Surto mortal de gripe aviária ameaça vida selvagem em Israel
O surto é o “pior golpe contra a vida selvagem” na história do país e provoca proibição da caça.
Um surto de gripe aviária em Israel matou milhares de grous selvagens e pode estar colocando em risco espécies de aves ameaçadas. Funcionários do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural em trajes de proteção removem os corpos de grous mortos de águas rasas e lamacentas.
Na tentativa de conter um grave surto de gripe aviária que chegou a matar até oito mil grous, Israel cancelou o último de seus cinco meses de temporada de caça. O surto despertou preocupações em relação a possíveis infecções entre espécies de aves ameaçadas de extinção.
A ministra do Meio Ambiente, Tamar Zandberg, tuitou em dezembro que esse surto de gripe aviária, H5N1, é o “pior golpe contra a vida selvagem” na história de Israel e que a extensão total dos danos causados “ainda não está clara”.
A proibição da caça, imposta em janeiro, limitará as interações entre humanos e animais selvagens. O ministério afirma se preocupar com a possibilidade de que os caçadores involuntariamente propaguem a doença levando o vírus em seus sapatos, pneus ou por meio de seus cães, que são levados à caça para recolher os patos e pombos abatidos. Além disso, outras aves, incomodadas por caçadores, podem voar para novos locais e propagar o vírus. (O ministério não respondeu às solicitações para comentar sobre se há evidências de que os caçadores já contribuíram para a propagação do vírus).
O vírus H5N1 foi identificado pela primeira vez em granjas israelenses há cerca de dois meses e, desde então, foi confirmado como sendo a causa da morte de grous-comuns e, segundo as autoridades israelenses, já infectou um quinto da população dessas majestosas aves de pescoço comprido.
No outono do hemisfério norte, os grous migram da Rússia, Ucrânia e Escandinávia para passar o inverno na Etiópia e em outras regiões, como Israel, onde milhares de grous aguardam a chegada da primavera, muitos ao redor de um lago no Vale do Hula. Nessa região, no norte de Israel, trabalhadores em trajes de proteção estão retirando os corpos das aves da água e de áreas próximas.
Tal como acontece com os vírus da gripe humana, existem muitas cepas de gripe aviária, algumas mais letais do que outras. O vírus H5N1 é particularmente contagioso nesse período do ano. Ele percorreu toda a Europa, onde milhares de gansos-de-faces-brancas morreram na Escócia no mês passado, e recentemente se espalhou para a América do Norte.
A gripe aviária também pode afetar outros animais, como os que se alimentam de aves infectadas ou de seus restos mortais. Para ajudar a controlar a disseminação desse vírus em Israel, cerca de um milhão de perus, patos e galinhas criados em granjas foram sacrificados, de acordo com o Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural.
Humanos raramente contraem o vírus H5N1 e, quando ocorre, é apenas após uma longa exposição a aves infectadas. A última infecção humana por H5N1 relatada ocorreu na Índia em julho de 2021. Até agora, nenhum caso foi notificado em Israel, mas, na semana passada, um caso no sudoeste da Inglaterra foi notificado à Organização Mundial da Saúde, embora a cepa específica ainda não tenha sido identificada. As orientações do governo israelense indicam que aves de criação e ovos não apresentam risco de ingestão se forem devidamente cozidos.
A proibição da caça é uma “medida preventiva” para proteger tanto a vida selvagem quanto as pessoas, diz Yoav Perlman, diretor da BirdLife Israel, organização sem fins lucrativos ligada à Sociedade para a Proteção da Natureza em Israel. Seu grupo tem ajudado a contabilizar os milhares de grous mortos. Perlman afirma que foram confirmadas infecções entre algumas outras aves selvagens, principalmente pelicanos, garças e algumas aves de rapina.
As mortes de grous estão diminuindo, mas “estamos preocupados com a possibilidade de a gripe aviária atingir aves de rapina, especialmente águias, no Vale do Hula, e em outros vales onde há concentração de grous”, declara Perlman. O Vale do Hula é um importante local de invernada para águias-gritadeiras e águias-imperiais-orientais, ameaçadas no mundo inteiro, e águias-rabalvas, ameaçadas em Israel. As águias são necrófagas e foram vistas se alimentando de grous mortos no Vale do Hula, afirma Perlman.
Outras aves ameaçadas em Israel incluem o pato-de-rabo-alçado, com cerca de 10% de sua população global passando o inverno em Israel em reservatórios também frequentados por grous e outras aves aquáticas, de acordo com Perlman. Além disso, acrescenta o diretor da BirdLife Israel, a espécie dos Chlamydotis macqueenii, que estão ameaçados em todo o mundo, compartilha locais de forrageamento e poleiro com grous no norte do Neguev.
A origem do vírus letal
O vírus H5N1 foi detectado pela primeira vez em 1996, em gansos na China, e em humanos em 1997, durante um surto de gripe aviária em Hong Kong. Nos anos seguintes, foi detectado em muitos outros países de todos os continentes, e apareceu em Israel em março de 2006, país que registra ocorrências todos os anos desde então. O surto atual é diferente, dizem as autoridades israelenses, porque está provocando elevadas taxas de mortalidade entre as aves infectadas.
“Ninguém sabe por que está tão grave desta vez”, lamenta o ornitólogo Yossi Leshem, professor emérito da Universidade de Tel Aviv. Os humanos podem ter ajudado na transmissão do vírus, diz ele. Como parte de um programa de alimentação de aves criado pelo governo para evitar que os grous se alimentem das plantações dos agricultores, trabalhadores plantaram milho para eles, causando densas concentrações de pássaros em uma pequena área. “É quase certeza de que as taxas de infecção desse surto de gripe aviária aumentaram desde esse episódio”, acrescenta Perlman.
Para o futuro, diz Perlman, “as autoridades de conservação relevantes e as partes interessadas precisarão pensar muito sobre a alimentação de aves e seu papel”. Mas, por enquanto, estão atentas aos sinais do H5N1. “Esse é, de longe, o maior evento de gripe aviária em grous do mundo”, afirma Perlman. É algo “sem precedentes e precisamos investigar os fatores que causaram isso”.