Construção polêmica de túnel sob Stonehenge é aprovada, apesar das objeções de arqueólogos

Apoiadores dizem que o túnel rodoviário reduzirá o congestionamento e a experiência dos visitantes será melhor. Opositores temem a perda de artefatos antigos ainda escondidos sob o solo.

Por Roff Smith
Publicado 17 de nov. de 2020, 17:00 BRT
Trecho congestionado por tráfego em rodovia próximo ao Stonehenge será substituído por túnel, anunciou o governo ...

Trecho congestionado por tráfego em rodovia próximo ao Stonehenge será substituído por túnel, anunciou o governo britânico.

Foto de Steve Parsons, PA Images, Getty

O governo britânico aprovou um plano polêmico para construir um túnel rodoviário com quatro faixas sob o Patrimônio Mundial Stonehenge. O túnel com cerca de três quilômetros de extensão e seus acessos fazem parte de um investimento de US$2,2 bilhões para melhorar a estreita rodovia A303 que surpreendentemente passa perto do icônico círculo de pedras e há um tempo é conhecida por congestionamentos e longos atrasos.

O projeto foi aprovado apesar de grandes objeções de um grupo de arqueólogos, ambientalistas e druidas modernos que consideram o local sagrado. Mas os apoiadores dizem que o túnel restaurará a paisagem ao seu cenário original e a experiência dos visitantes será melhor. Atualmente, o número de visitantes chega a 1,6 milhão por ano.

“Os visitantes poderão aproveitar o Stonehenge como ele deve ser aproveitado, sem a vista de um terrível congestionamento de caminhões passando próximo a ele”, disse Anna Eavis, diretora curatorial da English Heritage, organização beneficente responsável pela manutenção de mais de 400 monumentos históricos por toda a Inglaterra, incluindo o Stonehenge.

“As pessoas esquecem ou não percebem que Stonehenge é mais do que apenas um círculo de pedras, é uma paisagem”, explica Eavis. “A construção possibilitará caminhar no local novamente. Os visitantes poderão chegar às pedras pelo sul, por exemplo, sem arriscar suas vidas tentando atravessar a rodovia.”

Os opositores afirmam que o projeto do túnel pode causar danos irreparáveis a uma paisagem antiga que está começando a ser compreendida somente agora e ainda reserva muitas surpresas. No último mês de junho, a descoberta de 20 poços profundos dispostos em um enorme círculo próximo ao local forçou o governo a adiar a decisão sobre o projeto por mais quatro meses enquanto a descoberta era avaliada.

“O sensoriamento remoto revolucionou a arqueologia e está transformando nosso conhecimento sobre paisagens antigas — até mesmo o Stonehenge, local que acreditávamos que conhecíamos bem”, disse Vince Gaffney, arqueólogo de paisagem na Universidade de Bradford e codiretor do Projeto Stonehenge Hidden Landscape, que descobriu os poços cuja existência nunca havia sido suspeitada por ninguém antes. “Ninguém tinha ideia de que existiam esses poços no local. O que mais não sabemos?”

Originalmente uma estrada do século 18 para tráfego de carruagens entre Londres e Exeter, a rodovia A303 cresceu e se tornou uma das principais rotas para o sudoeste da Inglaterra. Além dos visitantes do Stonehenge, passam pela rodovia um grande tráfego de caminhões e turistas rumo às férias no litoral de Cornwall e Devon.

Um dos pontos de congestionamento mais conhecido ao longo da A303 é o trecho estreito de duas faixas entre Amesbury e Berwick Down, em Wiltshire. Esse ponto da rodovia fica a menos de 182 metros do icônico círculo de pedras, uma das atrações turísticas mais populares da Grã-Bretanha.

“A rodovia não foi projetada para um tráfego com tal intensidade”, diz Tom Fort, autor do livro Highway to The Sun (Estrada em direção ao Sol, em tradução livre), que conta a história da rodovia A303. Aos poucos, alguns trechos passaram por melhorias ao longo dos anos, sendo ampliados para quatro faixas, mas o trecho próximo ao Stonehenge sempre foi complicado. Nunca se chegou a um acordo sobre o que poderia ser feito no local.”

Ao longo das décadas, mais de 50 propostas foram apresentadas para solucionar o problema do trânsito. A ideia do túnel foi proposta inicialmente no começo da década de 1990 e reanalisada diversas vezes ao longo dos anos, mas todas as propostas foram descartadas devido ao alto custo.

O plano aprovado ampliará a rodovia para quatro faixas próximo ao Stonehenge e em seguida descerá para um túnel de aproximadamente três quilômetros de extensão que passará a uma distância de cerca de 200 metros ao sul do círculo de pedras.

Embora o projeto do túnel contemple a passagem a cerca de 39 metros abaixo da superfície — bem abaixo de qualquer camada arqueológica — os acessos serão construídos na camada superficial do solo que provavelmente é rica em artefatos desse local considerado Patrimônio Mundial. Isso preocupa Gaffney, que acredita que o túnel “precisa ser bem mais extenso, passando por baixo de toda a extensão do local. Não deveríamos destruir uma área de Patrimônio Mundial como essa. Temos o dever de cuidar dessa área.”

Opositores à construção do túnel incluem arqueólogos, ambientalistas e druidas modernos.

Foto de Finnbarr Webster, Getty

Antes do anúncio de hoje, um grupo de opositores à construção do túnel — incluindo a instituição beneficente Campaign to Protect Rural England (Campanha de Proteção à Inglaterra Rural) e o British Archaeological Trust (Fundo Arqueológico Britânico) — solicitaram que o governo reconsiderasse o plano.

“Se a ampliação da rodovia A303 próximo ao Stonehenge é essencial, ela deve ser feita por meio de um túnel profundo com pelo menos 4,5 quilômetros de extensão”, declara a petição do grupo, assinada por 150 mil pessoas. “Uma extensão menor que essa causaria danos irreparáveis a essa paisagem, uma violação à Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial.”

Os opositores também se preocupam com o trabalho arqueológico preparatório realizado antes da escavação do túnel, que pode não ser mantido no mesmo alto padrão de uma escavação acadêmica.

“Como pesquisador, se eu quisesse escavar um local considerado Patrimônio Mundial como o Stonehenge, eu teria que concordar em peneirar 100% da camada superficial do solo”, disse Michael Parker Pearson do Instituto de Arqueologia da University College London que escavou o Stonehenge por muitos anos. “Eu não receberia uma autorização diferente dessa. A maior parte da arqueologia é encontrada na camada superficial do solo.” A construtora do túnel terá permissão para peneirar no máximo 1% da camada superficial do solo, contou Pearson.

Eavis do English Heritage disse, no entanto, que peneirar toda a camada superficial do solo não é uma prática padrão em um projeto dessa dimensão. “A rota da rodovia foi pesquisada e avaliada arqueologicamente, e estratégias adequadas de escavação e peneiração foram colocadas em prática para garantir que nada importante seja perdido”, disse ela.

O arqueólogo Mike Pitts concorda. “A camada superficial em áreas relevantes para o projeto do túnel foi arada intensamente por séculos”, disse Pitts, editor da revista British Archaeology, publicada pelo Conselho Britânico de Arqueologia. “Provavelmente só serão encontradas ferramentas de pedra e resíduos da produção dessas ferramentas, sem nenhum contexto arqueológico.”

Nem todos os arqueólogos são contra o projeto. “Eu sou um grande defensor do túnel e espero que ele seja construído assim que possível”, disse Timothy Darvill da Universidade de Bournemouth. “As pessoas precisam lembrar que não se trata da construção de uma estrada em um local considerado Patrimônio Mundial, como alguns parecem pensar. É um projeto para retirar uma estrada existente e torná-la subterrânea.”

Todos concordam que a estrada atual é um desastre e precisa de uma solução, esclarece Darvill. “Basta ouvir o vídeo ao vivo da celebração do solstício de verão que ocorreu em junho. Durante toda a noite se ouve os ruídos vindos da rodovia, e isso foi durante o período de isolamento, quando supostamente deveria haver pouco tráfego.”

Darvill também disse que há outro fator em favor do túnel: “Segundo a Highways England, se o túnel não for construído, provavelmente haverá uma solução na superfície envolvendo uma via com duas faixas. Ninguém quer que isso aconteça!”

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