As panteras negras se beneficiam da cor escura? Depende

A pelagem escura proporciona uma boa camuflagem noturna, mas pode prejudicar a comunicação visual entre felinos com melanismo, aponta novo estudo.

Por Mary Bates
Publicado 4 de jan. de 2020, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Onça-pintada preta nadando em um rio no Brasil. “Pantera negra” é um termo amplo que se refere às 14 espécies de gatos selvagens que podem apresentar melanismo.
Foto de Frans Lanting, Nat Geo Image Collection

Felinos pretos povoam nosso imaginário há muito tempo, de super-heróis dos quadrinhos a símbolos de superstição. Eles também são mais comuns do que você imagina: pelo menos 14 das mais de 35 espécies de gatos selvagens — incluindo onças, leopardos e linces — podem carregar o gene responsável pelo melanismo, que é o excesso de melanina ou pigmentação na pelagem do felino. O termo “pantera negra,” na verdade, é um conceito abrangente que faz referência a qualquer gato selvagem cuja pelagem apresenta pigmentação preta.

A constância do melanismo entre os felídeos selvagens sugere que ele oferece alguma vantagem, como camuflagem ou regulação da temperatura corporal.

Pesquisa publicada em dezembro na revista científica PLOS ONE revelou uma possível desvantagem: prejuízo na comunicação. Diversas espécies de gatos selvagens possuem manchas brancas, na parte traseira das orelhas e na ponta das caudas, que lhes permitem sinalizar informações cruciais para outros indivíduos da espécie — essas manchas, porém, são inexistentes em felinos com melanismo. 

Para o estudo, o ecologista Maurício Graipel, da Universidade Federal de Santa Catarina, e alguns colegas criaram um modelo da relação entre pelagem negra e comunicação. Os resultados sugerem que, embora uma melhor camuflagem noturna seja benéfica aos felinos pretos, a ausência de manchas brancas seja o ponto fraco deles, resultando em um dilema evolutivo — é melhor ter ou não ter melanismo?

Não há resposta clara, mas a pesquisa é um olhar interessante sobre essas compensações, que são traços distintivos da evolução, afirma Nicholas Pilfold, pesquisador em sustentabilidade populacional do Zoológico de San Diego que contribuiu para a confirmação científica, no início do ano, do leopardo negro na África.

“Nós muitas vezes focamos na vantagem adaptativa de um traço específico e ignoramos o custo,” diz Pilfold, que não participou do novo estudo. “O ponto forte desse estudo é a sugestão de uma desvantagem que pode influenciar o comportamento dos felinos com melanismo e sob quais condições o traço pode perdurar.”

Além disso, entender mais sobre o melanismo em gatos pode ajudar na proteção desses animais, muitos dos quais estão com a população em declínio devido à perda de habitat e à caça ilegal. Pelo menos 18 espécies de gatos selvagens estão vulneráveis ou em perigo de extinção, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza.

O segredo está nas orelhas

Graipel estava no sul do Brasil investigando os padrões de atividade do gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus), um felino do tamanho de um gato doméstico, quando sua armadilha fotográfica capturou evidências de animais com e sem melanismo.

Para surpresa dele, os dados mostraram que os gatos-do-mato-pequenos de pelagem negra eram mais ativos durante noites iluminadas pelo luar do que os outros indivíduos da espécie avistados regularmente. Graipel e seus colegas atribuíram esse padrão à camuflagem mais eficaz dos felinos pretos, o que os torna menos visíveis para presas e predadores.

Entretanto, Graipel notou algo a mais: enquanto os gatos-do-mato-pequenos sem melanismo têm manchas brancas na parte traseira das orelhas, seus primos com melanismo não apresentam essa característica na pelagem.

O branco fica evidente à noite e todas as espécies de felinos são, pelo menos, parcialmente ativas quando escurece, então Graipel questionou a função dessas manchas brancas na comunicação visual — e o que isso significaria para os gatos que, em razão do melanismo, não as possuem.

Sendo assim, Graipel e sua equipe coletaram todos os registros que conseguiram encontrar de ocorrências cientificamente confirmadas de melanismo na família dos felinos. Depois, vasculharam por imagens de gatos com manchas brancas na parte traseira das orelhas em livros, artigos e na internet. Para esses dados, levaram em consideração as características ecológicas das espécies, como níveis de atividade diurna e noturna, e utilizaram modelagem estatística para investigar a correlação entre pelagem negra e comunicação.

“Considerando os diversos significados que o posicionamento das orelhas pode ter, especialmente para outros indivíduos da mesma espécie, e que os felinos têm ótima visão mesmo em baixa luminosidade, essas manchas brancas podem servir como um sinal de alerta silencioso para os demais animais que os acompanham durante a noite,” disse Graipel por e-mail.

Além disso, ao levantarem a cabeça e esticarem as orelhas para exibir as manchas brancas, as mães podem alertar seus filhotes sobre algum perigo iminente, afirma ele.

Gatos pretos dão sorte?

A função vital que as manchas brancas desempenham na comunicação dos felinos pode limitar o número de indivíduos com melanismo na maioria das espécies desses animais. Contudo se uma espécie for ativa durante o dia, pode não ser tão ruim assim possuir pelagem escura.

Veja, por exemplo, o jaguarundi da América do Sul. É uma espécie de gato selvagem com hábitos mais diurnos, portanto a comunicação noturna por meio de manchas brancas tem menor importância para a sobrevivência. Corroborando essa teoria, cerca de 80% dos jaguarundis têm melanismo, a maior frequência dessa mutação entre todas as espécies de felino, conta Graipel.

Mesmo dentro das populações de uma espécie, a frequência do melanismo pode variar.  Esse é o caso dos leopardos, presentes ao longo de toda África e Ásia. Leopardos com melanismo nas savanas abertas da África, onde os felinos caçam durante o dia e à noite, são extremamente raros. Porém nas densas florestas tropicais da Malásia, onde os leopardos são ativos principalmente durante o dia, as taxas de melanismo sobem para 50% da população. De acordo com Pilfold, as novas descobertas fornecem contexto para o motivo dessas diferenças entre as populações.

“Compreender melhor como o uso do habitat pode ser influenciado pela presença de melanismo em uma população,” conta ele, “pode ​​nos ajudar a garantir que sejam protegidos os habitats apropriados para conservação dessas espécies e suas peculiaridades”.

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