Arraia enorme bate novo recorde mundial de maior peixe de água doce

Uma pesquisa que já durava décadas culminou na descoberta de um gigante dos rios de 300 kg.

Por Stefan Lovgren
Publicado 30 de jun. de 2022, 14:53 BRT
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Uma arraia de água doce gigante de 300 kg, temporariamente removida da água para ser pesada, é o maior peixe de água doce já registrado. A população local e os pesquisadores trabalharam rapidamente para medi-la, frequentemente espirrando água no peixe antes de devolvê-lo ao rio.

Foto de S. Ounboundisane FISHBIO

Rio Mekong, Camboja | Moul Thun sabia que a arraia-gigante presa na ponta de sua linha era maior do que qualquer peixe que ele já havia visto. O que o pescador de 42 anos de Koh Preah, uma ilha remota no rio Mekong, no norte do Camboja, não sabia era que a arraia acabaria sendo considerada o maior peixe de água doce já registrado no mundo.

Para Zeb Hogan, que trabalha com registros de grandes peixes de água doce há quase 20 anos, a descoberta da arraia, que foi devolvida com vida ao rio, o encheu de esperança. 

“A descoberta é a prova de que esses leviatãs aquáticos, que estão criticamente ameaçados, ainda existem”, afirma Hogan, ictiólogo da Universidade de Nevada, na cidade de Reno, e explorador da National Geographic.

Na imagem, a arraia-gigante é medida sobre uma lona verde na água, mantendo-a sob controle e preservando seu acesso à água doce.

Foto de S. Ounboundisane FISHBIO

A pesquisa de Hogan por peixes grandes, nomeada de Projeto Megapeixes e apoiada pela National Geographic Society, começou em 2005, quando pescadores no norte da Tailândia pescaram um bagre-gigante de 293 kg no rio Mekong. Hogan, que passou anos no Sudeste Asiático estudando o bagre-gigante do Mekong, como a espécie é conhecida, concluiu que essa era a maior – ou seja, a mais pesada já capturada na região. Então, ele começou a se questionar: seria possível haver gigantes fluviais ainda maiores em outros lugares?

Com a intenção de descobrir, Hogan começou a vasculhar bacias hidrográficas ao redor do mundo, muitas vezes como apresentador do programa de televisão Monster Fish da National Geographic. Mas a resposta a essa pergunta provou ser mais complexa do que Hogan esperava. Além das histórias exageradas dos pescadores, ele também enfrentava desafios logísticos, falta de informações científicas sobre peixes de água doce e evidências impossíveis de verificar, como desenhos e fotografias antigas. 

Ao se deparar com vários gigantes – como o pirarucu, na Amazônia, e o siluro devorador de pombos, na Europa – Hogan não conseguiu encontrar nenhum relato cientificamente documentado de uma captura de um peixe de água doce que fosse maior do que aquele que havia dado origem a sua busca.

Porém, isso foi até a semana passada, quando a equipe de pesquisa Maravilhas do Mekong, liderada por Hogan no Camboja, com o apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, recebeu um telefonema de Moul Thun. O pescador reportou a um membro da equipe que acidentalmente havia pescado uma arraia-gigante-de-água-doce “muito maior” do que qualquer outra que ele já havia visto. Era tão grande, dizia o pescador, que poderia até ser de uma espécie diferente.

Ao chegar em Kaoh Preah, a equipe constatou que o peixe de Thun, uma fêmea que parecia estar em boas condições de saúde, era da mesma espécie de arraias existente no rio Mekong. Mas Thun estava certo em relação ao tamanho do animal: aproximadamente quatro metros, do focinho à cauda. Depois de manobrar o peixe gigante em três balanças colocadas uma ao lado da outra, os pesquisadores ficaram chocados ao verificar o peso do peixe: atingindo 300 kg, a arraia estabeleceu um novo recorde mundial.

Criaturas antigas

O objetivo original do Projeto Megapeixes era encontrar, estudar e proteger os maiores peixes de água doce do mundo. O projeto se concentrou em espécies que poderiam atingir as medidas de um humano – pelo menos 1,8 metro de comprimento ou mais de 90 kg – e que viviam exclusivamente em água doce (peixes como o esturjão-beluga, que habita águas doces e salgadas, não foram considerados). Hogan inicialmente elaborou uma lista de cerca de 30 espécies. 

O desafio, como Hogan logo percebeu, era que muitos desses peixes são difíceis de encontrar. Eles vivem em lugares remotos e inacessíveis, e muitas vezes em águas turvas. Às vezes, até mesmo as pessoas que viveram a vida inteira perto do habitat desses megapeixes nunca ouviram falar das criaturas, muito menos as viram. No início da pesquisa, havia relativamente poucos cientistas que estudavam esses animais.

Ficou evidente que as populações dos gigantes dos rios estavam diminuindo, ameaçadas por uma série de fatores, incluindo pesca excessiva, espécies invasoras que competiam com elas por alimento, poluição da água e a presença de barragens, que bloqueiam a migração de peixes e os impedem de completar seus ciclos de vida.

Estudos revelam que as populações globais de megafauna de água doce diminuíram duas vezes mais do que as populações de vertebrados em terra ou nos oceanos, o que significa que muitas espécies de peixes gigantes estão criticamente ameaçadas. Um grande candidato ao título de maior peixe de água doce do mundo, o peixe-espátula-chinês, foi extinto durante os estágios iniciais da busca de Hogan.

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    Conforme o trabalho de Hogan progredia, seu foco se voltava cada vez mais para a conservação. “Nunca se tratou apenas de encontrar o maior peixe”, explica, “mas procurar maneiras de proteger esses animais extraordinários que, em alguns casos, estão na Terra há milhões de anos, mas agora estão deixando de existir.”

    Observe a variedade colorida e impressionante de peixes na água:

    Arraias detentoras de recordes

    Hogan suspeitava há muito tempo que o maior gigante do rio poderia ser encontrado entre as arraias, das quais existem dezenas de espécies de água doce. Em uma expedição da Monster Fish à Argentina, o próprio Hogan capturou uma arraia de cauda curta que pesava cerca de 181 kg. Mas ele sabia que a arraia-gigante-de-água-doce (Urogymnus polylepis) do Sudeste Asiático poderia ser muito maior do que isso.

    Durante muitos anos, Hogan e uma equipe de pesquisadores tailandeses estudaram arraias em dois rios não muito longe de Bangkok. Durante esse período, a equipe capturou diversas arraias que poderiam ameaçar o recorde do bagre-gigante-do-mekong de 2005, mas Hogan e seus colegas nunca conseguiram determinar os pesos desses animais.

    Então, em 2016, um vazamento químico no rio Mae Klong da Tailândia exterminou pelo menos 70 arraias-gigantes. Quando os cientistas retornaram ao rio dois anos depois, encontraram muito menos arraias e quase nenhuma delas era gigante.

    Mais recentemente, o projeto Maravilhas do Mekong, de Hogan, acelerou a pesquisa no norte do Camboja, onde o rio Mekong é cercado por florestas sazonalmente inundadas, contém alta biodiversidade e acredita-se que seja palco da desova até 200 bilhões de peixes por ano. A região também é considerada um importante refúgio na estação seca para muitos dos megapeixes do Mekong, incluindo arraias-gigantes.

    Trabalhando com comunidades locais, a equipe de pesquisa formou uma rede de pescadores incentivados a relatar capturas de arraias e outros peixes ameaçados de extinção antes de devolvê-los ao rio. Embora seja permitido por lei pescar arraias no Camboja, os pescadores raramente as têm como alvos porque não são consideradas um bom peixe para alimentação. Às vezes, no entanto, as arraias são fisgadas acidentalmente, como aconteceu com a fêmea recordista que foi capturada em 13 de junho. 

    Após receber a ligação de Thun, os membros da equipe sediados em Phnom Penh, capital do Camboja, dirigiram-se rapidamente para a margem do rio. Lá encontraram outra equipe de cientistas americanos que trabalham na região. Rapidamente implantaram, na base da cauda da arraia, um localizador que, de acordo com os pesquisadores, os ajudará a colher mais informações sobre o comportamento da espécie, incluindo os locais onde se alimenta, sua rota e os locais onde os filhotes nascem.

    “O fato de [Thun] ter nos ligado é uma prova da importância de trabalhar com as comunidades locais”, observa Hogan. “Os pescadores podem ser grandes aliados no trabalho de proteção desses animais”.

    No momento em que a arraia foi devolvida ao rio, havia uma multidão de pessoas no local, incluindo autoridades cambojanas e moradores do vilarejo. Muitos tiravam fotos da criatura gigante, que recebeu o nome de “Boramy”, ou “lua cheia”, no idioma khmer, porque o peixe de aspecto redondo foi devolvido ao rio durante uma noite de lua cheia. A palavra também é comum quando se deseja descrever uma mulher bonita.

    Sinal de esperança

    Para Hogan, o trecho do rio Mekong em que a arraia foi encontrada não somente é um possível local de alta concentração de arraias-gigantes, como também uma fonte de esperança para todas as espécies de megapeixes ameaçadas. Apesar da terrível situação em que se encontram muitos gigantes dos rios ao redor do mundo, Hogan diz que ainda há razões para ser otimista.

    Na América do Norte, por exemplo, trabalhos dedicados à preservação têm ajudado populações de diversas espécies de gigantes de água doce, como o peixe-jacaré e o esturjão-de-lago. O mesmo ocorre em relação ao pirarucu da Amazônia, onde comunidades indígenas restringiram a pesca deste gigante de água doce.

    “Quando as pessoas passam a saber da existência desses animais, começam a admirá-los e se sentem inspiradas”, afirma Hogan. “Eu me lembro do peixe que quebrou o recorde em 2005; ele foi morto e vendido como alimento. Agora estamos rastreando o maior peixe de água doce do mundo. É um contraste e tanto. Significa que nem tudo está perdido.”

    A National Geographic Society, comprometida em destacar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financiou o trabalho de Zeb Hogan. Saiba mais sobre o apoio da Sociedade aos exploradores que promovem e protegem espécies importantes. Hogan e Stefan Lovgren são coautores do livro Procurando gigantes: em busca do maior peixe de água doce do mundo, a ser lançado em breve.

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