Conheça a lontra ancestral gigante com mordida superpotente
Novo estudo evolutivo sugere que as lontras perderam força no maxilar depois de aprender a usar ferramentas.
Há seis milhões de anos, lontras de 45 quilos caçavam em algum lugar das zonas úmidas pantanosas do que hoje é o sudoeste da China.
Ao contrário das lontras-marinhas de hoje, que usam pedras para esmagar e abrir ouriços nas costas do Pacífico da América do Norte e da Ásia, a criatura ancestral usava suas mandíbulas poderosas para abrir conchas de molucoes
Conheça a Siamogale melilutra, um antepassado pré-histórico da lontra que foi descoberto na província chinesa de Yunnan e descrita no início deste ano.
Em novo estudo, pesquisadores examinaram a mandíbula do animal e determinaram que ele provavelmente foi um predador alfa do fim do período Mioceno. Tinha mandíbulas fortes e dentes feitos para esmagar que permitiam o consumo de uma grande variedade de presas.
"Ainda achamos que ele consumia moluscos, mas em um nível de capacidade muito além do que vemos nas lontras", diz o líder do estudo, Z. Jack Tseng, da Universidade SUNY em Buffalo.
A descoberta não só fornece informações sobre a vida desse gigante ancestral, mas também oferece pistas sobre o comportamento das lontras modernas, incluindo o uso de ferramentas por algumas espécies.
VOCÊ DEVERIA SABER
Hoje, as lontras geralmente se dividem em dois grupos: malacófagos comem invertebrados de casca dura como caranguejos, amêijoas e ouriços; piscívoros se alimentam principalmente de peixes.
Para entender melhor os hábitos alimentares da Siamogale, Tseng e sua equipe arredondaram mandíbulas e crânios de dez das 13 espécies de lontra vivas e criaram modelos 3D computadorizados dos maxilares delas e do fóssil.
Quando os músculos movimentam o maxilar, a energia passa pelo osso e chega nos dentes. Parte dessa energia naturalmente se perde para o atrito e o calor e, no caso das mandíbulas, para pequenas deformações na forma do próprio osso.
Uma mastigação mais eficiente implicaria, portanto, em mandíbulas mais rígidas, que se dobram menos à medida que mordem – a eficiência da mordida pode jogar luz nas preferências alimentares.
Malacófagos, eles raciocinaram, teriam mandíbulas mais rígidas do que os piscívoros, porque precisam quebrar os duros exoesqueletos de suas presas. Em vez disso, eles encontraram um relacionamento linear simples para todas as lontras vivas, mesmo após ter considerado o tamanho do corpo: quanto menor a lontra, mais forte é a mordida.
"Isso nos causou uma surpresa", diz Tseng, cuja equipe relatou as descobertas esta semana no periódico Scientific Reports.
A próxima surpresa foi que o maxilar da Siamogale se mostrou seis vezes mais rígido do que o tamanho do corpo indicaria. Como as lontras são tão bem adaptadas à caça na água, esse animal de grande porte provavelmente ainda estava se alimentando de mariscos, mas conseguiria morder presas mais duras e maiores que as das seus parentes modernos.
HORA DO MARTELO
Embora nenhuma seja tão notável quanto a Siamogale, algumas lontras modernas caem fora do padrão linear que Tseng e seu time descobriram.
Por exemplo, a lontra-sem-garras-do-cabo tem mandíbulas mais resistentes do que seu tamanho sugere, mas apenas um pouco mais fortes. Essa característica, sem sombra de dúvida, reflete seu gosto por caranguejos, cujas conchas são relativamente resistentes. Enquanto isso, as lontras-marinhas, que comem ouriços com frequência, na verdade têm mandíbulas mais flexíveis do que o tamanho do seu corpo indicaria.
Isso pode ser porque as lontras-marinhas quebram o exoesqueleto de ouriços com as mãos. Um dos poucos usuários de ferramentas conhecidas entre os mamíferos marinhos, elas usam martelos de pedra para esmagar as presas.
Por enquanto, trata-se apenas de uma especulação, mas os pesquisadores acham que o desenvolvimento do uso de ferramentas pelas lontras pode ter reduzido a necessidade de mandíbulas e crânios poderosos.
"Nós não temos evidências sólidas", admite Tseng, "mas é sugestivo".
"Eu acho que eles estão no caminho certo", diz o paleontólogo da Faculdade de Charleston, Bobby Boessenecker, que não estava envolvido no estudo. Ele ressalta, no entanto, que o registro fóssil das lontras marinhas permanece muito esparso para se ter certeza.
Ainda assim, não é uma idéia maluca. Alguns antropólogos argumentam que, assim que os humanos antigos começaram a usar ferramentas, eles começaram a mostrar alterações na anatomia do crânio. Ao transferir parte do trabalho de digestão para as mãos, nossos crânios passaram de máquinas de processamento de alimentos para trabalhar como dispositivos de proteção cerebral.
"De alguma forma", diz Tseng, "dieta e evolução cerebral estão associados".
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