Como salvar o mítico e ameaçado condor-dos-andes?

A população do abutre foi dizimada por envenenamentos e pela urbanização, mas iniciativas de resgate ajudam em sua recuperação gradual.

Por Rebecca Dzombak
Publicado 15 de ago. de 2022, 10:21 BRT
Tupun Catu, jovem condor reabilitado, abre as asas para voar sobre o Parque Cordon del Plata ...

Em abril de 2022, Tupun Catu, jovem condor reabilitado, abre as asas para voar sobre o Parque Cordon del Plata em Mendoza, Argentina. Sempre que o Programa de Conservação do Condor-dos-Andes (PCCA) devolve um condor à natureza, membros das comunidades indígenas locais realizam uma cerimônia em sua homenagem. A cerimônia de cada comunidade é única e parte essencial da abordagem de conservação do PCCA.

A maior ave de rapina do mundo está em dificuldades e habitantes de sua região nativa tentam salvá-la. O condor-dos-andes, um enorme primo sul-americano do condor-da-califórnia, já ocorreu por toda a extensão dos Andes e além. 

Com uma envergadura de 3 metros e expectativa de vida de 50 anos, há muito tempo a ave é reverenciada entre culturas indígenas andinas como símbolo de poder e imortalidade. É a ave nacional ao menos de quatro países.

O ilustre abutre, entretanto, não foi capaz de resistir ao avanço humano. Condores colidem com turbinas eólicas e linhas de energia durante o voo. Carcaças de animais com resquícios de chumbo das balas de caçadores acabam envenenando lentamente o sangue dos condores, que se alimentam desses animais mortos.

Algumas comunidades agrícolas deixam expostas iscas venenosas para matar predadores que atacam o gado, uma prática que indiretamente também extermina os condores. A caça ilegal e intencional é rara, mas ainda ocorre.

Classificado como vulnerável à extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), restam apenas cerca de 6,7 mil condores adultos na natureza. Mas cientistas, conservacionistas e comunidades indígenas tentam ajudar na recuperação da ave emblemática.

O Programa de Conservação do Condor-dos-Andes (PCCA) lidera essa iniciativa na Argentina há três décadas. Nesse período, o programa resgatou ao menos 370 condores – mais de 5% da população total da espécie –, incubou ovos e soltou na natureza 80 filhotes de condor. Com isso, o grupo conseguiu recuperar os condores-dos-andes ao longo da costa atlântica no sul da Patagônia.

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    À esquerda: No alto:

    Em uma soltura de condores na província de Tucumán, no noroeste da Argentina, Santos Pastrana, chefe da comunidade indígena diaguita, conduz a cerimônia com uma haste com uma representação tradicional andina de um condor de duas cabeças. “Para nossa comunidade, toda biodiversidade, mas especialmente o condor, é um símbolo de espiritualidade, sabedoria e coragem”, afirma Pastrana.

    À direita: Acima:

    Kurruf é um dos 64 condores soltos na natureza pelo programa ao longo da costa atlântica da Patagônia como parte de uma iniciativa para recuperar a área de distribuição do condor-dos-andes existente no século 19. Relatos de moradores e referências históricas, como anotações de Charles Darwin na época em que passou pela região, ajudaram conservacionistas a determinar essa área de distribuição. Agora, pela primeira vez em 170 anos, o condor-dos-andes pode ser encontrado por toda a costa na Argentina.

    fotos de Photogr

    Para muitos, o desaparecimento do condor – e seu ressurgimento gradual – é algo pessoal e comovente. As aves são o “espírito dos Andes”, afirma Luis Jácome, diretor do PCCA. Muitos moradores da Patagônia, prossegue ele, recordam-se de histórias contadas por seus avós sobre as enormes aves voando sobre as colinas.

    Devido a essa profunda ligação com os povos andinos, a cada soltura de um condor na natureza pelo PCCA, a comunidade local realiza uma cerimônia única, conduzida por um líder espiritual, para celebrar o retorno da ave e oferecer orações. Para Jácome, esse ritual é parte essencial da reintrodução do condor em sua região de origem. “Nosso trabalho é como as duas asas do condor”, observa ele. “Uma asa é o conhecimento científico e a outra é a cultura. O condor é uma ave sagrada para todo o nosso povo na América do Sul.”

    Sofia Lopez Mañan, fotógrafa e exploradora da National Geographic, dedica-se a reconhecer esse papel único desempenhado pela ave na sociedade indígena e passou os últimos seis anos trabalhando em proximidade com a “família condor” do PCCA. Mais do que tudo, diz ela, parece o destino: “Comecei a trabalhar com condores porque fui escolhida por eles.”

    Além de incubar os ovos, resgatar e soltar condores, os cientistas do PCCA utilizam coleiras de monitoramento por GPS para monitorar as aves quando retornam à natureza. Os dados permitem identificar habitats importantes e informar formuladores de políticas sobre quais áreas devem ser direcionadas à proteção. 

    Foram apresentadas propostas de uso de algumas das terras mais importantes da Patagônia, onde aves foram soltas, para produção de energia por meio de turbinas eólicas e hidrogênio verde. “Hoje vivemos em conflito”, lamenta Jácome. “Deveria haver um retorno à ordem natural.”

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        Dentre as aves, os condores se reproduzem de forma excepcionalmente lenta, apenas após atingir a maturidade sexual por volta dos 9 anos, e criam somente um filhote durante dois ou três anos. Para tentar acelerar esse processo, o PCCA algumas vezes retira ovos de casais mantidos em cativeiro em instituições zoológicas para que sejam incubados em suas instalações. Após a retirada do ovo, o casal normalmente produz um segundo ovo que fica sob seus cuidados, multiplicando a capacidade reprodutiva da espécie. Tama, essa condor fêmea resgatada, botou diversos ovos que posteriormente deram origem a filhotes soltos na natureza pelo PCCA.

        Foto de Photogr

        A veterinária Jennifer Ibarra examina a radiografia de um condor morto, em busca de sinais de balas de chumbo ingeridas pela ave ao se alimentar de carniça. Pastores em toda a Argentina ainda usam balas de chumbo para atirar em animais como onças-pardas, guanacos, cervos e cães-selvagens que atacam o gado. Os condores que se alimentam das carcaças desses predadores ingerem as balas, e o chumbo envenena lentamente seu sangue.

        Foto de Sofía López Mañán

        Em junho de 2021, essa condor fêmea, Suyan, foi encontrada morta após ingerir uma bala de chumbo, pouco menos de dois anos após sua soltura na Patagônia. Balas de chumbo e iscas venenosas são duas das principais ameaças aos condores-dos-andes, segundo Sergio Lambertucci, chefe do grupo de especialistas em abutres da UICN. A isca tóxica, ressalta ele, “extermina muitos indivíduos de uma só vez”. Conservacionistas e cientistas defendem a proibição do uso de balas de chumbo na caça na Argentina.

        Foto de Sofía López Mañán

        Com o declínio populacional do condor-dos-andes, os ensinamentos tradicionais associados à ave também diminuíram – paralelamente ao desaparecimento e perda de identidades e línguas indígenas. Wüsüwül Wirka ou Daniel Huircapan, da comunidade kawal a külü, do povo günün a küna, tenta preservar essa história ao celebrar cerimônias de soltura e, com elas, busca preservar também a importância cultural do condor.

        Foto de Sofía López Mañán

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          O Valle Encantado no Parque Nacional Los Cardones é um bom local para avistar condores-dos-andes voando nos céus, os quais, na Argentina, geralmente preferem os vales mais baixos aos picos de montanhas altas. O PCCA resgata e solta condores nesse vale, mas alguns moradores de cidades pastoris próximas estão céticos em relação à soltura de condores porque temem que as aves cacem o gado, embora isso não tenha sido observado.

          Foto de Sofía López Mañán

          Marcos Pastrana é líder da comunidade indígena diaguita, em Tafí del Valle, Argentina. Como ativista contrário ao garimpo e geólogo, ele testemunha os estragos causados pela ação humana na natureza e na fauna silvestre, incluindo os condores. “O orgulho das pessoas as fazem acreditar serem as detentoras dos direitos, do intelecto, da espiritualidade, de tudo. Falamos de direitos humanos à água, mas… e as outras espécies, outras formas de vida, não têm direitos?

          Foto de Sofía López Mañán

          Huasi, condor-dos-andes macho, passa por exame veterinário no Centro de Recuperação de Espécies do PCCA, no Bioparque Temaikén, em Buenos Aires, Argentina. Durante esses exames, os veterinários também colocam uma placa de identificação numerada na asa. Um dia antes da soltura, os condores são equipados com equipamentos de telemetria por GPS para monitorar os trajetos de seus voos. Huasi será solto em Sierra Pailemán, no extremo norte da Patagônia, em outubro.

          Foto de Sofía López Mañán

          Todos os filhotes da instalação de incubação do PCCA são criados isolados de humanos para preservar seus instintos selvagens. Na imagem, Vanesa Astore, diretora executiva do PCCA, demonstra como os biólogos usam bonecos de condores para imitar os pais na natureza e alimentar os filhotes dentro de uma incubadora, oferecendo-lhes as melhores chances de sobrevivência depois de soltos.

          Foto de Sofía López Mañán

          Com 2 meses de idade e 38 centímetros de altura, Karut permanece em uma incubadora na instalação de incubação do PCCA logo após os horários das refeições. Karut eclodiu após 57 dias em uma incubadora e é um dos 80 filhotes de condor criados na instalação. Até o momento, quase todos os condores soltos pelo programa de incubação sobreviveram, embora alguns tenham sucumbido às mesmas ameaças enfrentadas por todos os condores: iscas envenenadas e balas de chumbo.

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            Cone de Arita, um vulcão cônico de cinzas, ergue-se sobre o Salar de Arizaro, no alto dos Andes, na fronteira entre Argentina e Chile. Nas línguas indígenas locais, Arizaro significa “poleiro do condor”; as aves já foram predominantes na região, alimentando-se de carcaças de animais que tentavam atravessar as salinas desoladas, segundo relatos.

            Foto de Sofía López Mañán

            No início deste ano, o povo huarpe realizou uma cerimônia silenciosa em Mendoza, em homenagem à soltura do condor Tupun Catu. Antes da abertura da gaiola, os convidados reunidos são limpos com ervas fumegantes e perfumadas, e uma pena de condor. Em seguida, todos recuam e a porta é levantada; o condor pode andar um pouco ou abrir as asas imediatamente e voar. Nesse momento, um grito alegre o saúda: “jallalla!”. “É incrível a visão de condores voando sobre sua cabeça”, conta Jácome.

            Foto de Sofía López Mañán

            Após os filhotes na instalação de criação alcançarem idade suficiente, são transferidos a uma jaula nas encostas rochosas de Sierra Pailemán, no extremo norte da costa da Patagônia. Permanecem na jaula por dois meses antes de sua soltura, adaptando-se às temperaturas frias e eventuais ventos fortes – seu habitat natural. No dia da soltura, a porta é aberta e o bando estica as asas pela primeira vez, voando para seu habitat há muito abandonado.

            Foto de Sofía López Mañán

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              Santos Pastrana é o chefe da comunidade diaguita, em Tafí del Valle, uma cidade no noroeste da Argentina. Na imagem, está diante de uma apacheta, construção de pedra sagrada destinada a fazer oferendas a Pachamama, divindade materna reverenciada por muitos nos Andes. Os líderes espirituais das comunidades indígenas em toda a Argentina não participam apenas das solturas cerimoniais dos condores, mas também são membros cruciais da equipe de resgate, reabilitação e conscientização sobre as aves.

              Foto de Sofía López Mañán

              Ao monitorar as aves com telemetria por GPS, cientistas determinaram que as áreas de distribuição dos condores geralmente se estendem por centenas de quilômetros do local onde são soltos, abrangendo as encostas secas e rochosas dos Andes, costas verdejantes à beira-mar e toda a região intermediária. À medida que mais condores são criados, resgatados e soltos, essa área de distribuição prosseguirá sua expansão e a equipe saberá quais regiões precisam ser mais protegidas.

              Foto de Sofía López Mañán

              A National Geographic Society, comprometida em destacar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financiou o trabalho da exploradora Sofia Lopez Mañan. Saiba mais sobre o apoio da National Geographic Society a exploradores que destacam e protegem espécies críticas.

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