
Como a amizade dos morcegos-vampiros é surpreendentemente parecida com a dos humanos
Na foto, o close do rosto de um morcego-vampiro (Desmodus rotundus) fotografado na Universidade de Yale. Eles também são conhecidos como morcegos-hematófagos.
Quem disse que na natureza, certas espécies de animais não poderiam “comemorar” também o Dia Internacional da Amizade, (celebrado anualmente em 30 de julho)? Pois segundo a ciência, os morcegos-vampiros constroem amizades da mesma forma que as pessoas. Isso significa que eles começam seus laços de forma lenta e vão se aprofundando com o tempo em relações que podem até mesmo salvar vidas.
É o que mostra uma intrigante pesquisa a qual mostra que os morcegos-vampiros nativos das Américas Central e do Sul são altamente sociais – e já eram conhecidos por manter relacionamentos de décadas. Os pesquisadores descobriram agora como essas conexões começam.
Segundo um estudo publicado em 19 de março de 2020 na revista “Current Biology”, os únicos mamíferos sugadores de sangue conhecidos no mundo desenvolvem confiança em indivíduos não-aparentados – primeiro cuidando uns dos outros e, em seguida, regurgitando sangue para compartilhar entre eles.
Este segundo ato é considerado um verdadeiro movimento de “altruísmo” já que esta espécie que precisa comer a cada três dias.
Além disso, o compartilhamento de sangue tende a ser recíproco, sendo mais provável que os morcegos ofereçam uma refeição a um parceiro que tenha compartilhado com eles no passado.
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O registro de um morcego-vampiro bebendo sangue de um bezerro adormecido.
Como um morcego-vampiro começa a “fazer amigos”?
“Nas relações entre os morcegos-vampiros, vimos que o histórico de interações era importante e que o ambiente social também era bastante relevante”, diz o líder do estudo, Gerry Carter, ecologista comportamental da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos.
A pesquisa apoia uma teoria relativamente nova de “aumentar as apostas” em ecologia, que sustenta que os animais não relacionados (ou seja, que não seriam “parentes), vão “testando as águas” da amizade e do altruísmo entre eles primeiro com comportamentos de baixo custo, ou seja, limpando os pelos uns dos outros, por exemplo.
Depois, trabalham em “investimentos mais caros”, nesse caso, compartilhando alimentos.
Proposta pela primeira vez em 1998, a teoria pode ser verdadeira em outros animais sociais, inclusive nos seres humanos. É por isso que o estudo desses sanguívoros sociais também pode revelar percepções sobre as complexidades das amizades humanas, diz ele.
O sangue “sela” a amizade entre os morcegos-vampiros
Para testar como esses laços surgem, Carter e seus colegas capturaram 27 morcegos-vampiros comuns (Desmodus rotundus) – uma das três espécies conhecidas – de dois locais distantes no Panamá.
Ativos à noite, esses morcegos “galopam” pelo chão, aproximando-se de suas presas de quatro. Os dentes afiados cortam sem dor a veia da vítima – geralmente gado ou outro animal de grande porte – permitindo que eles lambam o sangue que escorre com a língua.
No laboratório, os cientistas colocaram os morcegos em pares, com um de cada localidade do Panamá, ou em pequenos grupos mistos. Em seguida, eles retiraram o alimento de um dos morcegos e observaram como ele interagia com seus companheiros de poleiro.

Morcegos-vampiros comuns se abrigam em uma caverna na Costa Rica.
Após 15 meses juntos, surgiram alguns padrões. Muitos dos estranhos acabaram formando relações de higiene, mas um número muito menor de morcegos compartilhou sangue por meio de regurgitação.
Ações de “limpeza” sempre vinham antes do compartilhamento de alimentos entre os morcegos. E naqueles que regurgitavam alimentos para os outros, a conexão mútua aumentava antes da primeira troca de sangue e depois se estabilizava.
Além disso, as relações entre morcegos que inicialmente eram “estranhos” tinham maior probabilidade de se formar quando os morcegos familiares não estavam por perto. Quando os morcegos foram apresentados como pares isolados, eles engajaram em relacionamentos mais rapidamente e com mais frequência do que quando estavam em grupos grandes.
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A difícil arte de fazer amigos – até mesmo na natureza
A teoria de “aumentar os riscos” nas relações é simples e intuitiva – e vale para morcegos e pessoas. Afinal, ninguém quer investir muito para ajudar um outro que não retribui essa atitude, diz Tom Sherratt, um dos criadores da pesquisa e biólogo da Carleton University em Ottawa, Canadá.
“Você testa a confiabilidade do seu parceiro em potencial fazendo primeiro um investimento de baixo nível e depois vendo se ele é retribuído”, diz Sherratt. Caso contrário, não se forma uma ligação – e até aí não há problema algum.
“É uma estratégia poderosa porque significa que você pode escalar para um relacionamento de confiança, mas também não perde muito se encontrar uma pessoa que não coopera.”
Mas tem sido difícil demonstrar a teoria em animais. Para detectar esse padrão, seria necessário apresentar estranhos aleatórios e monitorar o que acontece durante um longo período de tempo – exatamente o que Carter e seus colegas fizeram com sucesso aqui, diz Sherratt, que não estava envolvido na pesquisa com morcegos.
Algumas pessoas podem não gostar de admitir, mas a reciprocidade também é uma parte vital dos relacionamentos humanos, acrescenta Carter.
“As amizades humanas têm contingências e expectativas sutis, mas não é do interesse de ninguém tornar isso explícito”, diz ele.
Pense da seguinte forma: “O que aconteceria se um de seus amigos se tornasse totalmente indigno de confiança?” pergunta Carter.
“Se for você quem faz todos os investimentos e o outro nunca retribui, em quanto tempo a pessoa começa a se afastar desse relacionamento e a construir laços com alguém novo?". É a regra do “o que vale para um, vale também para o outro".
