Não se deixe enganar pelas redes sociais: animais selvagens são péssimos pets
Animais de estimação exóticos podem parecer fofos, mas são geralmente fedorentos, difíceis e até perigosos — além, é claro, de que criá-los pode configurar crime ambiental no Brasil.
VOCÊ GOSTARIA de ter um panda-vermelho como animal de estimação? Ou um bicho-preguiça? E que tal um lóris-preguiçoso, um tipo de primata fofinho?
No Brasil, criar espécimes da fauna silvestre sem a devida autorização de autoridades competentes é crime ambiental, conforme o Artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais.
Claro que não possuir animais selvagens em casa é também uma questão de bem-estar animal. Nenhum deles foi domesticado, eles evoluíram para viver em seus ambientes naturais e não em habitações humanas, e o comércio de animais exóticos de estimação é conhecido por seu tratamento cruel e é normalmente abastecido pela caça ilegal.
Mesmo assim, em outros países, a demanda por animais selvagens de estimação está crescendo, estimulada em parte por vídeos da internet que mostram como eles são adoráveis. Em alguns casos, os donos publicam vídeos de animais selvagens sob seus cuidados, afagando-os como se fossem animais domésticos.
Existem outros motivos mais imediatos e talvez egoístas para não criá-los em casa: esses animais, embora fofos e adoráveis, não dão bons animais de estimação.
Pandas-vermelhos
Pandas-vermelhos têm uma pelagem cor de ferrugem exuberante, grandes orelhas felpudas e uma frondosa cauda listrada. Entretanto, por mais que pareçam fofos, você não iria querer abraçar um: quando perturbados, podem soltar um cheiro forte da glândula anal que é tão repulsivo que espanta os predadores.
“Não é bom ter animais selvagens como animais de estimação e não é bom especificamente ter um panda-vermelho como animal de estimação”, afirmou Thane Maynard, diretor do Zoológico e Jardim Botânico de Cincinnati. “Eles têm garras iguais às de um gato, arranhariam seus móveis e talvez até você. E marcam o território como muitos mamíferos, então sua casa cheiraria muito mal.”
Eles também passam a maior parte do tempo em árvores, em florestas equatoriais de alta altitude da China central, Nepal e norte de Myanmar—condições (obviamente) difíceis de reproduzir.
Os animais estão ameaçados de extinção em toda a sua área de ocorrência e seu comércio é ilegal segundo a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (“Convention on International Trade in Endangered Species” em inglês ou “CITES”).
Bichos-preguiça
Esses pacatos mamíferos de movimento lento vivem em florestas equatoriais e manguezais da América do Sul e Central. Eles passam a maior parte da vida nas copas das árvores, descendo apenas uma vez por semana para defecar. Por sua tendência ao relaxamento, é comum se pensar que os bichos-preguiça têm temperamento calmo, o que nem sempre é verdade.
Quando os bichos-preguiça se sentem ameaçados, eles podem usar e usam as garras afiadas (e dentes) para se defender. Eles também não são particularmente sociáveis. Exceto quando copulam e criam os filhotes, os bichos-preguiça levam uma vida solitária.
“Bichos-preguiça são animais sensíveis. O toque frequente [das pessoas] pode lhes causar graves danos psicológicos”, afirma Cassandra Koenen, chefe global de animais exóticos de estimação da World Animal Protection (Proteção Mundial de Animais, em tradução livre), organização de bem-estar animal sem fins lucrativos.
Bichos-preguiça também são extremamente vulneráveis a mudanças de temperatura. Para manter um bicho-preguiça saudável, ele deve viver em um ambiente com temperatura aproximada entre 26oC e 29oC e umidade de 80%.
Petauros-do-açúcar
Petauros-do-açúcar são um dos mais populares animais exóticos de estimação em parte porque a reprodução em cativeiro os torna fáceis de encontrar. É permitido ter um no Reino Unido e em certas regiões dos Estados Unidos e da Austrália, mas grupos defensores dos direitos dos animais como a People for the Ethical Treatment of Animals (“PETA”, ou Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais, em tradução livre) continuam a clamar por um banimento internacional.
Os animais, nativos da Austrália e ilhas vizinhas, são altamente sociáveis e vivem em grandes grupos familiares. Esses animais são capazes de planar de árvore em árvore com o auxílio de uma aba na pele que se estende entre os membros. Mas eles têm garras afiadas, semelhantes a sabres, que os ajudam a escalar.
Apesar das garras terem menos de 3 centímetros de comprimento, pode ser desconfortável ou até mesmo doloroso manusear o animal sem luvas. Às vezes, as pessoas cortam as unhas deles, mas o procedimento não é simples–um pequeno erro de cálculo pode lhes custar a ponta de um dedo.
Além disso, os animais são noturnos e conhecidos por vocalizações altas. E com um comprimento aproximado de apenas 15 centímetros, é fácil eles sumirem ou fugirem (Leia mais: A perigosa tentação de possuir animais exóticos de estimação).
Raposa-do-deserto
Encontrada nos desertos do norte da África e no Oriente Médio, a raposa-do-deserto é a menor raposa do mundo, pesando em média um quilograma. O corpo é recoberto por uma espessa camada de pelos alaranjados que repelem o calor durante o dia e mantêm as raposas aquecidas à noite.
As raposas-do-deserto são escavadoras habilidosas, vivendo com outras em tocas subterrâneas. Usando suas patas em formato de pás, essas raposas são capazes de cavar túneis de até 9 metros de comprimento em média. A urina delas tem o cheiro do borrifo de gambás e a glândula anal delas pode soltar um odor repugnante caso se sintam ameaçadas.
Apesar das décadas de reprodução em cativeiro, elas ainda não estão domesticadas e são difíceis de treinar. Assim, elas geralmente acabam fugindo ou deixando o ambiente malcheiroso.
Lóris-preguiçoso
Lóris-preguiçosos são primatas noturnos que habitam as florestas tropicais do sudeste da Ásia. No início da década de 2000, vídeos de lóris-preguiçosos sendo afagados e comendo bolinhas de arroz invadiram a internet, aumentando a demanda por eles como animais de estimação.
O que muitos não sabem é que o lóris-preguiçoso é o único primata venenoso do mundo.
Isso mesmo—lóris-preguiçosos possuem glândulas de veneno nos cotovelos. Quando um lóris-preguiçoso se sente ameaçado, ele lambe essas glândulas para recobrir os dentes em formato de agulha com o veneno. Embora as reações a esse veneno sejam normalmente brandas, elas podem apresentar risco de morte a quem é propenso a choques anafiláticos.
Em um estudo de 2016, pesquisadores da Universidade Oxford Brookes examinaram 100 vídeos online de lóris de estimação e, em todos, o animal estava aflito, doente ou exposto a condições não naturais.
Todas as nove espécies de lóris-preguiçoso são listadas como vulneráveis, ameaçadas de extinção ou criticamente ameaçadas de extinção pela International Union for Conservation of Nature (“IUCN”, ou União Internacional para a Conservação da Natureza, em tradução livre) e geralmente tê-las é proibido. Caçadores retiram milhares de lóris-preguiçosos da natureza todos os anos, muitos dos quais são contrabandeados para o maior mercado de animais, localizado no Japão.
Capivaras
Capivaras são os maiores roedores do mundo, pesando até 50 quilogramas e com dentes espessos semelhantes aos de castores, capazes de partir varetas com facilidade. Esses animais semiaquáticos, encontrados na América do Sul, têm a reputação de serem “tranquilos” devido às fotografias virais de animais como pássaros, macacos e até cabras em cima de capivaras aparentemente indiferentes.
Mas cuidar desses animais está longe de ser algo tranquilo. Como seus primos porquinhos-da-índia, eles são sociáveis e precisam viver com seus semelhantes para serem felizes. As capivaras vivem em bandos de 10 a 20 indivíduos e seguem uma estrita hierarquia social. E apesar de ser raro capivaras morderem gente, elas podem morder e seus dentes grandes podem causar uma grave lesão.
Além disso, são hábeis na fuga. Em 1995, cinco capivaras fugiram de uma instalação de animais silvestres perto de Gainesville, na Flórida. Elas conseguiram escapar das autoridades e, como resultado, dezenas de seus descendentes ainda vivem na região até hoje.
Tigres
Ter um tigre no Reino Unido e em vários estados dos Estados Unidos não é contra a lei. Mas não é uma boa ideia.
“Há tantos motivos para não se ter grandes felinos”, conta Maynard. “Em primeiro lugar, eles são exponencialmente mais perigosos que os outros animais exóticos de estimação. Um panda-vermelho pode arranhar você, mas um tigre pode matá-lo em um instante.”
Ao longo do século passado, tigres mataram mais pessoas em ataques diretos do que qualquer outro mamífero. Pelo menos cinco pessoas morreram golpeadas por tigres mantidos em cativeiro desde 2007.
Maynard afirma ser comum pessoas comprarem filhotes de tigres e tentarem deixá-los em zoológicos quando percebem que ficaram grandes demais. Com seis meses de idade, a maioria dos filhotes de tigre já pesa quase 50 quilogramas. Os tigres-de-sumatra, a menor subespécie, podem alcançar aproximadamente 120 quilogramas quando adultos, ao passo que os tigres-siberianos podem pesar até o triplo.
No entanto agora existem mais tigres em cativeiro nos Estados Unidos do que existem na natureza (onde são ameaçados de extinção, com uma população total inferior a 4 mil indivíduos).
Lêmures
Com olhos expressivos e pelagem aveludada, é possível entender por que tantas pessoas consideram os lêmures fofos. Há mais de 100 espécies diferentes de lêmures espalhadas por Madagascar e nas ilhas vizinhas, mas a maioria das pessoas está familiarizada apenas com o lêmure-de-cauda-anelada–a espécie mais popular entre os donos de animais exóticos de estimação.
“Lêmures dão péssimos animais de estimação”, afirma Cathy Williams, curadora do Centro Duke de Lêmures, Williams prossegue: “Quando um filhote de lêmure cresce, ele não é fofo e, aliás, pode ser bem perigoso.”
Quando os lêmures chegam à maturidade sexual, geralmente entre dois e três anos, começam a exibir comportamentos agressivos como caçar e morder.
Lêmures possuem dentes caninos pequenos, mas excepcionalmente afiados que podem perfurar a pele humana com facilidade, explica Williams. “Perdi a conta de quantas ligações são recebidas (pelo Centro Duke de Lêmures) de pessoas que dizem que seu filhote meigo de lêmure comprado na internet ficou agressivo e que não querem mais ficar com ele.”
Além disso, não aprendem a fazer as necessidades em um determinado local e o contato com as fezes deles pode expor as pessoas a uma ampla gama de patógenos, inclusive os associados a tênias, ao verme da tricuríase, à giárdia e à salmonela. Eles também marcam o território com secreções glandulares que Williams descreve como “repulsivas”.
Cães-da-pradaria
Esses roedores altamente sociais possuem pelagem castanha e macia e são conhecidos por acariciar e até beijar outros membros de seu grupo familiar. Na natureza, os cães-da-pradaria vivem em grandes colônias ou "cidades" que podem ultrapassar 80 hectares e conter dezenas de grupos familiares.
Assim, eles demandam muita atenção e a presença de outros cães-da-pradaria, e podem ficar agressivos se negligenciados, de acordo com o Ness Exotic Wellness Center [Centro Ness para o Bem-Estar de Animais Exóticos, em tradução livre], uma clínica veterinária localizada em Illinois e especializada em animais exóticos.
Evidente que o habitat subterrâneo deles é difícil de reproduzir em ambiente doméstico. A maioria das pessoas mantêm os cães-da-pradaria em gaiolas metálicas, o que causa estresse e os impossibilita de cavar. Embora não seja ilegal possuir um cão-da-pradaria como animal de estimação em grande parte do mundo ocidental, é bem pouco prático e injusto com os animais.
Lontras da espécie Aonyx cinereus
Encontrada em todo sudeste, esses carnívoros cor de charuto são bem carismáticos. São muito sociáveis e vivem em grandes grupos familiares. Nas duas últimas décadas, a demanda por lontras vivas dessa espécie (e de espécies relacionadas) disparou. No Japão, onde é mais comum ter lontras, é possível encontrar lontras de estimação em cafeterias, na televisão e em casas de influenciadores de mídias sociais (Lontras selvagens são a última moda em animais exóticos de estimação).
Nicole Duplaix, que chefia o Grupo Especialista em Lontras da IUCN, disse recentemente à National Geographic que lontras mantidas em cativeiro são destruidoras e podem ficar agressivas quando não recebem o que querem.
O Grupo Especialista em Lontras da IUCN adverte os donos de animais que “mordidas, até mesmo de lontras pequenas, podem atravessar luvas e botas de borracha.” Além disso, elas marcam o território com depósitos de urina, excrementos e secreções oleosas das glândulas anais. Em outras palavras, elas não dão bons animais de estimação.