Zoológico de 'Máfia dos Tigres' reabre com multidões – felinos correm risco de contaminação
Já se sabe que os tigres podem ser infectados pelo novo coronavírus através de contato com humanos. Agora, centenas de pessoas estão acariciando-os todos os dias.
O Parque de Animais Exóticos Greater Wynnewood em Oklahoma, cujo antigo dono era Joe Exotic, reabriu para o público e retomou suas atividades de “interagir com filhotes”. A abertura ocorreu depois que cinco tigres testaram positivo para a Covid-19 em Nova York, levantando preocupações entre especialistas de que o contato próximo e constante com o público aumenta o risco de contágio para os filhotes.
A atração que oferece interação com filhotes de tigre no antigo zoológico de Joe Exotic reabriu suas portas oficialmente.
O Parque de Animais Exóticos Greater Wynnewood, no estado americano de Oklahoma, apresentado na famosa série da Netflix Máfia dos Tigres, reabriu em 24 de abril para grandes multidões depois de ficar fechado por mais de um mês durante a pandemia.
“Estava lotado. Bastante movimentado,” conta Daniela Toledo Vargas, que visitou o local com o marido na tarde de sábado – dia em que o parque retomou suas atividades de interação com filhotes. Ela assistiu à série Máfia dos Tigres e decidiu agendar uma das experiências para interação com tigres, a mais procurada. Por US$ 60 (cerca de R$ 350) por pessoa, os visitantes podem ficar seis minutos sozinhos com dois filhotes de tigre. “Cheguei lá às 14h e tivemos que esperar até 18h20.” Ela conta que havia dois filhotes de tigres em um recinto. Um se recusou a interagir com eles e o outro ficou um pouco agitado em determinado momento. “[A cuidadora] me contou que os animais estavam naquela atividade desde as 9h da manhã”, diz ela. “Ela me disse que eram os mesmos tigres, o tempo todo.”
A interação com filhotes levanta diversas questões de bem-estar, com a pandemia ou não. Os zoológicos particulares costumam induzir a reprodução acelerada de seus tigres, de modo que sempre tenham filhotes disponíveis. Assim que nasce uma ninhada, os filhotes são retirados da mãe, uma forma de induzir o cio precoce para que a fêmea possa se reproduzir novamente. Os filhotes são economicamente produtivos por um curto período de tempo – entre oito e 12 semanas – porque rapidamente se tornam perigosos demais para interagir com o público. Eles podem se tornar reprodutores ou serem utilizados para exibição. Há evidências de que alguns são mortos.
(O ex-proprietário do zoológico, Joe Maldonado-Passage, conhecido como Joe Exotic, está cumprindo 22 anos de prisão por mandar matar uma pessoa que era contra o seu negócio, matar cinco tigres e vender ilegalmente tigres nas fronteiras estaduais. O dono do zoológico agora é Jeff Lowe, ex-parceiro de Maldonado-Passage.)
A reabertura do zoológico de Oklahoma em meio a uma pandemia é especialmente preocupante para os grandes felinos: tigres são suscetíveis à Covid-19. Em abril, cinco tigres e quatro leões no zoológico do Bronx, em Nova York, testaram positivo para o coronavírus. Acredita-se que contraíram a doença de um funcionário do zoológico que estava assintomático. Agora, no Greater Wynnewood, centenas de pessoas estão acariciando filhotes e alimentando tigres todos os dias, o que pode expor os animais ao vírus.
Filhotes de tigre e “ligre” sentados na grama do Myrtle Beach Safari em abril de 2019. A instalação, que aparece na série Máfia dos Tigres assim como o Parque Animal Exótico Greater Wynnewood, também foi reaberta recentemente para o público. Os visitantes muitas vezes desconhecem as práticas de reprodução necessárias para manter a disponibilidade constante de filhotes — ou o destino de diversos tigres em cativeiro quando eles ficam grandes demais para interagir com o público e não podem ser usados para reprodução ou exibição como adultos.
“Na melhor das circunstâncias, [interagir com filhotes] é uma prática questionável e insustentável”, diz Dan Ashe, presidente da Associação de Zoológicos e Aquários (AZA), órgão de credenciamento que não inclui Greater Wynnewood como membro. “Considerando as informações que temos sobre o risco de transmissão da Covid-19 entre humanos e felinos, considero imprudente.”
Não há um número exato de quantas pessoas interagiram com os filhotes de tigre no sábado; os representantes do parque não responderam aos pedidos de comentários. Toledo Vargas diz que viu diversos grupos entrando no local durante a visita, inclusive uma família com seis filhos que entrou depois dela. Ela conta também que viu uma experiência semiexclusiva maior, na qual um cuidador trazia um filhote para que cada um do grupo de 25 pessoas o acariciasse. O risco não é apenas para os tigres – especialistas em saúde pública alertam que reunir várias pessoas no mesmo local representa um risco à transmissão do vírus entre humanos, e as taxas de infecção continuam a subir nos Estados Unidos.
Toledo Vargas e vários outros visitantes que participaram das experiências de interação com filhotes no sábado, domingo e segunda-feira disseram à National Geographic que nenhuma medida de proteção especial relacionada ao coronavírus foi tomada antes da entrada no recinto dos filhotes. Os funcionários que ela viu não usavam máscaras, nem pediram ao público que usassem luvas ou máscaras.
“Eles não tomaram nenhuma precaução”, diz Toledo Vargas. “Não mencionaram em nenhum momento o coronavírus.”
As instalações não credenciadas que oferecem interação com filhotes raramente têm veterinários na equipe, diz Ashe. Diferentemente do zoológico do Bronx, credenciado pela AZA, onde os veterinários imediatamente realizaram testes nos grandes felinos e os deixaram em observação, Ashe diz que, se um felino contrair o vírus em um local menos conhecido, “seria improvável que um diagnóstico fosse realizado e eu ainda questiono se eles notariam a doença e o que fariam a respeito.”
Um pedido de ação emergencial
Em 29 de abril, em resposta à reabertura de outra instalação que oferece interação com filhotes apresentada na série Máfia dos Tigres, o Myrtle Beach Safari na Carolina do Sul, a fundação Peta entrou com uma petição de emergência junto ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, encarregado pelo cumprimento da Lei de Bem-Estar Animal, solicitando uma proibição temporária da interação com filhotes e contato direto com grandes felinos durante a pandemia.
Ashe diz que a AZA apoia a petição. “Normalmente não concordamos” com a Peta, diz ele, “mas tempos extremos formam-se laços inesperados”.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos não respondeu à petição, diz David Perle, porta-voz da Peta.
As multidões em Greater Wynnewood no fim de semana sugerem que a popularidade viral de Máfia dos Tigres se traduziu em visitas reais, confirmando as preocupações dos especialistas em animais de que a série aumentaria a demanda por experiências para interagir com filhotes. Críticos dizem que a série maquiou os problemas sérios de bem-estar da indústria que oferece interação com animais em ambientes fora de zoológicos. “A indecência do programa e a falta de atenção verdadeira ao péssimo tratamento dos animais – foi um desserviço”, diz Ashe.
“Eu assisti ao Máfia dos Tigres e por isso visitei o zoológico, disse Toledo Vargas. “Mas me senti muito mal pelos tigres.” Além dos filhotes terem que lidar com um público constante, ela diz que os recintos eram muito menores do que ela esperava depois de assistir ao programa. Os visitantes também podem pagar US$ 5 (R$ 30) para alimentar tigres maiores, “e a comida que eles forneciam eram bolachas para animais. E tudo que se via nas gaiolas eram biscoitos de animais, jogados lá. Como se eles nem quisessem mais. Então isso também fez com que me sentisse mal”, ela conta.
Ela diz que ficou surpresa com a quantidade de animais que havia no local, muitas gaiolas comportavam quatro ou cinco animais em cada. “Fiquei pensando, por que eles precisavam de tantos animais, sabe?”