Na luta pela sobrevivência, cães selvagens africanos descobrem novo alimento: os babuínos
Fotos incríveis tiradas por um naturalista que acompanha estes animais há anos revelam uma novidade científica.
O cão-selvagem-africano é uma das criaturas mais enigmáticas da África, pouco compreendida e muito perseguida. Para mim, são sem dúvida os animais mais amáveis—mesmo quando se alimentam de primatas.
Com uma pequena população de 6,6 mil no mundo inteiro, esses predadores—também conhecidos pelo nome de mabecos foram caçados e levados à beira da extinção. Por mais de um século foram considerados animais daninhos, tendo a caça e a matança reduzido a população deles a 1 % do tamanho original.
Desde 2013, venho acompanhando e fotografando três matilhas de mabecos, sozinho, a pé, no Vale do Zambeze, no Zimbábue. Conheço-os bem, porque já os vi caçar, descansar e brincar.
Fiquei obcecado, lendo todos os livros e artigos científicos disponíveis sobre os animais, cujo nome científico é Lycaon pictus (do grego lykos, "lobo", e do latim pictus, "pintura").
Eles detêm a reputação de predadores mais eficientes da África, com até 80 % de êxito na caça, caçando principalmente antílopes, como impalas e cudos. Eu acreditava já ser um especialista, até que testemunhei algo nunca antes documentado: uma horrível emboscada de babuínos.
Não há, até o momento, nenhum registro na literatura científica de que cães-selvagens tenham devorado babuínos, ou qualquer outro primata.
A matança
Presenciei isso pela primeira vez há muitos anos, depois de fotografar a fêmea-alfa chamada Blacktip e sua matilha de 25 indivíduos, que brincavam agitados às margens de uma poça d'água.
Com o grupo saindo para caçar, decidi não os seguir, uma vez que já escurecia. Meu carro estava a mais de um quilômetro e meio de distância, e é à noite que os leões ficam agressivos—não era hora de ficar sozinho no meio do mato.
De repente, ouço um grupo de babuínos em pânico correndo na minha direção, com ruidosos uivos de alerta ecoando no ar sombrio. Esquivo-me por entre os arbustos, em direção à comoção, e é aí que vejo um mabeco no encalço de um macho grande.
A velocidade do mabeco era impressionante, dando a volta no babuíno e cravando os dentes na orelha dele, causando-lhe imensa dor e imobilizando a criatura, uma típica técnica de caça. Após frações de segundo, dois outros membros da matilha agarraram partes diferentes do babuíno e literalmente o despedaçaram. Foi horrível de assistir, mas pela análise posterior das minhas fotografias pude constatar que o sofrimento do babuíno durou menos que cinco segundos.
Em comparação com outros superpredadores, o mabeco mata a vítima rapidamente, o que nos parece mais humano. Outros caçadores, como os grandes felinos, levam uma eternidade para matar a presa.
Reequilíbrio
Alguns meses depois, estou eu sentando em cima de um cupinzeiro, vendo os filhotes da Blacktip devorarem os restos de outro babuíno que havia acabado de ser morto, com os adultos vigiando. Esses cães sempre deixam os mais jovens comer primeiro.
Estou acompanhado do meu bom amigo Peter Blinston, diretor da organização Painted Dog Conservation (Conservação de Mabecos), que dedicara os últimos 20 anos de sua vida ao acompanhamento, compreensão e proteção desse animal gravemente ameaçado. Esse novo comportamento na caça representa um progresso tanto para os mabecos quanto para o ecossistema, ele acredita.
"Para começar, amplia-se a base de presas dos mabecos, o que lhes dá mais opções de caça. Isso não é somente bom para os mabecos, mas também alivia a pressão sobre as impalas, que são a principal fonte de alimentação desses predadores neste parque", afirma.
Muitos ecologistas também expressam preocupação quanto ao aumento da população de babuínos na região, explica, o que pode ter causado um declínio no número de aves, graças às tendências do primata de atacar ninhos. Por meio da provável restrição dos babuínos, os mabecos podem ajudar indiretamente as aves, diz ele.
"Esse novo comportamento pode ajudar a devolver um pouco de equilíbrio ao ecossistema".
Contra-ataque
Num primeiro momento, os babuínos pareciam paralisados ante esse novo adversário—porém, mais recentemente, parecem ter se adaptado, mudando o próprio comportamento.
Numa manhã, presenciei um feroz contra-ataque dos babuínos. O bando inteiro participou, e vi com surpresa a eficácia com que usavam seus dentes incisivos, investindo sobre os mabecos e tentando mordê-los.
Os mabecos recuaram quando um macho, chamado Patrick, sofreu graves ferimentos no pescoço e na lateral. Não tinha certeza se ele sobreviveria, mas esses cães são durões—já estava novo em folha depois de apenas alguns dias de convalescência e de cuidados dos outros membros da matilha, que lambiam suas feridas para mantê-las limpas.
Embora capturar um babuíno gaste menos energia que correr atrás de uma impala, essa empreitada está certamente cada vez mais perigosa. Os babuínos ainda não mataram nenhum mabeco, até onde eu sei, mas estarão no rol de suspeitos quando algum desaparecer.
É comum os babuínos, mediante a aproximação dos mabecos, descerem correndo das árvores onde se abrigam. Embora isso possa não fazer sentido, um renomado guia chamado Henry Bandure diz acreditar que isso se deva ao fato de eles estarem acostumados a serem caçados por leopardos, que conseguem subir em árvores, e o sinal de alarme que os babuínos utilizam ainda não distingue a ameaça ímpar que os mabecos representam.
Brincadeiras depois do jantar
Enquanto discutia esse novo fenômeno com Peter, um filhote pega a cabeça decepada do babuíno. Outros correm atrás dele e começam a brincar de cabo de guerra.
A cena é bem macabra. Por ser também um primata, certamente me sinto mais envolvido emocionalmente com o destino do babuíno que o de uma impala—e mesmo assim não sei se sinto horror ou divertimento, porque os filhotes claramente curtem a brincadeira. (Uma fotografia desse encontro recebeu "grande reconhecimento" pelo prêmio Fotógrafo de Vida Selvagem do Ano, anunciado nesta semana.)
Alguns podem achar esse comportamento cruel, mas muitos de nós também comem carne. Só que para nós, humanos, as partes horrendas costumam ficar escondidas, longe dos corredores dos supermercados.
O que estamos presenciando nos últimos anos é uma "evolução" gradual do comportamento dos mabecos, que coincide com a explosão populacional dos babuínos. É fascinante observar a natureza equilibrando a si mesma, processo esse que não para de acontecer.
Não se trata de uma evolução no sentido estrito darwiniano, uma vez que não ocorreu mutação genética. Contudo, pode ser um exemplo do "efeito Baldwin", no qual a habilidade do animal de alterar comportamentos já estabelecidos pode melhorar as chances de sobrevivência da espécie à medida em que estes forem aprendidos e passados de geração para geração.
Os mabecos lutam pela sobrevivência neste mundo, após seu quase extermínio nas mãos dos humanos. A existência deles balança numa corda bamba. Para mim, é um sutil conforto o fato de a natureza ter-lhes oferecido uma nova fonte de alimentos, jogando um pouco a favor dessa esforçada criatura.