Descobertos no Alasca os mais antigos restos mortais de um cachorro

Um fragmento de osso conta a história de um companheiro canino que viajou para um novo mundo gélido, fornecendo pistas sobre as migrações dos primeiros norte-americanos.

Por Robin George Andrews
Publicado 1 de mar. de 2021, 17:05 BRT
Huskies siberianos, malamutes-do-alasca e cães de trenó da Sibéria à Groenlândia são todos fisicamente semelhantes aos ...

Huskies siberianos, malamutes-do-alasca e cães de trenó da Sibéria à Groenlândia são todos fisicamente semelhantes aos primeiros cães domesticados que chegaram à América do Norte há mais de 10 mil anos.

Foto de Paul Nicklen, Nat Geo Image Collection

Por cerca de 20 anos, pensou-se que o espécime PP-00128 da coleção de ciências da terra do Museu da Universidade do Alasca tinha pertencido a um urso bastante antigo. O fragmento de fêmur, pequeno o suficiente para segurar entre dois dedos, foi escavado de um local na costa sudeste do Alasca, onde arqueólogos também descobriram restos de peixes, aves, mamíferos e humanos que remontam a milhares de anos.

No entanto, testes genéticos recentes da amostra surpreenderam cientistas — mas talvez não proprietários de cães: o fragmento de osso pertenceu a um fiel companheiro canino que caminhou ao lado de humanos no novo mundo gélido das Américas há cerca de 10,1 mil anos.

A análise dos restos do mais antigo cachorro doméstico já descoberto nas Américas, publicada na revista científica Proceedings of the Royal Society B, não só fornece pistas importantes sobre quando os cães vieram para as Américas pela primeira vez e as rotas que tomaram ao lado de humanos para chegar a seu destino, mas também reforça o vínculo muito antigo e profundo entre pessoas e cães domesticados.

“Mesmo que você não consiga imaginar como era a vida há 10 mil anos, ainda pode entender a relação entre as pessoas e seus cães”, diz Carly Ameen, zooarqueóloga da Universidade de Exeter, que não participou da nova análise.

Seguindo rastros de patas pela América

Embora os restos mortais encontrados sejam a evidência física mais antiga de cachorros domesticados nas Américas, o fragmento de fêmur não pertence necessariamente a um dos primeiros cães a vir do nordeste da Ásia. Em 2018, descobriu-se que diversas sepulturas de cães em Illinois tinham cerca de 9,9 mil anos. Com uma diferença de apenas alguns séculos, o título de “mais antigo” agora pertence à amostra PP-00128 proveniente do Alasca. Mas os arqueólogos estão mais interessados no fato de que agora constatamos cães com idades muito próximas em duas regiões muito diferentes da América do Norte. Isso significa que eles vieram para a América muito antes disso — mas quando chegaram?

De acordo com evidências genéticas recentemente reveladas, na época em que um terço da América do Norte estava enterrado sob o gelo durante o Último Máximo Glacial (UMG), cerca de 26,5 mil a 19 mil anos atrás, as pessoas tinham encontros cada vez mais frequentes com lobos-cinzentos na Sibéria, onde refúgios relativamente temperados forneciam presas que ambos podiam caçar e comer. Aos poucos, esses lobos foram se tornando cães domesticados em algum momento entre cerca de 40 mil e 19 mil anos atrás. (Lobos antigos que brincavam com humanos provavelmente evoluíram para os cães dóceis de hoje.)

Como parte de um projeto de pesquisa multidisciplinar que analisa as histórias dos animais, do clima e do meio ambiente da região considerando o período em que a camada de gelo invadiu e recuou, cientistas estão descobrindo a genética dos ossos escavados na região, incluindo aqueles mantidos no Museu da Universidade do Alasca. Charlotte Lindqvist, bióloga evolucionista da Universidade de Buffalo e coautora do novo estudo, estava interessada nos hábitos dos ursos naquela época e acreditava-se que um osso, o espécime PP-00128, originalmente escavado na Caverna Lawyer, no Canal Blake, Alasca, tinha pertencido a um.

Embora a análise genética tenha provado que o PP-00128 não pertencera a um urso, a extração do perfil do DNA nuclear completo do cão não foi possível a partir do minúsculo fragmento ósseo. Mas seu DNA mitocondrial — uma pequena fração de todo o genoma herdado apenas da linha materna — foi recuperado. A análise da equipe multidisciplinar sugere que o cão pertenceu a uma linhagem que se separou de seus primos caninos siberianos a 16,7 mil anos atrás — aproximadamente a época em que os humanos podem ter viajado para a América do Norte ao longo da costa.

Mas mesmo esse momento pode não ser a primeira vez em que cães siberianos migraram com humanos para as Américas. A menos que houvesse poucos cães por aí, as populações caninas que permaneceram na Sibéria não devem ter tido todas a mesma mãe que os cães das populações norte-americanas, diz Krishna Veeramah, geneticista populacional da Universidade Stony Brook, que não participou da nova análise. Os cães de ambos os grupos provavelmente compartilharam um ancestral comum muitas gerações antes de seguirem caminhos diferentes.

Acreditava-se que este minúsculo fragmento de fêmur, PP-00128, originalmente pertencia a um urso, mas a análise genética revelou que pertencera a um cão domesticado.

Foto de Douglas Levere, University at Buffalo

Em outras palavras, a marca de 16,7 mil anos pode representar o ponto em que sua genética divergiu, mas não necessariamente em que as populações se separaram — portanto, não pode ser usada para dizer quando os cães domesticados entraram pela primeira vez nas Américas.

Assim como a chegada dos humanos às Américas, as linhas do tempo dos pioneiros caninos permanecem confusas. (Ainda não há evidências para afirmar se as primeiras migrações humanas incluíram cães, por exemplo, ou se seus amigos de quatro patas vieram um pouco mais tarde.) Mas a descoberta de que este cão domesticado viveu na costa do Alasca quando o gelo da região havia rapidamente recuado pode dar pistas sobre as rotas que os humanos tomaram.

Cientistas estão ansiosos para saber se os humanos migraram pela primeira vez para as Américas por meio de corredores de terra criados pelo derretimento das camadas de gelo Cordilleran e Laurentide, ou se seguiram a costa do Pacífico até regiões ao sul. “Tenho certeza de que a migração aconteceu nos dois sentidos”, salienta Lindqvist, mas as evidências geológicas mostram que o gelo ao longo da rota costeira recuou primeiro, fornecendo um ponto de acesso inicial ao Novo Mundo.

Um ‘canivete suíço’ com pele

A análise isotópica do PP-00128 revelou que a dieta do cão do Alasca incluía peixes, baleias e carne de foca — provavelmente restos oferecidos por seus companheiros humanos. Embora não se saiba ao certo a aparência desse cão do Alasca em vida, algumas deduções razoáveis permitem aos especialistas arriscar um palpite.

“Se você quiser um cachorro norte-americano antigo, o mais próximo que pode conseguir é um husky siberiano ou do Alasca, um malamute ou um cão de trenó da Groenlândia”, comenta Angela Perri, arqueóloga da Universidade de Durham, na Inglaterra, que não participou do estudo.

Ela compara os cães a uma espécie de “canivete suíço” devido aos diferentes propósitos que eles tiveram para as pessoas ao longo da história — como caçadores, protetores, vigias, aquecedores de cama e fontes de apoio emocional.

Mas, de acordo com Perri, os registros etnográficos mostram que, no Ártico, “quando se chega ao desespero e os tempos ficam difíceis, os cães são usados como fontes de pele e de alimento”. No caso dos primeiros cães que entraram nas Américas, seu propósito pode ter mudado entre uma coisa e outra ao longo do tempo, dependendo das dificuldades durante as viagens.

Um rascunho grosseiro da história

Depois de entrar nas Américas, esses antigos cães siberianos se espalharam pela América do Norte e do Sul, onde se misturaram com coiotes e lobos e, eventualmente, com cães que migraram de outras regiões, incluindo as raças árticas trazidas pelo povo Thule há cerca de mil anos.

Infelizmente, a linhagem genética desses cães antigos foi quase exterminada quando os colonizadores europeus trouxeram seus próprios cães, apenas alguns séculos atrás, abatendo os caninos antigos e transmitindo doenças que os matavam. Mas, graças ao trabalho genético e a descobertas de sorte, a história desses animais não se perdeu no tempo. E, como mostra essa última descoberta, “existe um grande tesouro de dados em nossos depósitos e armazéns”, conta Ameen.

Com tempo suficiente, a vasta região selvagem do Alasca, por meio de um cuidadoso trabalho arqueológico, também revelará seus segredos sobre a chegada dos primeiros humanos e de seus companheiros caninos.

“Todas as respostas estão lá, esperando para serem descobertas”, afirma Perri. “Não há nenhum animal que se relacione com os humanos da mesma forma que os cães, não é mesmo?”

“A história dos cães é a história dos humanos”, ela conclui.

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