrução. Estamos entendo agora um pouco do papel de cada peça”, diz Mauro Galetti. Animais de grande porte, como onças, antas, muriquis e queixadas desempenham papéis fundamentais no funcionamento da floresta e a perda deles traz consequências para a continuidade desses ecossistemas, que, por sua vez, impactam nossa própria qualidade de vida. “Muita gente acha que estamos protegendo os bichinhos porque são bonitinhos”, continua Galetti, “mas os cientistas buscam proteger e entender os animais porque eles têm um papel essencial na natureza.”

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