Qual é a diferença entre animais venenosos e peçonhentos?

É fácil ficar confuso pela forma como cobras, aranhas e outras criaturas tóxicas usam seu arsenal químico. Veja o que você deve saber.

Por Jake Buehler
Publicado 22 de jan. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma espécie de baiacu, Takifugu poecilonotus, infla o corpo como medida de defesa. Esse peixe, conhecido ...
Uma espécie de baiacu, Takifugu poecilonotus, infla o corpo como medida de defesa. Esse peixe, conhecido como fugu, é uma iguaria no Japão — mas o seu preparo requer cuidado.
Foto de Paulio de Oliveira, Minden Pictures

Se uma espécie desconhecida de cobra cruzar o seu caminho, você deve se perguntar se ela é venenosa ou peçonhenta – ou se existe alguma diferença. A verdade é que “venenoso” e “peçonhento” são conceitos únicos e descrevem formas específicas pelas quais os animais exercem seu poder químico.

Tanto os animais peçonhentos quanto os venenosos usam toxinas – substâncias que causam efeitos fisiológicos prejudiciais ao sistema nervoso mesmo em pequenas doses – para se defenderem ou para subjugar uma presa.

Mas os animais peçonhentos, como vespas, injetam seu coquetel tóxico ferindo outros animais quase sempre através de presas, ferrões ou espinhos. Por outro lado, criaturas venenosas ministram suas secreções passivamente, normalmente através da pele, quando outras criaturas as tocam ou as ingerem (pense nos sapos venenosos).

Escolha seu veneno

“Espécies venenosas só ministram suas toxinas de forma defensiva, para evitar serem devoradas por predadores”, afirma David Nelsen, biólogo da Universidade Adventista do Sul, no Tennessee. É por isso que as peçonhas evitam o sistema digestivo e são introduzidas por meio de feridas no corpo.

Quando ingeridas por um predador essas toxinas viajam pelo corpo rapidamente, causando algumas doenças temporárias ou morte, dependendo do veneno e da dose. Os baiacus, por exemplo, são particularmente mortais, devido a uma neurotoxina em sua pele e órgãos que é mais tóxica que o cianeto.

Muitos animais venenosos não fabricam suas próprias defesas, mas as captam de outras fontes em seu meio ambiente. Os baiacus conseguem a sua tetrodotoxina de uma bactéria marinha. Enquanto lagartas, as borboletas-monarcas se alimentam da seiva leitosa tóxica de plantas, que dá a elas um gosto amargo na idade adulta.

Slow lóris (como esse slow lóris-de-bengala, fotografado no Centro Angkor para a Conservação da Biodiversidade, no Camboja) produzem peçonha em glândulas localizadas sob suas patas dianteiras.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

Cores de advertência também são abundantes dentre as espécies venenosas da vida selvagem, em especial nas rãs venenosas brilhantes nativas das Américas do Sul e Central.

“As rãs venenosas carregam uma ampla variedade de alcaloides neurotóxicos, que vão de simplesmente desagradáveis a assustadoramente letais,” afirma Rebecca Tarvin, bióloga evolutiva da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Um dos animais mais venenosos do planeta, a rã-venenosa-dourada da Colômbia (Phyllobates terribilis), concentra batracotoxina, provavelmente de pequenos insetos que compõe a sua alimentação, e a secreta através de glândulas em sua pele. Um único exemplar produz o suficiente para matar várias pessoas.

Da mesma forma, cogita-se que insetos produtores de toxinas abasteçam as penas venenosas do pitohui (Pitohui dichrous), pássaro nativo de Papua Nova Guiné.

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    Rãs-venenosas-douradas obtêm suas toxinas por meio da ingestão de pequenos insetos.
    Foto de Albert Lleal, Minden Pictures/Nat Geo Image Collection

    Mordidas e picadas

    Como a peçonha geralmente é produzida pelo animal que a utiliza, ela é mais complexa fisicamente, e “deve ser inoculada diretamente no corpo de outros animais, evitando o sistema digestivo”, diz Nelsen.

    Um método muito comum em várias criaturas peçonhentas é uma mordida tóxica. Aranhas e cobras, por exemplo, injetam suas toxinas através de presas ocas que paralisam os sistemas neurológico e circulatório de suas vítimas.

    A natureza desenvolveu outras estratégias engenhosas. Alguns lagartos — incluindo o gigantesco dragão-de-komodo — parecem ter saliva peçonhenta. O solenodonte — um tipo raro de mamífero da família dos musaranhos e proveniente do Caribe — também possui uma mordida peçonhenta. O caracol marinho usa um dente modificado como um arpão peçonhento para apanhar pequenas presas e pode injetar toxina suficiente para matar animais bem maiores.

    Outros animais peçonhentos injetam suas toxinas utilizando um ferrão ou um espinho, como o peixe-pedra, que abriga uma peçonha dolorosa em um espinho localizado em sua barbatana dorsal, ou o anfíbio Corythomantis greeningi, que se utiliza de pequenos espinhos na cabeça para atacar com uma “cabeçada” tóxica.

    Mais estranho ainda é o método do slow lóris (gênero Nycticebus), um primata de hábitos noturnos do sudeste asiático. O lóris tem glândulas sob as patas dianteiras que produzem toxinas. Essas toxinas são lambidas pelo lóris e liberadas na mordida quando ameaçado.

    Depois de morder uma vítima, o dragão-de-komodo consegue segui-la por quilômetros enquanto a peçonha age, usando seu faro apurado para localizar o cadáver.
    Foto de Stefano Unterthiner, Nat Geo Image Collection

    Anna Nekaris, bióloga de primatas na Universidade Oxford Brookes, afirma que a mistura da saliva com a toxina parece causar uma grave reação imunológica no animal mordido. “Em humanos, esses sintomas podem aparecer sob a forma de choque anafilático, dor extrema, ou morte dos tecidos”, diz.

    Uma terceira categoria?

    Além de venenoso e peçonhento, talvez exista um terceiro tipo de liberação de toxinas: o toxungênico. Animais toxungênicos não injetam as toxinas usando presas ou ferrões, mas não aguardam serem tocados ou mordidos também: eles lançam ou borrifam suas toxinas nos atacantes. O besouro-bombardeiro esguicha benzoquinonas irritantes diretamente do próprio abdômen, e salamandras-de-fogo borrifam toxinas a partir de suas glândulas a uma distância de mais de 30 centímetros.

    E há também o gambá.

    “A maioria das pessoas não imagina que os gambás borrifam toxinas”, diz Nelsen. “Mas um cachorro ou gato que for atingido na face pode apresentar intensos acessos de espirro, vômito, cegueira temporária, e até mesmo danos em suas hemácias.”

    Todas as opções acima

    Em alguns casos raros, uma espécie pode ser peçonhenta e venenosa ao mesmo tempo.

    Podemos citar as cobras-cuspideiras, que mordem e esguicham, nos olhos e na face dos atacantes, através de poros em suas presas, uma peçonha dolorosa que causa cegueira. Isso faz com que elas também sejam toxungênicas.

    Algumas cobras d’água do sudeste da Ásia possuem uma mordida peçonhenta e também se alimentam de sapos venenosos, roubando as toxinas desses anfíbios e excretando-as através de glândulas localizadas no pescoço.

    Então, algumas vezes, a cobra pode ser as duas coisas: peçonhenta e venenosa.

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