Será que expedições ao Polo Norte irão se tornar coisa do passado?

A diminuição do gelo no Mar Ártico está tornando viagens ao Polo Norte praticamente impossíveis, diz o autor e aventureiro Eric Larsen em seu novo livro sobre o que pode ter sido a última jornada a pé ao polo.

Por Avery Stonich
Publicado 13 de jun. de 2018, 17:04 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT

Imagine fazer a coisa mais difícil que você já fez na vida por 50 dias seguidos. Uma expedição ao Polo Norte é algo parecido. E é ainda mais difícil chegar ao polo agora do que era há seis anos. Veja o exemplo de Eric Larsen, que já caminhou três vezes até o topo do planeta. E pode ser que ele seja a última pessoa a concluir essa árdua jornada, relatada em seu novo livro, On Thin Ice: An Epic Final Quest Into the Melting Arctic.

O Ártico está esquentando, tornando as viagens polares quase impossíveis. Em 2014, Larsen e seu colega de equipe, Ryan Waters, esquiaram, caminharam e nadaram 480 milhas náuticas de Cape Discovery, na Ilha de Ellesmere, no Canadá, até o Polo Norte, arrastando todos os seus suprimentos em trenós. O frio congelava seus ossos. O gelo fino e flexível cedia sob seus esquis e, às vezes, se quebrava, mergulhando-os em água tão fria que chegava a temperaturas negativas. Pilhas desordenadas de gelo tornavam cada quilômetro dolorosamente lento. Às vezes, gelo surgia sob seus pés como pedras de gelo em uma bebida. Foi um total e completo sofrimento.

O livro, que Larsen co-escreveu com Hudson Lindenberger, conta a história em detalhes cativantes. A história é envolvente desde sua abertura, quando os dois estiveram cara a cara com um urso polar, até as últimas páginas, quando lutaram para concluir os últimos 9 metros. Larsen espera que o livro chame a atenção para os efeitos das mudanças climáticas, que ocorrem de maneira mais rápida no Ártico do que em qualquer outro lugar.

“A história sobre o que está acontecendo no Ártico é, na verdade, a história do que está acontecendo com o nosso planeta”, ele escreve. “A diferença da qualidade do gelo comparada à minha última expedição aqui [em 2010] foi chocante.”

O Oceano Ártico é um quebra-cabeças de gelo que se expande e se contrai com o passar das estações. O Polo Norte não é um pedaço de terra, ele é simplesmente um ponto geográfico muitas vezes congelado.

Este ano, a extensão de gelo no Ártico bateu seu recorde mínimo. Em março de 2016, o gelo atingiu sua máxima com 14,5 milhões de quilômetros quadrados, a extensão máxima mais baixa já registrada (muito abaixo da média entre 1981 e 2010). A menor extensão em setembro deste ano empatou com o recorde mínimo de extensão de 2007, com 4,1 milhões de quilômetros quadrados. (A média entre 1981 e 2010 foi de 6,2 milhões de quilômetros quadrados.) Desde o início dos registros por satélite em 1978, todas as 10 mínimas mais baixas ocorreram a partir de 2005. E os meses de outubro e novembro de 2016 viram mínimas recorde para a época do ano.

“Vamos continuar perdendo gelo”, disse Mark Serreze, diretor do Centro de Dados Nacional de Neve e Gelo (NSIDC) em Boulder, Colorado, e especialista em questões climáticas do Ártico relacionadas ao gelo. “A questão é, será que em algum momento não teremos gelo suficiente para chegarmos ao Polo Norte?”.

Não é apenas a extensão do gelo que afeta as expedições, mas também sua qualidade. O gelo plurianual é espesso e forte. Enormes cristas de pressão, onde o gelo se chocou e se elevou, são intercaladas com amplos trechos planos mais fáceis de atravessar. O gelo mais novo é fino e imprevisível. Ele se desloca constantemente com as correntes e o vento, causando fendas, chamadas de canais, e fatigantes trechos de gelo acidentado.

Uma animação publicada pela NASA mostra como o gelo ártico vem diminuindo, com gelo mais novo e mais fino substituindo o gelo plurianual mais grosso. Serreze diz que isso significa que a camada de gelo está se tornando mais móvel e dinâmica, um pesadelo para as expedições polares.

Larsen confirma isso em seu livro: “É como se alguém tivesse desligado da tomada, e todo o gelo que antes se encontrava unificado, está agora se espalhando”.

Quando Larsen e Waters estavam a apenas 10 metros do Polo Norte, o gelo sob seus pés se afastava do polo mais rápido do que eles conseguiam andar. Então, eles correram. Em 6 de maio de 2014, eles chegaram ao Polo Norte e se tornaram a 46ª e 47ª pessoas a concluírem a caminhada sem apoio. E eles podem ter sido os últimos.

“As chances de viajar por terra sem suporte são muito pequenas devido às condições instáveis do gelo e o fato de que a logística é muito mais difícil”, disse Larsen.

E quanto mais o gelo derrete, mais o gelo derrete.

Quando o gelo marinho derrete, sua superfície refletora é substituída pela escura água do mar, que atrai mais radiação solar. Isso gera calor, que derrete ainda mais o gelo. Simultaneamente, os oceanos estão se aquecendo, o que também causa derretimento. Este ciclo de retroalimentação positiva torna o Ártico mais sensível às mudanças climáticas do que qualquer outro lugar do planeta.

“A perda do manto de gelo do mar ártico contribui com os padrões de aquecimento através dos efeitos da retroalimentação”, disse Serreze. “Podemos ver isso agora em algo que chamamos de amplificação do Ártico. O aquecimento mais acentuado está acontecendo agora no Ártico, sendo um efeito agravante das mudanças climáticas”.

No inverno passado, as temperaturas no Ártico estavam de 2,2 a 6,1 graus Celsius acima da média. O aquecimento do Ártico é um sinal de alerta para as mudanças climáticas globais, e a maioria dos cientistas diz que o comportamento humano é o maior culpado.

“A única coisa que alterou a temperatura dos oceanos, a temperatura no Ártico, a temperatura em todo o hemisfério norte, a cobertura de neve no hemisfério norte, o derretimento de gelo na Groenlândia... A única explicação para tudo isso é uma maior retenção de calor devido aos gases de efeito estufa, sendo a sua maioria produzida por humanos. Não há outra explicação”, diz Ted Scambos, cientista-chefe da NSIDC.

Um estudo de Dirk Notz e Julienne Stroeve publicado no mês passado na revista Science enfatiza isso, demonstrando que a perda de gelo marinho no Ártico está diretamente relacionada a um aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera.

Se alguém espera se aventurar ao Polo Norte por terra, começar a partir do lado norte-americano oferece a maior chance de sucesso. A circulação atmosférica empurra o gelo naturalmente em direção à costa do Canadá e norte da Groenlândia, criando um gelo mais espesso nessa região.

Sebastian Copeland, um fotógrafo premiado e explorador polar, espera superar essas dificuldades no próximo ano. Ele revelou que tentará, em fevereiro de 2017, uma jornada a pé sem suporte a partir do norte do Canadá, chamando a expedição de the Last Great March [A Última Grande Marcha em tradução livre].

Copeland tem a vantagem financeira que o permite contratar um piloto particular para deixá-lo e buscá-lo. O serviço mais utilizado em expedições passadas havia sido da Kenn Borek Air, uma pequena companhia aérea sediada em Calgary que anunciou após a expedição de 2014 de Larsen e Waters que não ofereceria mais o serviço para expedições no Polo Norte. Detalhes sobre a decisão são escassos, e a companhia aérea se recusou a comentar a decisão para este artigo.

A janela para expedições também está diminuindo, uma vez que o gelo ártico está começando a derreter mais cedo no ano. Larsen levou 53 dias, com uma média de apenas 4,62 quilômetros por dia nas primeiras três semanas. Ele e Waters chegaram finalmente ao polo apenas após um último impulso, quando eles minimizaram o sono e maximizaram o deslocamento, percorrendo 42 quilômetros em dois dias. Copeland está levando comida para 55 dias, além de rações emergenciais para cinco dias. A qualidade do gelo será um fator determinante para a velocidade na qual ele conseguirá se deslocar.

Mas além de desejar uma superfície melhor para expedições polares, por que deveríamos ligar que o gelo ártico esteja derretendo? O aquecimento do Ártico pode interferir na circulação oceânica, o que causa efeitos globais.

“Há a possibilidade desta perda de gelo marinho afetar coisas como padrões climáticos em locais mais próximos ao Equador” disse Serreze. “Ao perder o manto de gelo marinho, isso causa um forte aquecimento do Ártico, o que pode afetar padrões climáticos fora do Ártico.”

Temperaturas mais altas, enchentes e secas mais frequentes e eventos climáticos mais extremos são algumas das possíveis ramificações da perda do efeito que o Ártico possui de regular temperaturas globais. Possíveis efeitos dominó incluem o aumento do nível do mar, a morte de recifes de corais, a mudança de habitats naturais e de padrões de migração, além de alterações das épocas de cultivo para a agricultura.

E mesmo que queiramos apontar o dedo para o Ártico por contribuir com o aquecimento global, o Ártico está apenas reagindo e acelerando o que acontece no resto do planeta.

Para Larsen e Copeland, as expedições se tornaram uma plataforma para a conscientização global quanto as mudanças no Ártico e no aquecimento global. Como Larsen diz em seu livro: “O Oceano Ártico não é local para otimismo.” Ele estava se referindo às jornadas polares, mas o mesmo pode ser dito sobre o aquecimento global.

Será Larsen incluído nos livros de história como a última pessoa a chegar andando ao Polo Norte? Ou será Copeland? “Se não for eu, será ele”, disse Larsen.

Avery Stonich é uma escritora autônoma sediada em Boulder, Colorado, que já viajou para mais de 50 países em busca de aventura. Visite sua página e a siga no Twitter e no Instagram.

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