Na Ucrânia, crianças e adolescentes são treinados para a guerra

Nas regiões separatistas do leste do país, jovens se preparam para se defenderem, e defenderem sua nação.

Por Laurence Butet-Roch
fotos de Diego Ibarra Sánchez
Publicado 27 de mar. de 2019, 20:40 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Yelena Shevel, 10 anos, que sonha em se tornar veterinária, aprende a colocar máscara de gás ...
Yelena Shevel, 10 anos, que sonha em se tornar veterinária, aprende a colocar máscara de gás durante um treinamento no LIDER, um acampamento de verão nos arredores de Kiev, Ucrânia. Ela acredita que "é importante defender o nosso país porque se isso não for feito, a Rússia irá invadir a Ucrânia e nos tornaremos russos", algo que ela teme "porque não poderemos mais falar, ler e escrever em ucraniano".
Foto de Diego Ibarra Sánchez

PARA A JUVENTUDE EM países arrasados pela guerra, a educação sofre profundamente. Escolas são destruídas por bombardeios indiscriminados ou forçosamente transformadas em bases militares. Crianças e professores ficam em casa, com medo de pisar em uma mina terrestre ou de serem pegos no fogo cruzado. O local do aprendizado, visto como um porto-seguro, se torna um alvo.

Por quase uma década, o fotógrafo Diego Ibarra Sánchez analisa como conflitos interrompem, interferem e obstruem a educação. "A educação deveria ser uma forma de progresso, uma forma de construir ou reconstruir uma nação", observa ele. O que acontece com esse objetivo quando as instituições de ensino não conseguem exercer seus papéis?

Após explorar essa questão no Paquistão, na Síria, no Iraque, no Líbano e na Colômbia, Ibarra Sánchez focou na região de Donbass, no leste da Ucrânia. Desde 2014, os conflitos entre separatistas apoiados pelo Kremlin e o exército ucraniano têm exacerbado o sentimento nacionalista e espalhado caos nas escolas e seus alunos.

Quando eles perdem meses e até mesmo anos de aulas, os alunos ficam mais e mais defasados e isso prejudica o futuro deles, diz Ibarra Sánchez. Contudo quando alunos conseguem acesso à educação em zonas de guerra, eles percebem que o currículo foi modificado e o conteúdo transformado para refletir as intenções da facção no poder.

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    Nikita, 12 anos, no interior de uma escola bombardeada em 2014 e desde então abandonada em Nikishino, na República Popular de Donetsk. "Estava com muito medo no começo, mas eu me acostumei depois de um tempo", admite ele. "Eu sempre venho aqui brincar nos escombros. Às vezes, me sinto sozinho. Quase todos os meus amigos foram embora de Nikishino".
    Foto de Diego Ibarra Sánchez

    Em Donbass, diz Ibarra Sánchez, as organizações de jovens patriotas que ele documentou ensinam ativamente as crianças não apenas a sobreviverem, mas também a "odiarem 'o outro', se defenderem do vizinho e matá-lo se for preciso em nome do país".

    No LIDER, um acampamento de verão para crianças de 6 a 17 anos nos arredores da capital Kiev, jovens acordam e ouvem o hino nacional durante uma cerimônia de hasteamento da bandeira, antes de participarem de diversos exercícios de treinamento militar. Eles aprendem a rastejar por trincheiras, colocar máscaras de gás, montar e desmontar espingardas, atirar e muito mais. O tempo todo, diz Ibarra Sánchez, eles ouvem discursos sobrevivencialistas e anti-Rússia.

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    Um jovem cadete presta continência a seu superior no Colégio Militar G.T. Beregovoj, em Donetsk. Desde que a guerra começou em Donbass em 2014, mais de 300 alunos receberam diplomas da República Popular de Donetsk, programa do governo apoiado pela Rússia e criado em solo ucraniano.
    Foto de Diego Ibarra Sánchez

    Durante o tempo que passou no LIDER, o fotógrafo pediu aos jovens que respondessem três perguntas com textos e desenhos em um caderno: por que estavam no acampamento, por que queriam proteger seu país e quais eram seus sonhos. As respostas refletiram influências conflitantes: a indoutrinação no acampamento, a compreensão que tinham das realidades da guerra e também a juventude deles e o desejo que tinham por uma infância normal.

    Em seu caderno, Yelena Shevel, 10 anos, contou que gosta igualmente de ir à piscina e de atirar. Mykhailo Deinikov, 8 anos, escreveu que acredita "ser importante defender seu país porque ele pode ser capturado pelo inimigo muito facilmente e nós podemos ser levados como reféns e sermos mortos". Ainda, ele também escreveu sobre seu sonho pacífico de se tornar pesquisador de peixes: "Não quero me tornar um soldado porque isso é assustador. Meu sonho é que não haja mais guerra no mundo".

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    Denis, 13 anos, membro do clube patriota militar DND Mospino in Khartsyzsk, Donetsk, pratica tiro com uma espingarda com seu diretor Sergey, que o ensina disciplina, como usar armas pequenas, montar e desmontar um fuzil AK, atirar e lutar com facas.
    Foto de Diego Ibarra Sánchez

    Do outro lado desse conflito, academias de militares encorajam cadetes a entrarem para as forças armadas separatistas apoiadas por Kremlin. Foi relatado que o Colégio Militar G.T. Beregovoj na República Popular de Donetsk, o estado autoproclamado dos separatistas no leste da Ucrânia, formou mais de 300 alunos desde o início da guerra em 2014. Lá, também, conta Ibarra Sánchez, há uma ênfase implacável na demonização do inimigo: "Ter um inimigo é uma forma poderosa de reforçar a ideia de uma nação com um objetivo em comum".

    Desde 2014, mais de 10 mil vidas foram perdidas no leste da Ucrânia, de acordo com estimativas das Nações Unidas. Para Ibarra Sánchez, os conflitos e a forma como a juventude está sendo recrutada não são patriotismo de verdade. "Amar o seu país é ter o coração em paz", diz ele. "Quando você tentar impor as suas ideias a alguém, quando você pensa que é superior aos outros, que a sua bandeira, a sua história, a sua política, os seus valores são melhores, as coisas começam a ficar perigosas".

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