Rara abelha mutante possui traços masculinos e femininos

O inseto também tem olhos amarelos, outra peculiaridade genética incomum. Essa combinação de fenômenos inusitados provavelmente não acontecerá novamente por um longo tempo, segundo especialistas.

Por Jason Bittel
Publicado 7 de ago. de 2020, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
“Crio abelhas desde 1976 e é a primeira vez que vejo algo assim”, diz o mestre ...

“Crio abelhas desde 1976 e é a primeira vez que vejo algo assim”, diz o mestre apicultor Joseph Zgurzynski.

Foto de Annie O'Neill

Ao observar suas colmeias em junho, o mestre apicultor Joseph Zgurzynski descobriu algo muito inusitado. Ao passo que todas as outras abelhas melíferas da colmeia tinham olhos pretos normais, um dos insetos exibia um par de olhos de cor amarelo-creme, algo impossível de não se notar.

E não para por aí. Quando Zgurzynski olhou mais de perto, percebeu que não eram apenas a cor dos olhos da abelha que era diferente, também eram excepcionalmente grandes. Na verdade, pareciam os olhos arregalados típicos de abelhas melíferas machos, ou zangões, apesar do fato de que o restante do corpo da abelha — abdômen, ferrão e asas — era claramente igual ao de fêmeas.

“Crio abelhas desde 1976 e é a primeira vez que vejo algo assim”, conta Zgurzynski, que cuida de cerca de seis milhões de abelhas em sua Fazenda Country Barn, ao norte de Pittsburgh, no estado da Pensilvânia, Estados Unidos.

Felizmente, naquele dia, Zgurzynski estava acompanhado da fotógrafa Annie O'Neill, que passou quase uma hora documentando a peculiar abelhinha. Posteriormente, Zgurzynski decidiu procurar uma segunda opinião e enviou algumas fotos para David Tarpy, especialista em abelhas melíferas da Universidade Estadual da Carolina do Norte.

Tarpy confirmou as suspeitas do apicultor. Além de uma mutação genética que afeta a pigmentação dos olhos e que provavelmente tenha deixado essa abelha fora do comum cega — uma condição bastante rara por si só — ela também é ginandromorfa, ou seja, seu organismo possui características femininas e masculinas.

Mesmo em espécies amplamente estudadas, o ginandromorfismo é extremamente raro. Contudo, nos últimos anos, exemplos interessantes foram sido observados em borboletas e pássaros, como esse cardinalídeo avistado em Erie, na Pensilvânia.

“É por isso que é tão surpreendente”, diz Tarpy. “É como se um raio caísse duas vezes no mesmo lugar.”

A abelha de olhos amarelos tem o que é chamado de ginandromorfismo, no qual características de ambos os sexos estão presentes, mas não se dividem uniformemente pelo corpo.

Foto de Annie O'Neill

Avós sem ser pais

Os humanos possuem cromossomos pareados — um conjunto herdado do pai e outro da mãe — cuja combinação define quais características são transmitidas. É por esse motivo que uma criança pode ter cabelos pretos e olhos castanhos, enquanto outro irmão com os mesmos pais pode ser loiro de olhos azuis.

Mas a genética das abelhas é um pouco diferente, explica Natalie Boyle, entomologista da Universidade Estadual da Pensilvânia.

Quando uma abelha rainha e um zangão acasalam, seus ovos fertilizados geram apenas abelhas fêmeas. Isso ocorre porque os machos são gerados a partir de óvulos não fertilizados, o que significa que eles têm apenas um conjunto de cromossomos — os da rainha. Como consequência, abelhas machos não têm pais nem filhos, mas eles têm avós e netos.

“Se pensarmos muito nisso, dá um nó na cabeça”, brinca Boyle.

Como os zangões têm apenas um conjunto de cromossomos, quando ocorre uma mutação genética rara, como olhos amarelos, ela sempre se manifesta, segundo Boyle.

Embora incomuns, essas notáveis mutações oculares não são desconhecidas: os cientistas estudam mutações na cor dos olhos em abelhas desde 1953.

“A biologia pode ser excêntrica”

O ginandromorfismo de abelhas, no entanto, não é tão fácil de explicar.

Se a abelha fosse um ginandromorfo bilateral — mais ou menos dividida, exibindo características masculinas de um lado do corpo e feminino do outro — provavelmente o ovo teria se partido ao meio antes de ser fertilizado, diz Tarpy.

Mas como esses traços singulares da abelha são conhecidos como ginandromorfismo em mosaico, no qual características de ambos os sexos estão presentes, é possível que tenha ocorrido uma aberração em um estágio posterior do desenvolvimento da abelha. Mas não se sabe exatamente como.

“Como se sabe, a biologia pode ser excêntrica”, diz Tarpy.

Animais subestimados

Animais do tamanho de pássaros e borboletas podem gerar ginandromorfos coloridos e evidentes, mas nem todos os exemplos são identificados tão facilmente.

Erin Krichilsky precisou de um microscópio para descobrir o ginandromorfismo bilateral em uma abelhinha que é atraída pelo suor enquanto trabalhava no Instituto Smithsoniano de Pesquisas Tropicais, no Panamá. Quando ela notou que um inseto de quatro milímetros tinha a mandíbula grande, característica de fêmea, à esquerda e a mandíbula menor de macho à direita, ela literalmente correu pelo laboratório para mostrar a todos o que havia encontrado.

“É muito fácil esses mutantes passarem despercebidos”, afirma Krichilsky, que publicou suas descobertas sobre abelhas no periódico Journal of Hypmenoptera Research. “Mas acho que os estamos subestimando.” Por exemplo, pode ser que esses animais metade macho e metade fêmea sejam precursores evolutivos de novas formas ou comportamentos, diz ela. Porém não se sabe como a condição afeta sua longevidade e fertilidade.

Quanto à abelha especial de olhos amarelos, Zgurzynski diz que a conservou em um frasco. Embora possa parecer cruel, ele diz que é provável que o inseto cego acabe morrendo ou seja expulso da colmeia.

“Estou feliz por ele ter guardado o exemplar”, diz Krichilsky. “Provavelmente vai demorar muito até vermos outro que tenha esses dois fenômenos ao mesmo tempo.”

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