Outrora segredos de estado, bunkers albaneses agora são museus

Arte e ideias criativas transportam Tirana, a movimentada capital da Albânia, para longe de seu passado comunista.

Por Jennifer Barger
fotos de Alessio Mamo
Publicado 6 de abr. de 2021, 17:00 BRT
Bunk'Art 7

No centro de Tirana, na Albânia, uma entrada em forma de cúpula leva ao Bunk’Art 2, um museu de arte e história no interior de um abrigo nuclear subterrâneo da era comunista.

Foto de Alessio Mamo

Em muitos países do antigo Bloco Oriental, bolas de demolição derrubaram enormes edifícios comunistas e estruturas militaristas da Guerra Fria após a queda do Muro de Berlim. Em Tirana, a capital cercada por montanhas da Albânia, governo e artistas locais escolheram formas mais vibrantes e incomuns para sair dos anos de ditadura e depressão econômica.

Mansões cinzentas e em ruínas da era otomana foram pintadas em tons de laranja e amarelo impermeável; prédios cinzentos stalinistas tornaram-se grandes telas para obras cubistas abstratas em tons brilhantes ou faixas de arco-íris. Grande parte do crédito vai para o ex-prefeito Edi Rama, pintor que se tornou político (atualmente primeiro-ministro da Albânia) e iniciou, no ano 2000, um movimento de embelezamento em toda a cidade. O resultado foi artistas enfeitando fachadas de edifícios e funcionários da cidade plantando 55 mil árvores e arbustos em espaços públicos.

O Museu Nacional da Albânia fica na Praça Skanderberg, no centro de Tirana, local de protestos no início da década de 1990 que levaram à queda do comunismo no país.

Foto de Alessio Mamo

No centro de Tirana, a entrada do Bunk’Art 2 leva a um abrigo subterrâneo antibombas da era comunista que foi transformado em museu de arte e história. A entrada foi construída para se assemelhar a um dos bunkers de artilharia com cúpula para duas pessoas que são encontrados na Albânia.

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“Quando as cores começaram a surgir em toda parte, um clima de mudança começou a transformar o ânimo das pessoas”, declarou Rama em uma palestra TED Talk. “Isso reavivou a esperança que estava perdida em minha cidade.” Moradores e turistas agora utilizam os edifícios pintados de arco-íris como pano de fundo para selfies, e o governo afirma que a pintura ajudou a diminuir a criminalidade e aumentar o orgulho local.

A arte pública e a pintura não são as únicas forças que movem essa pequena capital dos Bálcãs para além da opressão da era comunista. Por toda Tirana, museus de história ocupam antigos bunkers militares e galerias se espalham em bairros antes reservados para oficiais do partido.

Um ditador paranoico e sua obsessão por bunkers

Até uma ou duas décadas atrás, a lembrança mais comum de Tirana que alguém poderia levar para casa provavelmente seria um cinzeiro de alabastro em forma de bunker, não uma selfie tirada na frente de um edifício colorido. Os bibelôs com cúpula prestam uma amarga homenagem aos mais de 173 mil bunkers (bunkerët) que outrora se espalhavam pela Albânia e por sua capital, lembretes sombrios do reinado do ditador Enver Hoxha, entre 1941 e 1985.

Brutal com seus cidadãos e notoriamente paranoico, Hoxha acreditava que os países vizinhos Grécia e Iugoslávia, bem como ex-aliados soviéticos, queriam invadir a Albânia. Por isso, da década de 1960 até o início da década de 1980, ele construiu milhares de fortalezas de concreto por todo o país, com tamanhos que variavam de iglus para duas pessoas a tocas subterrâneas de vários cômodos. (Para ter uma ideia de como o programa era difundido, assista ao recente documentário Mushrooms of Concrete, Cogumelos de Concreto em tradução livre.)

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      Bunkers de concreto abandonados em um penhasco na Península de Cap Rodon, no leste da Albânia.

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      A paranoia isolou ainda mais o país e drenou finanças e energia, tornando-o um dos países mais pobres da Europa. No fim, toda essa mistura de cimento foi em vão. “Hoxha gastou bilhões de dólares no seu sonho de “bunkerizar” (bunkerizimi) cada centímetro da Albânia, escravizar e levar toda uma população à beira da fome”, declara Admirina Peçi, jornalista e historiadora local. “Mas a história provou que o risco real de ataques era zero.”

      Hoje, embora muitos bunkers tenham desabado ou sido destruídos, centenas ainda permanecem, reaproveitados como celeiros de animais; pintados para que pareçam flores nos subúrbios da cidade; ou, para adolescentes, utilizados como esconderijos isolados para namorar. Em alguns dos resorts da costa adriática da Albânia (cerca de uma hora a oeste de Tirana), cúpulas de cimento se transformaram em barracas de comida e vestiários. O Elesio Resort, em Golem, transformou seu bunker subterrâneo em um spa; seu teto abobadado, que se projeta para o restaurante do hotel, é forrado com prateleiras que oferecem bufês de café da manhã.

      Esconderijos da Guerra Fria tornam-se museus

      Os mais elaborados reaproveitamentos dessas estruturas apocalípticas são os Bunk’Art, dois museus de história/galerias de arte que ocupam dois abrigos nucleares subterrâneos construídos para Hoxha e seus aliados. Entre salas sem janelas e portas de aço grossas destinadas a proteger os líderes do partido de uma explosão nuclear, instalações em vídeo, artefatos e arte contemporânea mergulham na história albanesa do século 20, incluindo a ocupação fascista italiana entre 1939 e 1944, bem como a era comunista.

      “Estava ficando cada vez mais difícil encontrar símbolos do regime de Hoxha. As únicas peças do comunismo eram os milhares de bunkers espalhados por todo o país como cogumelos de concreto”, relata Carlo Bollino, jornalista italiano que hoje mora na Albânia e ajudou a fundar o Bunk’Art em 2014. “Um museu dentro de um abrigo antibombas parecia uma maneira de mostrar a história.”

      Um túnel nas montanhas próximas de Tirana, na Albânia, leva até o Bunk’Art 1. O museu e espaço cultural localizado em um abrigo nuclear da Guerra Fria explora a brutal história comunista do país.

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      Quartos sem janelas no Bunk’Art 1 exibem máscaras de gás da era comunista e outros artefatos projetados para sobreviver a um ataque nuclear.

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        Busto do ex-ditador da Albânia, Enver Hoxha, pendurado em uma cesta de basquete no Bunk’Art 1.

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        Os dois Bunk’Arts – um nos arredores de Tirana e o outro no centro da cidade – expressam uma mistura eclética de história e arte. Uma mostra sobre a ênfase exagerada nos esportes na época de Hoxha recria de forma dissimulada um ginásio escolar; uma cesta de basquete contém um busto do ditador. Na entrada do Bunk’Art 2, no centro da cidade, fotos antigas de albaneses assassinados pelo governo comunista se alinham na entrada em forma de cúpula ao som de uma trilha sonora composta pelas lembranças de seus parentes.

        “Os albaneses têm uma forte relação com o ato de recontar o passado”, explica Driant Zeneli, videoartista de Tirana com obras em exibição no Bunk’Art. Como os artistas só puderam se expressar livremente após a queda do comunismo em 1990, Zeneli sente que a comunidade está recuperando o tempo perdido. “Hoje em dia, a Albânia é um lugar de grandes ideias e energia, com artistas que traduzem a transição de uma longa ditadura. É o olhar de uma geração compreendendo seu passado e com vistas para o futuro.”

        Alguns ativistas e albaneses mais jovens acreditam que é preciso fazer mais para preservar as estruturas militares da Guerra Fria e usá-las para recontar um período da história marcado por campos de trabalho forçado e interrogatórios brutais pela polícia secreta Sigurimi.

        “Não há nenhuma política de memória, nenhum desejo do ministério da cultura da Albânia de lidar com o legado comunista ou pensamento estratégico sobre o que fazer com os bunkers”, declara Ivo Krug, cofundador da Tek Bunkeri, uma ONG com sede em Tirana que trabalha para reaproveitar os bunkers e reavivar as comunidades rurais. O grupo transformou um túnel de cimento próximo de Tirana em um museu temporário de arte e cultura em 2017 e espera ajudar a construir um de história em um enorme abrigo subterrâneo em Vlora, cidade no oeste da Albânia e Patrimônio Mundial da Unesco.

        Embora alguns críticos afirmem que reaproveitar ou pintar estruturas da Guerra Fria seja uma solução barata para a infraestrutura em ruínas (ou uma tentativa de camuflar a história sombria da Albânia), essas mudanças criativas trouxeram otimismo e movimento para uma cidade antes considerada monótona e em depressão econômica. Paredes brilhantes em bairros antigos como Pazari i Ri e Ali Demi agora atraem turistas, e murais de rua, proibidos durante os tempos comunistas, floresceram por toda a cidade.

        “A cor era quase inexistente nos espaços públicos [até a década de 2000], mas dia após dia, folhas gigantes, figuras geométricas, pontos e palavras aparecem nas fachadas dos edifícios”, conta a artista local Ledia Konstandini, que criou uma crônica das mudanças na cidade com ilustrações e fotos. “No início, pareciam deslocadas. Mas quanto mais fachadas decoradas apareciam, mais naturais elas ficavam. As pessoas superaram o medo e os limites usando as cores, e isso se tornou parte de nossa identidade urbana.”

        Homem sentado em um parque no centro de Tirana, tendo como pano de fundo a Mesquita Namazgja.

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        Perto da Praça Skanderberg, no centro da cidade (uma homenagem ao herói do século 15 que lutou contra os turcos), a Galeria de Artes Nacional une o passado e o presente da Albânia. Obras contemporâneas – esculturas sonoras, fotojornalismo – fazem companhia a uma grande exibição de pinturas e desenhos do “Realismo Socialista”.

        Artistas de meados do século 20, “guiados” pelo governo opressor, criaram imagens idealizadas de fazendas e camponeses felizes. Belas imagens – aldeões em trajes folclóricos elaborados de Kolë Idromino, operárias com lenços na cabeça de Isuf Sulovari — sugerem uma antiga utopia socialista que não combina com as exposições no Bunk’Art.

        Algumas quadras ao sul, há outro símbolo em ruínas do passado comunista da Albânia, a Pirâmide de Tirana. Construído em 1988 como uma homenagem a Hoxha, o gigantesco colosso de cimento e vidro foi abandonado nas últimas décadas. Mas uma reforma futurística do edifício brutalista teve início em fevereiro. A ideia é transformar o espaço em um centro cultural e escola de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, completo com um escorregador do lado de fora.

        Como a maioria das mudanças nos espaços históricos de Tirana, a reforma em potencial da pirâmide gerou controvérsias. “Muitas pessoas consideram que essas coisas são uma simples maquiagem, como passar batom em um rosto velho”, explica Konstandini. “Como artista, acredito na linguagem urbana e acho que Tirana está ganhando um novo vocabulário para expressar sua vida e seu temperamento.”

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