Quanto valem as baleias vivas? No Brasil, 82,5 bilhões de dólares

Pesquisadores brasileiros se juntaram a economistas do FMI e da Universidade de Duke para calcular o valor dos serviços ambientais prestados pelas baleias.

Por Paulina Chamorro
Publicado 8 de jun. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Baleia-cinzenta olha diretamente para câmera enquanto nada na lagoa Santo Ignacio, no estado mexicano de Baja. ...

Baleia-cinzenta olha diretamente para câmera enquanto nada na lagoa Santo Ignacio, no estado mexicano de Baja. Entre os serviços prestados pelas baleias e agora calculados por economistas, estão fertilização dos oceanos, captura de carbono e turismo de observação.

Foto de Thomas P Peschak, National Geographic Creative

É certo que novas frentes econômicas serão necessárias para um mundo pós-pandemia, especialmente as que aliem desenvolvimento e conservação. Já está claro, por exemplo, que a Amazônia tem muito mais a oferecer em pé e viva, do que destruída.

O mesmo pode ser dito dos oceanos e suas baleias.

[Confira o especial #DiaMundialDosOceanos no canal National Geographic. Hoje, 08/06, a partir das 15h30]

Estudo recente calcula que as baleias na costa brasileira contribuem com serviços ecológicos no valor de 82,5 bilhões de dólares (cerca de R$ 410 bi) ao longo de suas vidas. Entre as funções estão fertilização dos mares, captura de carbono e turismo de observação. O número é resultado de uma estimativa feita pelo Instituto Baleia Jubarte e a ONG Great Whale Conservancy junto a pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Universidade de Duke, nos EUA. Os economistas do FMI e os pesquisadores de Duke já haviam publicado relatório indicando que as baleias do mundo inteiro valem mais de 1 trilhão de dólares (quase R$ 5 tri) enquanto vivas. Agora, o Brasil é o primeiro país a utilizar a mesma metodologia para fazer o cálculo relativo a uma economia local.

“Vislumbramos a oportunidade de trazer para o debate nacional algo com o que já estamos trabalhando há muitos anos no plano internacional, que é a valoração dos usos não extrativos das baleias e da importância econômica fora da caça”, explica José Palazzo Jr, diretor de relações institucionais do Instituto Baleia Jubarte e ex-representante brasileiro na Comissão Internacional da Baleia. Palazzo Jr. diz que os pesquisadores começaram a conta com o turismo de observação, que vem crescendo no Brasil com o aumento das populações de baleias. A isso, somaram-se a capacidade dos cetáceos de fertilizar o ecossistema marinho e absorver carbono, atividades indispensáveis para a mitigação das mudanças climáticas.

“Aproveitamos a oportunidade de trazer esse olhar para o Brasil através desse primeiro estudo. Temos uma boa noção da população de baleias jubarte, cerca de 20 a 25 mil, e francas também, através da foto-identificação, mas as outras baleias precisamos reunir os números definitivos”, diz Palazzo Jr. “Mesmo assim, foi possível, por meio da distribuição do que se sabe de populações globais das baleias no hemisfério sul, fazer um exercício. E resultou nessa cifra fantástica.”

A estimativa abrange as oito espécies protegidas que circulam pelas águas sob jurisdição brasileira – incluindo residentes fixas, como cachalotes, ou migratórias, como as jubartes.

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    Pesquisadores do Instituto Baleia Jubarte observam indivíduo saltar e sair quase que por completo da água. Neste ano, o instituto abriu uma nova sede em Vitória, no Espírito Santo, onde, em parceria com a prefeitura, treinaram pessoal e prepararam embarcações para receber turistas interessados em ver as baleias de perto.

    Foto de Sérgio Cipolotti, projeto Baleia Jubarte

    “O Brasil é um excelente estudo de caso sobre o valor econômico dos recursos naturais e como esse valor pode ser preservado e incrementado pelo trabalho de projetos como o Baleia Jubarte”, afirma Dr. Connel Fullenkamp, economista e professor da Universidade Duke em nota sobre os dados preliminares da pesquisa, que ainda deve ser submetida a uma publicação científica.

    Cocô vale ouro, ou as grandes guardiãs de carbono

    Seres vivos são constituídos de carbono. Imagine então uma baleia de 40 toneladas. Trata-se de um estoque imenso acumulado no corpo durante toda a vida.

    “No momento da sua morte – e a maioria morre em mar aberto –, a baleia leva esse carbono para o fundo do oceano, que retorna de forma muito lenta até a superfície. É possível que esse carbono passe centenas de anos no mar até voltar à atmosfera”, explica o coordenador de Desenvolvimento Institucional do Instituto Baleia Jubarte.

    Se pensarmos no caso específico da jubarte, que pesa, em média, 35 toneladas, e cuja população é estimada em 20 a 25 mil animais em águas brasileiras, teríamos de 700 a 875 mil toneladas de carbono estocado com elas vivas.

    É o chamado carbono azul, que, fosse incorporado a políticas públicas e estratégias internacionais para uma nova economia, poderia oferecer outro tipo de contribuição nos mecanismos de captação de carbono e de compensações ambientais por parte do Brasil. Seria um contraponto ao preocupante desmatamento em curso em todos os biomas brasileiros, especialmente acelerado no bioma amazônico.

    Outro grande indicador encontrado no estudo diz respeito à capacidade das baleias de aumentar a produtividade dos ecossistemas marinhos através de suas fezes.

    Isso. O cocô da baleia tem valor. E alto. Um valor sistêmico.

    “Além das baleias serem animais carismáticos e desempenharem importante função ecológica como animais no topo de cadeia alimentar, elas também contribuem para o funcionamento dos ecossistemas. As suas fezes, ricas em ferro, nitrogênio e outros nutrientes, acabam por desencadear a proliferação de fitoplanctons, que aumentam a produtividade de toda a cadeia alimentar marinha. As fezes enriquecem o oceano”, explica a pesquisadora do Instituto Oceanográfico e co-fundadora da Liga das Mulheres pelos Oceanos Leandra Gonçalves. “E os fitoplânctons contribuem com a retirada de toneladas de carbono da atmosfera, ou seja, as baleias também têm uma função importante em contribuir com toda essa circulação climática.”

    Palazzo Jr, do Instituto Baleia Jubarte, diz que “as baleias poderiam ser reconhecidas como as jardineiras do oceano”.

    Turismo de observação

    O exemplo mais importante no Brasil na atividade de whalewatching e de recuperação de espécies é o caso da baleia jubarte. De 2004 até bem pouco tempo atrás, quando a população se estabilizou, a população da espécie vinha crescendo 12% ao ano, explica Eduardo Camargo, coordenador geral do Baleia Jubarte. Recentemente, surgiram notícias de avistamento de jubartes em muitas áreas onde não se tinha registro há décadas.

    Jubarte salta em frente à orla de Salvador, Bahia. Com o aumento das populações de baleia na costa brasileira, tem crescido o interesse no whalewatching, a prática de se observar baleias na natureza.

    Foto de Enrico Marcolvadi, Instituto Baleia jubarte

    Isso tem aumentado o interesse em atividades de whalewatching. Além de circular por Caravelas, no litoral sul da Bahia, ponto de partida para o Parque Nacional Marinho de Abrolhos e onde, há muitos anos, indivíduos que chegam da migração das águas geladas do sul do continente se concentram para acasalar e descansar, as baleias estão passeando em outras regiões.

    Eduardo Camargo me conta que a cidade de Vitória, no Espírito Santo, por exemplo, tem percebido o aumento de baleias em suas águas. Isso gerou o interesse em desenvolver e acompanhar o ganho econômico desse tipo de turismo.

    Em parceria com o projeto Baleia Jubarte, a prefeitura trabalhou na capacitação de embarcações e pessoal e, em 2018, o Jubarte inaugurou uma sede por lá.

    Neste ano, foram comemorados os primeiros resultados econômicos. De acordo com Camargo, a prefeitura calculou cerca de R$ 1 mi faturado pela atividade de turismo de observação. Não só com embarcações – somam-se serviços hoteleiros, alimentação, dentre outros.

    Com todos esses elementos, só podemos concluir que trabalhos de conservação e estimativas mais aprimoradas sobre as populações de baleias que circulam em águas brasileiras só têm a aumentar os ganhos em diferentes atividades. Associar todos esses componentes econômicos de valoração da natureza, especialmente da economia azul, é um grande passo para um mundo pós-coronavírus.

    O valor dos serviços do oceano, muito além da extração exploratória, é uma das grandes chances e oportunidades para uma nova economia. No caso brasileiro, “os oceanos representam 19% do PIB nacional, e essa estimativa certamente não considera os ganhos da regulação climática na agricultura, por exemplo”, conta Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo e responsável pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade dos Oceanos.

    Sobre a economia azul, derivada do termo economia verde, Turra diz que ela “abre possibilidades de novos negócios, que não necessariamente se resumem à forma tradicional de exploração de recurso vivos e não vivos dos oceanos”, diz. “São serviços que podem envolver companhia de seguros ou mecanismos como previsão de ressacas, por exemplo. Abre-se oportunidades de desenvolvimento de negócios e de oportunidades de geração de renda e de emprego e, com isso, busca-se uma conciliação com a saúde dos oceanos.”

    Regulador do clima e responsável por fornecer mais da metade do oxigênio que respiramos, o oceano ainda tem muito a nos ensinar, desde que consigamos conservá-lo, diminuindo os impactos graves como o superaquecimento, a sobrepesca e a poluição marinha.

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